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'Cai quem quer'? Do trote ao Pix, por que tanta gente é vítima de golpes

Quem cai em um golpe interpretou os sinais que recebeu como verdadeiros -- e não viu motivo para desconfiar deles, diz psicóloga - xijian/Getty Images
Quem cai em um golpe interpretou os sinais que recebeu como verdadeiros -- e não viu motivo para desconfiar deles, diz psicóloga Imagem: xijian/Getty Images

Edison Veiga

Colaboração para o TAB, de Bled (Eslovênia)

13/11/2022 04h01

Moradora do interior paulista, a professora aposentada Vera*, 65, é acostumada a fazer compras online e não acreditava que pudesse cair fácil em um golpe de internet. Mas, no fim do ano passado, quando ela estava querendo comprar uma geladeira nova, o impulso falou mais alto do que a razão.

"Encontrei uma geladeira que era exatamente da marca e do modelo que eu queria. Fiz contato com o vendedor e ele pediu meu WhatsApp para combinarmos os detalhes da compra", recorda ela, que encontrou a oferta em um famoso site de marketplace.

O preço já era mais baixo — cerca de 10% a menos do que o visto em outras lojas. No contato direto, o vendedor disse que se ela fizesse o pagamento via Pix naquele momento, em vez de fechar o negócio por meio do site, ele poderia dar um desconto ainda maior: 25% a menos do que o anunciado.

"Era tão irresistível que, na hora, eu nem me toquei que o site só iria garantir o processo todo se eu finalizasse a compra por meio da plataforma oficial dele, é claro. Fui tonta", admite. Ela pagou R$ 1.250 e ficou a ver navios. O suposto vendedor não só desapareceu como, momentos depois, apagou o anúncio e sumiu do marketplace. E bloqueou também o seu número de WhatsApp.

Os meios se atualizam mas a criatividade dos golpistas parece algo sem fim — dos analógicos trotes que simulavam sequestros de parentes a criativos pedidos de dinheiro por mensagens que dizem "rapidão aqui para resolver um troço e amanhã mesmo te devolvo", as artimanhas são cada vez mais inventivas e contam com a tecnologia como aliada. A partir do Instagram, por exemplo, um golpista se passou pelo ator norte-americano Johnny Depp e convenceu uma paulista de Osasco a lhe transferir R$ 208 mil.

Nos últimos tempos, novos golpes surgiram na praça: o dos cartões contactless, o do "urubu do Pix" e até o do roubo de pedidos feitos pelo iFood. Recentemente, a Polícia Federal também acendeu um alerta para uma nova modalidade que está ocorrendo exclusivamente com celulares, o "golpe da mão fantasma", uma fraude que consiste em oferecer uma falsa atualização para o telefone da vítima e, assim, conseguir acesso ao gerenciamento do aparelho em tempo real, podendo realizar transferências pelos aplicativos de banco sem maiores dificuldades.

É cilada

Mas por que tanta gente cai em golpes? Para especialistas ouvidos pelo TAB, o Brasil tem um cenário fácil para a ocorrência dessas ciladas por mesclar duas situações: uma alta incidência de criminalidade em geral e a intensa informatização da economia — com a praticamente plena adesão dos cidadãos aos mecanismos online de pagamento.

Enquanto em países europeus e asiáticos ainda é relativamente comum se deparar com pequenos comércios que não aceitam cartão e cidadãos, principalmente mais idosos, que preferem contar as moedinhas na hora de fazer o supermercado, no Brasil boa parte das pessoas usa o "dinheiro digital" até na hora de comprar o pãozinho do dia a dia.

"Brasileiro gosta e usa tecnologia", comenta o advogado e consultor Ronaldo Bach, professor na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. "O grupo que mais cai em golpes tecnológico, proporcionalmente, é o grupo dos não nativos digitais: pessoas que nasceram em um contexto sem acesso à internet", ressalta.

Dado da agência americana FTC (Federal Trade Commission) indica que maiores de 60 anos têm mais chance de cair em golpes. E que, nessa faixa etária, os golpes são realizados, em sua maioria, por meio de chamadas telefônicas. "Apesar de não ser um dado do mercado brasileiro, é possível fazer um espelhamento e analisar que aqueles mais distantes das novas tecnologias são os mais suscetíveis a caírem em golpes", analisa a psicóloga Mariana Malvezzi, professora na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

Acreditar ou não acreditar em algo é resultado "de um processo complexo que envolve muitos predicados, entre eles valores, crenças e personalidade", diz. Isso significa que quem cai em um golpe interpretou os sinais que recebeu como verdadeiros.

