Na edição 'pague para entrar', SPFW vira passarela de selfies e influencers
Em um dos corredores do Komplexo Tempo, um espaço grande na Mooca, em São Paulo, que abrigou os desfiles da São Paulo Fashion Week na última semana, havia uma fila de gente para entrar. A muvuca ficava depois de catraca onde os funcionários recolhiam os convites do público que comprou ingressos para assistir aos desfiles.
O espaço é um complexo de fábricas desativadas ao lado de uma linha férrea: tijolinhos à vista, vegetação e letreiro com a sigla do evento, de cerca de 1,5m de altura, davam ares moderninhos às antessalas. A fila era para ter um registro de si mesmo no cenário. "Se você foi à São Paulo Fashion Week e não tirou uma foto ao lado das letras SPFW para postar, não adianta ter ido", dizia quem circulava por ali.
É uma das raras vezes que o evento vende ingressos — houve uma tentativa antes, nos anos 2000, mas num lote pequeno. Até então, para ver um desfile em uma das 53 edições anteriores, era preciso ser convidado pela marca ou ser da imprensa. Pessoas comuns costumavam se aglomerar na expectativa de entrar, ver alguém famoso ou ganhar um brinde. Hoje, a briga é também pelo fundo ideal para fazer uma selfie, mas o sonho de participar da SPFW é possível: basta ter dinheiro, já que os convites custam de R$ 100 (só para entrar, sem desfiles) a R$ 1.500 (free pass, com direito a tudo).
As intenções profissionais de quem prestigia a SPFW passam despercebidas entre tantos "ring lights" (acessório de iluminação para vídeos) dos visitantes. Mas, para os designers de moda entrevistados pela reportagem de TAB, ver o desfile de perto é um jeito de pegar as referências que vão nortear o próximo ano de trabalho.
Sexy sem ser vulgar
Mariana Machado, 32, é designer de moda e nem sabe dizer há quantos anos dá um jeito de frequentar a São Paulo Fashion Week. Ela desenha roupas para grifes do Bom Retiro e Brás, como o vestido que estava usando nos corredores do espaço Komplexo Tempo, na Mooca, em São Paulo.
Para ela, a importância de assistir aos desfiles é levar conceitos que vê na passarela traduzidos para seu trabalho. "Eu vejo o que eles mostram aqui e uso algumas referências no que desenho. Preciso sempre pensar o que será usado na rua", explica. O exemplo era o próprio look, transparente e cheio de recortes, com um body por baixo. "Ele está varrendo o chão de propósito", fala ela sobre a barra da peça, uns 15 cm maior que sua altura. "Esse conceito praiano eu puxei do que vi na São Paulo Fashion Week anterior. São recortes na peça que mostram que a mulher pode ser sexy, sem ser vulgar", diz.
Mariana diz que comprou ingresso para o domingo (20) por ter uma queda por tudo que a marca Isaac Silva mostra na passarela: "Eu gosto da baianidade dela", afirma sobre Isa, a estilista, antes de pedir para a reportagem fotografá-la de costas e de frente em uma parede estampada com o logo do evento.
O desfile da grife Isaac Silva, que abriria a tarde de domingo, atrasou 90 minutos. Não parecia uma questão para os convidados que esperaram esse tempo todo em pé, em uma fila de mais de 100 metros. Finalmente dentro da sala de desfiles, quando a apresentação começou, quase todos empunhavam um celular e tentavam registrar o momento, fosse da prestigiada fila A, normalmente reservada a convidados, ou das laterais das passarelas e dos mezaninos, onde costumam ficar em pé os convidados que deram um jeito de entrar na sala e ver o espetáculo. Entre as atrações, uma ação de patrocinador, com quem Isa elaborou um "cropped" com sua marca registrada — "acredite no seu axé" — para tornar a torcida pelo Brasil na Copa um pouco mais fashion.
