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Férias frustradas: turistas relatam prejuízo com restrição de voo a Noronha

Maurício e Suzana passaram férias de família quase perfeitas em Fernando de Noronha (PE) -- o pesadelo foi conseguir embarcar num voo de volta para casa - Arquivo pessoal
Maurício e Suzana passaram férias de família quase perfeitas em Fernando de Noronha (PE) -- o pesadelo foi conseguir embarcar num voo de volta para casa
Imagem: Arquivo pessoal

Adriana Victor

Colaboração para o TAB, do Recife

22/10/2022 04h01

Dezesseis amigos de Sergipe pretendiam viajar para Fernando de Noronha (PE) para celebrar o bem querer que os une — José, um deles, pretendia surpreender a namorada com um pedido de noivado num mirante. Não conseguiram chegar. Depois de férias quase perfeitas na ilha, uma família queria voltar tranquilamente para casa, no Rio de Janeiro. Não conseguiram sair.

Chegar e partir de Noronha está mais difícil desde dia 12 de outubro, quando a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) proibiu pousos de aeronaves com motores a reação, os turbojatos, suspendendo parte dos voos do único aeroporto do arquipélago pernambucano (não estão incluídos nessa restrição as aeronaves turboélice). A medida afetou, inicialmente, cinco voos diários para Fernando de Noronha — quatro operados pela Azul e um pela Gol.

A Anac afirma que vem monitorando a pista da ilha desde 2019 e que "a medida deve-se à verificação de risco à segurança das operações, dos passageiros e tripulantes e será mantida até que o operador aeroportuário demonstre o cumprimento das determinações definidas pela agência".

"Comprei as alianças, planejei entregá-las no mirante de onde se avista o Morro Dois Irmãos. Seria um dia extremamente feliz para nós", imagina o advogado José Victor Monteiro da Conceição, 23, que faria o pedido à namorada, Isabela Santana Tavares, 22. As alianças estão guardadas para que possam ser entregues em Noronha, como ele desejou — mas a nova data da viagem segue indefinida. Ele gastou cerca de R$ 3.800 com passagem, passeios e hospedagem (conseguiu, até agora, o ressarcimento de apenas R$ 500).

O casal faz parte do grupo de 16 pessoas, todas moradoras de Sergipe, que planejaram a confraternização em Noronha. "A maioria é formada por amigos de infância", diz o dentista João Paulo Santos Oliveira, 37, outro integrante do grupo. "Sonhamos com isso, não conhecemos Fernando de Noronha. É muito frustrante."

Dos 16, apenas quatro conseguiram embarcar, já que tinham bilhetes da Azul (a empresa manteve a maior parte de seus voos para a ilha). "Havíamos pago 50% da pousada, que disse, por mensagem, que poderíamos marcar outra data", conta João Paulo.

Além dos R$ 1.800 gastos com as passagens, o dentista alugou um carro para ir de Aracaju ao Recife, de onde sairia o voo. Também já havia pago a Taxa de Preservação Ambiental e dois passeios na ilha — apenas um deles, o de barco, com direito a churrasco a bordo, custou R$ 5.920 para o grupo. "Além das despesas com a viagem, precisei contratar um dentista para ficar no meu lugar quando estivesse fora."

Frustração é palavra repetida por todos os que enfrentam situação parecida. Os comerciantes Igor Fontes, 24, e José Hércules, 25, moradores de José da Penha (RN), a 420 km de Natal, suspenderam as férias e vão seguir trabalhando: a viagem do casal aconteceria entre os dias 24 e 29 de outubro.

"Havíamos comprado as passagens em janeiro. Desde então, estávamos nos preparando para viajar. Agora é só aborrecimento e buscas para tentar reaver o que já gastamos", lamenta Igor. "Foram cerca de R$ 6.000 — isso porque pagamos apenas 50% de alguns dos custos, como passeios e hospedagem."

Turistas 'presos' no arquipélago de Fernando de Noronha (PE) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Suzana e os dois filhos, Felipe e Fernando, passeando pela ilha
Imagem: Arquivo pessoal

'É muito tempo'

Morador do Rio, o consultor financeiro Maurício de Souza, 53, escolheu a viagem para Noronha como um presente para a esposa, Suzana, cujo aniversário foi em julho. Na ilha, celebrariam os 29 anos de casados junto com os dois filhos, Felipe, 24, e Fernando, 22.

E assim foi feito: os quatro voltaram ao arquipélago depois de dez anos da primeira visita. "Foi nossa primeira viagem depois da pandemia. Vivemos dias maravilhosos e muito especiais para nós", avalia Maurício. O feriado dedicado à Nossa Senhora Aparecida ajudou na escolha das datas; todos conseguiram ajustar as agendas para os dias cinco insulares, entre 10 e 15.

Só constataram que enfrentariam problemas para voltar ao Rio quando já estavam em Noronha. "A Gol nos enviou, por e-mail, a determinação de restrição da Anac. E, mesmo assim, confirmou os nossos voos, tanto o da ida quanto o da volta. Tenho tudo documentado", afirma o consultor financeiro.

No dia 13, com a confirmação da suspensão dos voos pela Anac, ele decidiu procurar novamente a empresa. "Gastei entre oito e dez horas tentando falar com a companhia, buscando qualquer retorno. Isso é muito tempo. Além da tensão, atrapalhou os nossos dias que deveriam ter sido de folga e descanso apenas."