Para a psicóloga, a ocorrência de mais golpes hoje em dia é consequência de estarmos vivendo uma realidade em que os fatores que influenciam a nossa percepção são extremamente elaborados. E, claro, pelo fato de que não fomos treinados a desconfiar deles.

"Dada a novidade de muitos golpes, não houve tempo a nós, perceptores, de nos adequarmos no sentido do que valorizamos ou não como uma informação merecedora de maior ou menor veracidade", argumenta. "Até pouco tempo atrás, a palavra escrita vinha com uma chancela de 'verdade', pois estava estampada em livros, jornais e revistas. Hoje, nem mesmo fotografias e imagens podem ser aceitas sem um julgamento prévio e cuidadoso."

Malvezzi ressalta que a intensificação do digital favorece o surgimento de novos tipos de golpes. "Temos a tecnologia que invadiu todas as nossas transações diárias e cujas atualizações ocorrem em uma velocidade cada vez maior", afirma a psicóloga.

"Isso significa que estamos todos descobertos usando aplicativos de banco, fazendo inúmeras transações online, trocando informações particulares e eventualmente sensíveis em aplicativos de comunicação como o WhatsApp. Por mais que utilizemos softwares para controle de senhas ou mesmo verificação em duas etapa, a velocidade nas quais desenvolvemos essas ferramentas é a mesma para o aprendizado de como podem ser burladas."

Golpistas online

Aí entra em cena uma velha conhecida da sociedade brasileira: a sensação de impunidade. Se para os crimes "analógicos" já há uma baixa eficácia nesse sentido, para os digitais soma-se a dificuldade inclusive de identificar os golpistas.

"A legislação também não consegue acompanhar a velocidade na qual os golpes são criados e aplicados", aponta Mariana Malvezzi. "Muitas vezes, as forças policiais são alertadas com a ocorrência dos golpes e não conseguem se antecipar."

Bach acredita que as sanções para esse tipo de crime costumam ser "amenas", "fruto das políticas públicas escolhidas por nossos representantes e da interpretação judicial que tem prevalecido em nossos tribunais".

Mas muitas vezes é muito difícil localizar o criminoso. "E o fato é que como os crimes de menor potencial ofensivo quase nunca acarretam uma sanção efetiva, isso passa certa sensação de impunidade, estimulando novas condutas parecidas", comenta Ronaldo Bach.

Tudo indica que o melhor jeito para diminuir as vítimas dos golpes seja mesmo apostar em educação e conscientização. Isso já vem ocorrendo como política pública em diversos países. Na Finlândia, por exemplo, desde 2016 os alunos têm aulas sobre como identificar fake news e golpes na internet, com ênfase para coibir práticas como cyberbullying. Na Eslovênia, desde a pré-escola crianças também são conscientizadas sobre os riscos de expor informações pessoais em ambientes online.

Para Malvezzi, contudo, o foco não pode se resumir às novas gerações. "É primordial compreender e analisar as estatísticas e localizar o perfil das pessoas mais suscetíveis. Uma vez feito isso, seria necessário criar campanhas de conscientização com linguagens em meios que seu público-alvo utiliza", comenta.

De acordo com o levantamento da agência FTC, jovens de 20 a 29 anos são mais contactados por golpistas por meio de redes sociais. Adultos de meia-idade costumam ser alvo de golpes em sites e aplicativos. Já os idosos estão mais vulneráveis a telefonemas.

Para Bach, "é possível pensar em políticas públicas de inclusão dos não nativos digitais ao conhecimento de tecnologias". "Independentemente da posição econômico-social, idosos não lidam tão bem com as tecnologias dos novos meios de comunicação", aponta. "Essa assimetria informacional entre idosos e os mais jovens sobre o uso de tais tecnologias acaba por contribuir com os golpes. Os idosos muitas vezes não têm consciência do potencial das consequências de um procedimento que tomam relacionado a tecnologias."

Ele sugere cursos livres de inclusão digital voltados à terceira idade. "Vai facilitar a vida deles e protegê-los de golpes, quase sempre praticados por nativos digitais."

*Nome trocado a pedido da entrevistada.