Topo

'É o futuro do Brasil': Natal tem filas de 3 h por passe livre para eleição

O pedreiro Canindé Silva, 47, na fila na quarta-feira (26) para retirar passagem gratuita na rodoviária de Natal para votar em São Tomé (RN), ainda não definiu seu voto no segundo turno: "Decido na hora" - Valcidney Soares/UOL
O pedreiro Canindé Silva, 47, na fila na quarta-feira (26) para retirar passagem gratuita na rodoviária de Natal para votar em São Tomé (RN), ainda não definiu seu voto no segundo turno: 'Decido na hora'
Imagem: Valcidney Soares/UOL

Valcidney Soares

Colaboração para o TAB, de Natal

28/10/2022 04h01

"Aquela fila todinha ali é para quê?", perguntava o missionário católico Ronaldo Francisco, 40. Comprando passagem na Rodoviária de Natal, com destino a Recife, ele se espantava com a fila que dava voltas no fim da noite de quarta-feira (26), quando centenas foram buscar passagens gratuitas para votar fora da capital potiguar. A espera durou até três horas.

A emissão de passagens gratuitas foi anunciada pelo Governo do Rio Grande do Norte no dia 19 de outubro, para assegurar o deslocamento dos eleitores que moram na capital, mas votam no interior. A ação começou no dia 25, levando multidões à rodoviária. As longas filas geraram vídeos virais nas redes sociais, em que eleitores gritam e fazem o "L" de Lula (PT).

"Pensei que seria alguma coisa pra receber dinheiro, porque pro povo fazer essa fila todinha pra ganhar passagem pra votar, nem todo mundo tem essa disposição", dizia Francisco. "Se fosse eu, eu justificava. Não vou mentir, não."

Por outro lado, 14.712 bilhetes haviam sido emitidos até a tarde de quarta-feira — para 29 destinos, já estavam esgotados. Uma que ficou pelo caminho foi a vendedora Vânia Rodrigues, 45, que chegou na rodoviária às 20h mas encontrou lotados todos os ônibus para Mossoró, a cerca de 270 km de distância.

"Eles dão uma informação que é até sexta-feira [28]. Como assim? Se hoje é quarta e já acabou?", questionava. Ao TAB, o governo informou que antevia que a demanda poderia ser superior à oferta de bilhetes para alguns destinos e que, por isso, planejou com as empresas um aumento de 100% da frota. "Contudo, o sistema tem um limite de veículos por empresa, o que, em alguns trechos e rotas, levou a esgotamento das passagens", afirmou, em nota.

No primeiro turno, Vânia não votou por falta de dinheiro para viajar, e deve faltar novamente no dia 30. "As coisas estão difíceis, né. Não tinha dinheiro, agora achei que era uma boa oportunidade, mas olha aí a situação. Não vou votar de novo. Vou pagar uma multa ou vou justificar."

Sorte teve a técnica de enfermagem Maria Sueleide, 43. Trabalhando o dia inteiro, ela deixou quatro familiares guardando seu lugar na fila, já que todas iriam para o mesmo destino. Ela é natural de Pedro Avelino, "onde Judas perdeu as botas", nas suas palavras.

Sueleide deve viajar no sábado e voltar na segunda. Ela é mesária no município, e por isso tem a obrigação de estar presente no seu domicílio eleitoral. "Por isso que tô fazendo esse sacrifício para ir. Querendo ou não, tem que ir. Já que estão dando as passagens pra gente, vamos aproveitar. Se fosse pagando, eu gastaria R$ 120", apontou.

'Polarizado demais'

À noite, não havia manifestações políticas na fila e as pessoas se concentravam em passar o tempo em pé aguardando sua vez. A imagem era diferente do que foi registrado na terça (25), primeiro dia de emissão gratuita dos bilhetes. Mas os eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda se manifestavam silenciosamente, como a chefe de cozinha Jaísa Belarmino, 28.