Na passarela, Felix Pimenta, da BallRoom Brasil, embalava um improviso no microfone enquanto bailarinos mostravam suas habilidades em passos elaborados. O público fotografava, filmava e dava gritinhos empolgados. Quando o desfile começou, a excitação continuou e o casting todo negro era recebido com gritos entusiasmados de "lindo" e "linda". No fim da apresentação, se ouviu gritinho chamando a estilista. "Vem, Isaac!". Ela foi ovacionada.
O mesmo havia acontecido na noite anterior (19), quando o humorista Esse Menino desfilou pela Led. Gritos entusiasmados impactaram os fashionistas, sempre muito contidos em mostrar empolgação. "O público está diferente mesmo. Tem muito mais gente nessa edição do que na edição passada", afirmaram alguns jornalistas que trabalharam no evento. Andar pelos corredores, aliás, é um esforço contínuo de desviar das selfies. Há quem traga, inclusive, seu próprio fotógrafo, que empunha luz para os registros ficarem perfeitos. Quando não estão posando, as pessoas estão com o Instagram aberto na tela do celular, conferindo os likes que o passeio rendeu.
'A gente se humilhava por um convite'
Laura Dommarco tem 18 anos e é de Mirassol (SP), mas mora em São Paulo desde o início de 2022 para estudar moda na FAAP. Sua amiga, Letícia Zocolaro, nasceu em Sinop (MT) e também mora na cidade desde que começou a fazer o curso. É a segunda vez que elas vêm a SPFW no Komplexo Tempo. A primeira foi em junho desse ano. "Na anterior, a gente se humilhava para conseguir convites. Pedia para as marcas, implorava dentro da faculdade para conseguir. Agora não tem mais isso e tivemos que comprar, mas como são ingressos caros, não deu para vir todos os dias", contou Laura, reclamando da nova diretriz.
Ambas pagaram R$ 165 por meia entrada para a tarde de domingo. O ingresso dava direito a assistir aos três primeiros desfiles do dia — os da noite custavam mais caro, elas lamentaram. Letícia afirmou que queria muito ter visto as apresentações das grifes À La Garçonne e Missy, que havia visto no semestre passado. "Dessa vez eles fizeram só para convidados e não conseguimos ir", lamentou. Ambas querem ter sua própria grife, mas dizem que não pretendem trabalhar desenhando peças. "Quando a gente entra na faculdade, percebe que a profissão é muito abrangente. Eu quero cuidar do business", disse Laura.
As estudantes ficaram encantadas com os grafites que enfeitavam a entrada. "O lugar é muito instagramável e isso é muito importante. Já que a gente está aqui, temos mais é que postar", disseram. Elas contribuem para alimentar a conta da faculdade, além das próprias contas pessoais. As botas que estava usando eram de modelos iguais, com cores diferentes, e foram compradas especialmente para a ocasião. "Tem que caprichar na montagem do look. Demoramos muito para decidir. O legal é que aqui dá para exagerar, porque todo mundo exagera", disse Laura, enquanto faziam selfies juntas ou individualmente e fotografavam uma à outra.
A novidade de compra de ingressos, entretanto, não foi garantia de ter seu lugar na fila A. Raquel Acioly, 33, também é designer e foi ao evento com a dona da grife onde trabalha, Miriam Medeiros, 38. Elas são amigas e estavam envolvidas na última semana com a abertura da loja física de Miriam, na cidade onde moram, Jundiaí (SP). Ambas estavam acompanhadas da filha da empresária, Natalye Medeiros, 23.
"É a primeira vez que venho aqui na São Paulo Fashion Week. Mas tentamos comprar os ingressos para os desfiles e infelizmente estava esgotado. Fiquei um tempo no site fazendo de tudo para conseguir, mas foi impossível. Fiquei muito triste", lamentou Raquel. Com apenas o acesso ao espaço interno da SPFW em mãos, o plano das três era observar o movimento, ver pessoas e roupas. E tentar a sorte outra vez.
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