Eles optaram por comprar novas passagens, mas precisaram trocar de pousada, adiar a volta e se dividir nos embarques: Maurício viajou para o Rio no dia 18; Suzana e os filhos só chegaram em casa na noite do dia 19, quatro dias depois do previsto. A permanência forçadamente prolongada na ilha custou mais de R$ 10 mil. "Foram mais de R$ 3.000 gastos com a nova pousada e R$ 1.700 em cada nova passagem. Sem contar com outros custos, como alimentação", cita.

"Acreditamos que qualquer medida para resguardar a segurança de todos está acima das questões operacionais. No entanto, tivemos que arcar sozinhos com todos os custos para permanecer na ilha e conseguir retornar." Até agora não sabem se serão reembolsados.

Procurada, a Gol informa que priorizou a comunicação com todos os clientes envolvidos desde o anúncio da Anac. "Foram enviados e-mails, SMS e feitas ligações para que os impactos fossem minimizados", afirma. "Há ainda clientes da Gol na ilha de Fernando de Noronha. Todos estão recebendo as facilidades previstas e seguirão para Recife em voo de companhia aérea congênere ao longo dos próximos dias."

"Os turistas que tiveram novos custos têm direito ao ressarcimento integral dos valores", afirma o presidente da OAB-PE (Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco), Fernando Ribeiro Lins. "É importante destacar que o consumidor não tem qualquer responsabilidade sobre o cancelamento. Por isso deverá ser ressarcido." Em nota, o MPPE (Ministério Público de Pernambuco) informa que a Promotoria de Justiça de Fernando de Noronha está apurando as "responsabilidades pela falta de assistência aos consumidores diante da mudança operacional."

Fernando de Noronha (PE) - Divulgação - Divulgação
'Afeta a gente em quase tudo', diz Ana, da empresa de passeios Encantos de Noronha
Imagem: Divulgação

Altíssima temporada

"Infelizmente, os prejuízos são gigantes: 99,9% da economia de Fernando de Noronha advém do turismo", diz Jannaina Ferreira, 44, dona da Pousada Fortaleza de Noronha, inaugurada há 29 anos. "Ainda estamos nos recuperando dos sete meses em que a ilha ficou fechada, em 2020. E outubro, historicamente, é um mês de altíssima temporada."

Desde o dia 12, ela vem recebendo solicitações de cancelamentos de reservas — ainda não consegue contabilizar os prejuízos porque eles crescem a cada dia. "Compreendemos os motivos de segurança, mas isso impacta diretamente na saúde financeira de todos os moradores de Noronha, principalmente de nós, pousadeiros. E, até o momento, não temos respostas das autoridades sobre prazos para iniciar e finalizar a reforma", lamenta.

A Seinfra (Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos), responsável pela obra no aeroporto, informa que está investindo mais de R$ 60 milhões para adequar a pista "aos modelos atuais e futuros de movimentação das aeronaves na ilha".

Até sexta (21), não havia qualquer obra sendo executada na pista. Segundo a secretaria, os trabalhos começaram no dia 6, "a partir da mobilização de materiais e equipamentos necessários". O órgão afirma que as equipes darão início ao uso de concreto para os reparos na segunda-feira (24). A primeira parte dos serviços tem previsão de 60 dias, mas, segundo a secretaria, eles só serão concluídos integralmente em doze meses.

"Afeta a gente em quase tudo. Até as prateleiras dos supermercados estão vazias, vários produtos em falta", conta Ana Carla Mendonça, moradora da ilha e vendedora da empresa Encantos de Noronha, que atua no arquipélago desde 2018, oferecendo passeios de barco e canoa havaiana, entre outros. Segundo ela, a empresa precisou devolver entre 60% e 70% dos valores de passeios já adquiridos. "Quando a gente estava conseguindo se reerguer um pouco, vem isso."

Quem mora na ilha também tem problemas para voltar para casa. Clarissa Paiva, 39, jornalista do ICMBio em Noronha, vive no arquipélago há quatro anos. Ela deixou a sua casa por lá para acompanhar o pai na recuperação de uma cirurgia, na cidade de Pau dos Ferros (RN), a cerca de 400 km de Natal — desembarcou no Recife e levou quase três dias para chegar na cidade potiguar, usando ônibus e transporte alternativo.

"Deveria estar de volta em Noronha desde o dia 15. Mas só consegui passagem para o dia 22, uma semana depois previsto", lamenta a jornalista. Como moradora, ela tem direito a tarifa diferenciada, mas não conseguiu utilizar o benefício, mesmo depois de seis horas de espera numa fila. "Acabei optando por comprar uma passagem mesmo com a tarifa cheia. Sei que é um processo difícil para todos e que a companhia que nos atende (Azul) tem se esforçado para disponibilizar vagas. Mas todos estão sendo prejudicados, turistas e moradores."

A administração da ilha informa que foi acordado que, a partir de quinta-feira (20), estarão reservados três assentos para os moradores, em cada voo. "Atualmente, a Azul está operando com 5 voos diários, totalizando 15 vagas. Com a previsão de aumento da operação para seis voos diários, o total de assentos reservados aos moradores aumentará para 18 vagas por dia", diz a nota.