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'Devia ter ido ao Brás': a prova de resistência dos 'sheinlovers' em SP

Fila de duas horas na loja pop-up da Shein, no Shopping Vila Olímpia, em São Paulo - André Porto/UOL
Fila de duas horas na loja pop-up da Shein, no Shopping Vila Olímpia, em São Paulo
Imagem: André Porto/UOL

Cláudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, de São Paulo

17/11/2022 14h56

No microfone, um jovem de cabelo descolorido, piercing e tatuagens — uma versão moderna de locutor de rua —, repetia: "Lembrando que somente hoje as peças estão com 25% de desconto. É o último dia! Vocês ainda têm 10 minutos para escolher suas peças."

A tarde de quarta-feira (16), quinto e último dia de funcionamento da loja temporária da Shein no Shopping Vila Olímpia, em São Paulo, não teve tapa, gritaria e confusão, mas o assunto permanecia vivo entre quem aguardava na fila sua vez de entrar. Depois do barraco de sábado, ficou estabelecido que apenas 800 pessoas seriam atendidas diariamente, com senhas, em grupos de 40, podendo levar no máximo 4 peças ao provador.

Dentro da loja, o clima era descontraído. No som ambiente (alto), música eletrônica. Num painel, logo na entrada, uma imagem da ex-BBB Gabi Martins sob o nome da marca. Num minipalco, um espaço com a hashtag #modaparatodos. Numa parede, um espaço instagramável fora decorado com um minijardim vertical — um mix de samambaias e peperômias — com iluminação cor-de-rosa e a hashtag pink #SheinSP em um neon.

Quem postasse uma imagem lá marcando o perfil oficial da marca retirava um porta-moedas fofinho como brinde. Construída com bastante madeira aparente, a loja com 265 m² ocupou um galpão no 1º andar do shopping. A reportagem não teve acesso aos profissionais que trabalhavam juntos de Felipe Feistler, 33, o único autorizado a falar pela empresa. Ele está à frente da operação da Shein no Brasil.

Entre os hits do último dia, um vestido xadrez plissado que cabe perfeitamente no estilo "sou apenas uma camponesa de nobre coração" — frase usada há 46 anos em um episódio de "Chapolin". Outro best-seller feminino do dia foi um top preto, sem mangas, de R$ 24. O top de tricô também foi disputado. Na fila, adolescentes explicaram que a peça lembrava algo usado pela atriz estreante Jade Picon. A peça mais cara da marca custava R$ 166, 95 — um vestido de noite, com brilho. A mais barata, R$ 14,99.

Locutor da Shein - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Funcionário faz as vezes de 'locutor de loja de rua' na pop-up da Shein
Imagem: André Porto/UOL
Felipe Feistler, gerente geral da Shein no Brasil, na loja pop-up aberta no Shopping Vila Olímpia, em São Paulo - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Felipe Feistler, gerente geral da Shein no Brasil, na loja pop-up aberta no Shopping Vila Olímpia
Imagem: André Porto/UOL

O despertar da força

Um dos períodos com fila mais longa ocorreu entre 14h30 e 16h. Natália Oliveira, 27, já sentada no chão, esperou duas horas para ser atendida. Na saída, desabafou: "Deveria ter ido ao Brás". Com uma sacola repleta de tops e um vestido preto recortado, a advogada que mora em Brasília não deixou de tirar sua foto marcada com hashtag para levar seu porta-moedas. "Confesso que vim pelo hype." Na fila, conheceu uma moça que prometeu levá-la sábado à região paulista conhecida também pelo amplo mercado de roupas com desconto.

Michele Rocha, 34, disse aos risos que permanecia esperando "porque é louca". Foi encontrada satisfeita na porta do shopping segurando sua sacola. "Deu pra pegar algumas coisas." Levou dois vestidos, um estampado de oncinha e um preto e uma saia. Gastou 140 reais.

"Só vim mesmo por ela", disse Caroline Kolarovic, 50, ao lado da filha Anna, 21. "Falta de respeito esperar tanto para ficar 20 minutos lá dentro", reclamou a mãe. Os vinte minutos dentro da loja, considerados insuficientes, e a recusa por pagamento via Pix foram as principais críticas.

Natália Oliveira, que visitou a Shein, pretende conhecer o Brás depois da 'maratona' - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Natália Oliveira, que visitou a Shein, pretende conhecer o Brás depois da 'maratona'
Imagem: André Porto/UOL

Uma nova esperança

Em torno das 18h, quatro seguranças cercaram a entrada da fila onde a xepa dos "sem-senha", em torno de 15 mulheres, esperava na força da fé uma chance de entrar. "A gente tá com esperança", disse Iara Silva, 25, atendente, acompanhada de Xica Diamantina, 29, dona de um brechó. "Pelas fotos, achei que a loja era maior", desdenhou alguém no grupo, antes de partir. Ao TAB, a organização descartou qualquer possibilidade de liberação de novas senhas, sob a justificativa de que comprometeria a experiência daqueles que tinham até as 22h para chegar. A fila, de fato, foi mudando, e novas caras foram surgindo ao longo das horas. Preocupado com o crescimento da xepa, um segurança do shopping comentou que a liberação poderia ser perigosa.

