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Repórter encara sauna à moda europeia (sem roupa) que abrirá em São Paulo

Casa de banho oferece sauna seca e ofurô em São Paulo - Divulgação
Casa de banho oferece sauna seca e ofurô em São Paulo
Imagem: Divulgação

Do TAB, em São Paulo (SP)

19/11/2022 04h00

Na manhã chuvosa do último feriado de Finados, respirei fundo, tirei o roupão e entrei nua em uma salinha. O termômetro na parede marcava 70°C. Posicionei meus braços para pontos estratégicos da minha nudez, enquanto esperava a entrada de outras pessoas. Após alguns intermináveis minutos, um casal chegou me cumprimentando cordialmente, da mesma forma que faria com um colega de trabalho, e logo relaxou com o vapor quente. "Primeira vez, né?", perguntou um deles, sentindo minha agitação involuntária.

Ao responder que sim, a tensão baixou e consegui deixar o calor trabalhar em meus músculos. Nos 12 minutos que passamos dentro da sauna seca, ouvindo a água evaporar sobre as pedras lisas, conversamos amenidades, respondemos perguntas banais e seguimos convivendo nus.

Minha experiência em uma casa de banho durou três horas. A proposta do lugar é relaxar com sessões intercaladas de sauna seca, massagens, escalda-pés e mergulhos em um ofurô gelado, junto a amigos, cônjuges ou, simplesmente, ao lado de desconhecidos.

Não se trata de um lugar de pegação ou de paquera. Essa casa de banho é uma das poucas no país que tenta separar o hábito de fazer sauna das práticas sexuais. É por isso que o local exige que todo mundo aceite as regras: é obrigatório ficar nu nos ambientes, não se pode ingerir bebida alcoólica, fotos são expressamente proibidas e não são permitidas atitudes que possam deixar os demais desconfortáveis.

vestiario - Marie Declercq/UOL - Marie Declercq/UOL
Depois de assinar um termo de compromisso, meu celular e RG ficaram retidos na recepção e fui liberada para o espaço da sauna seca e ofurô gelado
Imagem: Marie Declercq/UOL

Tá tudo bem

Na tarde que passei na Casa D'Jahú, a ser inaugurada dia 30 de novembro na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, fui recebida pelos proprietários Julia Bruno Moioli, 42, e Milton Solves de Souza, 44. Ambos avisaram que eu dividiria o ambiente com dois casais e um grupo de cinco amigas que celebravam um aniversário.

A primeira coisa que fiz, assim que pisei na casa, foi assinar um termo de compromisso, onde estavam descritas todas as regras de conduta sobre o que se deve ou não fazer. Depois de trocar minhas roupas por roupão e chinelos, meu smartphone e RG ficaram retidos na recepção.

O homem citado no primeiro parágrafo, que estava na companhia da namorada, ambos na casa dos 30, contou, entre uma sessão de sauna seca e outra, que frequenta comunidades naturistas desde criança — sempre que pode, passa as férias em lugares assim. "A primeira coisa que um naturista tenta fazer é mostrar logo que não é uma pessoa maluca", explicou, rindo. "Quando falo que sou naturista para algum amigo, ele logo vê que não é coisa de gente estranha ou com segundas intenções."

Mesmo mais calma, às vezes me tapava quando outra pessoa aparecia na minha frente, sem perceber. O mais difícil foi executar coisas mundanas sem roupa. Isto é, me abaixar para pegar meus chinelos. Encher uma garrafa de água. Sair do ofurô sem uma toalha por perto. Estender a mão para pegar um pote de esfoliante.

Mas isso foi apenas manifestação do meu desconforto recorrente de estar em ambientes diferentes, vestida ou não. O curioso é que na sauna foi um processo menos tortuoso, porque todo mundo estava na mesma situação ali: nu.

O ritual que envolve fazer sauna também é reconfortante. Antes de entrar na sala, Milton sugeriu que passasse uma ducha no corpo primeiro, só com água. Saída da primeira sessão de sauna, me foi sugerido que tomasse um banho com sabão para tirar todo o suor, bebesse bastante água e esperasse um tempo para partir para a próxima.

As etapas me fizeram esquecer minha própria nudez e de me imaginar sendo ridícula fazendo as coisas assim. Saindo da casa de banho, percebi que sequer lembro do corpo nu de quem estava ali, mas me recordo exatamente do rosto de cada um.

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Antes de deixar meu celular na recepção, me troquei no vestiário da casa de banho
Imagem: Marie Declercq/UOL

Nudez social

Nos dois últimos meses, a Casa D'Jahú esteve em fase de testes. Nesse período, Julia e Milton receberam apenas amigos e conhecidos. Para não causar desconforto, só os proprietários sabiam que eu estava ali para escrever uma reportagem.