Com um adesivo do petista no peito, ela tinha acabado de conseguir emitir suas passagens, também para Pedro Avelino. No primeiro turno, ia pagar por conta própria, mas saiu tarde do emprego e perdeu o ônibus. Neste domingo (30), vai confirmar o voto que não pôde depositar anteriormente.

Maria das Dores da Silva, 26, conseguiu emitir as passagens e vai votar. No primeiro turno, viajou por conta própria. "Mas agora com passagem gratuita facilita e muito, porque às vezes a gente não tem aquela condição de ir", ponderou. "É o futuro do Brasil que tá aí", disse, fazendo o "L", ao lado da esposa.

Na porta de entrada da rodoviária, um fiscal do terminal conversava com quem passava por ali. "Essas eleições estão uma loucura. Tá polarizada demais." Disse, aos risos, que brigou até com a cunhada, já que ela vai votar em Lula e ele, nulo. Depois, afastou-se para ajudar passageiros que chegavam com malas para viajar logo mais.

O movimento não parou. Três guichês da Transpasse (Associação das Empresas de Transporte Intermunicipais de Passageiros) foram colocados à disposição dos usuários. O funcionamento é das 5h às 22h e deve seguir até esta sexta (28).

"Diante da demanda que a gente já estava prevendo, em torno de 15 a 20 mil passageiros vindo buscar seus bilhetes, a gente se preparou desde a semana passada", disse o atendente Wellington Oliveira, que reservou poucos segundos para comentar a alta procura.

"Os primeiros dias estão um sufoco. Mas a tendência é que essas filas a partir de quinta-feira (27) diminuam, pois vários veículos já se encontram com sua lotação completa nos horários disponibilizados", pontuou.

26.out.2022 | Rodoviária de Natal às vésperas do segundo turno - Valcidney Soares/UOL - Valcidney Soares/UOL
'Os primeiros dias [de emissão de passagens] estão um sufoco', disse Wellington Oliveira, da Transpasse
Imagem: Valcidney Soares/UOL

'Lá eu decido na hora'

O pedreiro Canindé Silva, 47, por outro lado, estava em dúvida se permaneceria na fila ou não. "Já estou com vontade de desistir pra voltar amanhã", disse. Ele é eleitor de São Tomé, e repete o trajeto para a cidade a cada dois anos para as eleições, mesmo morando na capital há 35 anos.

A quatro dias do segundo turno, porém, seu voto ainda estava em aberto. "Lá eu decido na hora", revelou.

Com uma mochila nas costas, o desenvolvedor de software João Guedes, 27, estava indo embora por volta das 20h30, após passar duas horas em busca de passagens para a cidade de Santa Cruz — conseguiu, para ele. No primeiro turno, já justificou o voto porque não conseguiu assentos disponíveis para ir com a esposa e a filha. Se fosse para custear bilhetes para os três, gastaria quase R$ 100.

A alta circulação de usuários foi notada também por funcionárias de estabelecimentos situados na rodoviária. "Da hora que eu cheguei, de 14h, até agora, não parei", disse a atendente Isabelle Cristina, 35, dentro do quiosque de uma cafeteria.

"Desde ontem está muito movimentado, muito mesmo, mais do que o normal", apontou a atendente de sorveteria Talita Ferreira, 25. "Hoje eu nem parei para almoçar porque não tive tempo." Ela havia entrado às 9h para sair às 18. Às 20h40, entretanto, ainda estava no trabalho em busca de bater a meta do mês.

Às 20h50, quando a reportagem foi embora, a fila diminuía. Àquela altura, dobrava apenas uma vez para a alegria dos atendentes que viam seu descanso se aproximar. Mas era apenas uma breve pausa. No dia seguinte, a fila voltaria para mais uma vez dar voltas. "Vai até quando tiver o último na fila", disse Wellington Oliveira, atrás do balcão da Transpasse.

26.out.2022 | Rodoviária de Natal às vésperas do segundo turno - Valcidney Soares/UOL - Valcidney Soares/UOL
'Passagem gratuita facilita muito, às vezes a gente não tem condição de ir', relatou Maria das Dores
Imagem: Valcidney Soares/UOL