Enquanto isso, a turma com senha aguardava a vez de entrar, sem ideia do que compraria. "O que importa é levar um cropped", disse a modelo Agatha Neves, 24. Uma mulher que não quis se identificar tentava entrar na loja pela segunda vez, mas com a senha de uma amiga que não conseguiu chegar a tempo. A senha só poderia ser usada uma vez, em qualquer horário. E como pessoas em filas são um prato cheio para novas amizades, os assuntos eram variados — iam da falta de possibilidade de trocar uma peça aos supostos influenciadores que encontrariam lá.

Clientes na Shein - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Imagem: André Porto/UOL

Shinelovers contra-atacam

Quando a varejista online de moda anunciou a inauguração de sua primeira loja pop-up no Brasil, ninguém imaginou que 7.000 pessoas apareceriam no sábado. "Isso no shopping, não dentro da loja", afirma Felipe Feistler. Ele é um homem alto, branco, de sorriso largo e discurso pronto. "Conectar pessoas também no offline foi o objetivo da loja pop-up."

O executivo está no cargo de "general manager" (gerente geral) desde maio de 2022 e veio da Shopee, onde foi responsável pela área de "business development" (desenvolvimento de negócios) da marca no Brasil e no Chile. "O objetivo é tornar a moda acessível a todos. Crítica sempre tem, mas o que vemos nas mídias sociais é o encantamento dos clientes em relação à qualidade, preço e variedade." Ele está certo: o sucesso da Shein é totalmente relacionado ao Instagram.

Basta uma busca simples para encontrar perfis dedicados à marca. Entre eles, "Shein Inspiração", "Loucas da Shein" e "Achadinhos na Shein". Com 90 mil seguidores, a conta "Achei na Shein" é atualizada com imagens de "famosas que estão usando Shein". Por lá, aparece uma foto da atriz Flávia Alessandra num vestido xadrez e das ex-BBBs Larissa Tomasio e Camilla de Lucas com roupas originais da marca. Uma outra abordagem exibe o look de uma famosa com uma versão Shein ao lado. "Para as #sheinlovers de plantão: é possível ter um look similar", diz a legenda de um post com a cantora Juliette.

Com visão privilegiada, vendedores de um quiosque de cosméticos apenas observavam. O que mais chamou a atenção? Poucos homens — geralmente acompanhando namoradas e mulheres —, pessoas saindo felizes com suas sacolas, muita selfie e live e, claro, as brigas.

Quem é você no barraco da Shein

No sábado (12), teve sim dedo na cara, tapa, gritaria, puxão de cabelo, seguranças apanhando enquanto tentavam controlar a cena. Celulares registraram tudo. Fórmula perfeita para memes a rodo. É provável que o "falem mal, mas falem de mim" não tenha sido o propósito, mas rendeu. "É o Brasil entrando nos eixos de novo... Foram quatro anos sem os memes do aniversário Guanabara e agora o povo já tem até vontade de brigar por oferta de novo", escreveu um tuiteiro.

A reportagem procurou o taxista que levou uma das clientes envolvidas na briga de sábado para casa. Saiu arranhada e descabelada. "Negócio foi feio, saíram na pancada mesmo. O coitado do segurança tentou apartar e acabou apanhando também." A fila, naquele dia, começava na calçada do lado externo, a 100 m do ponto de táxi; entrava no shopping, descia para o estacionamento, dava uma volta até o pátio superior onde então fazia uma curva na escada rolante até chegar na loja. "Aí pessoal começou a atropelar a fila e o pau comeu. Hoje já estava bem organizado."

Felipe conta que agiram rápido com um plano de mitigação de crise. "É um ano de estruturação. No sábado, a partir das 15h, tudo já estava controlado."

Cliente posa no jardim vertical da pop-up da Shein - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Cliente posa no jardim vertical da pop-up da Shein
Imagem: André Porto/UOL

Com ofertas agressivas, a loja online oferece de cara até 80% de desconto com o uso de um código "primeira". Fundada em 2012 pelo empresário chinês Chris Xu, a Shein tem um modelo de negócios baseado em produção de pequena escala e mede a resposta do mercado em tempo real. Segundo Felipe, que é formado em economia, a marca alcança consumidores de 150 países. A companhia afirma que as mulheres representam 58% da força de trabalho global e 40% dos cargos de alta administração. São 6.000 fornecedores globalmente e um centro de distribuição foi inaugurado em setembro em Guarulhos (SP). Em 2021, o aplicativo da Shein registrou 23,8 milhões de downloads. Sobre as denúncias de trabalho escravo, Felipe afirma que investigações e auditorias são realizadas regularmente. E que qualquer denúncia comprovada sobre um fabricante será punida.

Para a loja pop-up, a primeira no formato físico, foram levadas 11 mil peças — 70% já tinham sido vendidas até terça-feira (15). A próxima pop-pop da Shein, ao que tudo indica, será em Belo Horizonte. Para 2023, a previsão é abrir mais quatro lojas em cidades ainda não definidas. Uma delas, garante, ficará no Nordeste. A companhia não abriu valores sobre o faturamento da pop-up em São Paulo, mas confirmou às 11h de hoje que bateu sua meta.