O casal morou três anos na Holanda, onde foram apresentados às saunas frequentadas por pessoas de todos os gêneros e idades. Morando longe dos amigos e família, o casal se sentiu integrado à cultural local frequentando esses espaços. Em um primeiro momento, foi uma maneira de lidar com a depressão e o isolamento, relembra Julia. "Fazia tão bem para renovar as energias que virou passeio para as visitas que recebíamos do Brasil. E todo mundo saía bem, feliz, surpreso com a experiência."

De volta ao Brasil, depois de uma temporada nos Estados Unidos, não havia nenhum local parecido com o que viram no exterior. Saudosos da prática, decidiram abrir a própria casa de banho.

"O maior desafio é fazer com que muitas pessoas entendam que a nudez social não tem nada a ver com sexualização. Não é só uma questão de afastar pessoas com intenções diferentes das que propomos, mas fazer com que os interessados tenham a certeza de que o banho urbano não é um lugar que abre espaço para isso", explica Milton.

Para evitar confusões, a comunicação da casa nas redes sociais e no site oficial é bem direta, e foca mais nos benefícios da casa de banho.

"O fato de não focarmos na nudez como principal parte da experiência também ajudou quem tem interesse a se sentir mais à vontade para visitar. Nosso foco é união e aceitação, de si mesmo e do outro, e igualdade por meio do autocuidado e do bem-estar", afirma.

Toda nudez será castigada?

Já que esse é um relato, cabe um contexto: a primeira vez que ouvi falar sobre casas de banho foi quando passei três meses na Alemanha por causa de uma bolsa de estudos. Em uma palestra de boas-vindas, uma alemã sugeriu que os alunos fossem fazer sauna em um estabelecimento não muito longe dali. Em algum momento, ela mencionou que era necessário que todo mundo ficasse nu para curtir o ambiente.

Automaticamente, descartei a sugestão. Além de a ideia de ficar nua na frente de pessoas que eu teria que ver nos próximos meses ser aterrorizante, não consegui descolar a nudez da ideia de sexo.

Casas de banho e saunas coletivas são comuns na Europa e na Ásia. Não se trata de um conceito novo ou criado por "hipsters" naturistas. Pelo contrário, a prática é milenar e bastante comum em civilizações antigas, como na Grécia Antiga e durante o Império Romano.

Nas cidades romanas, os banhos públicos eram locais democráticos: a entrada era gratuita para homens e mulheres de todas as camadas sociais. Evidentemente, havia ali os preconceitos e questões inerentes à sociedade da época, mas os banhos públicos eram verdadeiros espaços de socialização.

sauna - Divulgação - Divulgação
Casa de banho oferece sauna seca em São Paulo
Imagem: Divulgação

Nós, que somos brasileiros, sabemos como é difícil separar uma coisa da outra. É só procurar "sauna" na internet para ver o que acontece: a esmagadora maioria dos estabelecimentos são locais de pegação. Não que isso seja um problema: a questão é que os adeptos do banho coletivo ou das saunas têm dificuldade de encontrar um espaço que não tenha esse caráter sexual. Quando existem, são restritos a clubes e separados por gênero. Homem em um horário, mulher em outro.

Ficar nua em público também me despertou medos antigos. Eu era criança e estava com meus pais em uma praia no litoral sul de São Paulo quando notei uma movimentação estranha, próxima ao nosso guarda-sol.

A confusão foi por causa de uma mulher que decidiu fazer topless. Ela quase foi linchada e teve de sair escoltada por dois policiais. Demorei muitos anos para entender o que aquela cena significava, mas, desde aquele momento, ficou claro que a decisão de expor os seios é vista como algo imoral, capaz de corromper todos os que estão no mesmo campo de visão.

Ao longo da vida, óbvio, entendi que aquela cena foi um absurdo, fruto de uma sociedade que se mostra incapaz até de dissociar o ato de amamentar em público de sexo. Todavia, essa cena, somada à obsessão do corpo perfeito, me marcaram a ponto de ficar insegura de usar biquíni na praia até hoje, adulta.

A Alemanha e a mulher do topless passaram como um filme na minha cabeça, assim que fiquei nua na sauna. Notei que estava encarando aquilo como um grande desafio, uma experiência de quase morte. E não era nada disso. Afinal, eu apenas estava nua — nada no ambiente indicava que a nudez, especificamente a minha, importava e nem merecia ser castigada.