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'Sonhar pequeno ou grande tem o mesmo preço', diz dono de castelo em SP

O terreno ostenta duas construções inspiradas em castelos do século 12, com 8.200 m² de área construída, incluindo um anfiteatro para 550 pessoas - Paula Maria Prado/UOL
O terreno ostenta duas construções inspiradas em castelos do século 12, com 8.200 m² de área construída, incluindo um anfiteatro para 550 pessoas Imagem: Paula Maria Prado/UOL

Paula Maria Prado

Colaboração para o TAB, de São José dos Campos (SP)

26/11/2022 04h01

Na sinuosa estrada Bezerra de Menezes, no bairro Torrão de Ouro, um portal alto feito em tijolinhos passa às vezes despercebido aos apressados. Dali das grades pouco se vê, a não ser um caminho para carros e pedestres ladeado por vegetação nativa. Um homem abre o pesado portão automático. "Cerca de 700 metros separam o portão da residência", avisa o rapaz. Uma subida que, a partir da segunda curva, começa a revelar os primeiros sinais daquilo que costuma deixar a todos boquiabertos num misto de descrença e encantamento: São José dos Campos, a 86 km da capital paulista, guarda um monumental castelo. Aliás, dois.

Ao longo do percurso entre as árvores, torres de tijolinhos e janelas com belos vitrais atiçam a curiosidade. Na última curva antes da chegada à casa principal, uma betoneira em frente a um salão em obras chama a atenção. "É praticamente o nosso símbolo: estamos sempre construindo", contam mais tarde o aviador e engenheiro eletrônico Fernando de Mendonça, 98, e sua esposa, a administradora Márcia Barberio, 76.

A dupla de moradores do castelo não ostenta qualquer título real — mas confessa que viver em um foi desejo de ambos durante a infância. "Eu sonho muito, sonhos grandes e pequenos", explica o engenheiro. "Os pequenos eu jogo fora, mas alguns dos grandes eu escolho realizar".

Castelo em São José dos Campos - Paula Maria Prado/UOL - Paula Maria Prado/UOL
Aos 98, o aviador e engenheiro Fernando de Mendonça ainda quer ampliar o projeto: 'Temos tempo'
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

'Magister operis'

Aviador por paixão de adolescência, fundador e primeiro diretor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foi Mendonça quem convenceu a família, abastada, a erguer o castelo. "Na década de 1970, me apaixonei por esse tipo de construção. Até que, por volta de 1977, quando fui chamado para ser diretor executivo da Comissão Nacional de Energia Nuclear, estive na Alemanha. E, nos dias de folga, aproveitava minha estada para passear de carro e visitar castelos. Foi quando comecei a pensar em construir um para morar", conta.

O engenheiro comprou então livros sobre o tema para estudar. Ficou encantado com as histórias de guerras, amores, ruínas e, especialmente, a arquitetura medieval. Descobriu que há dois tipos de castelos: os residenciais e as fortalezas. E explica: o estilo é semelhante, mas um deles é fortificado e possui alojamento para soldados. O outro, apenas acomodações para a família. Decidiu então por um castelo residencial.

"Nos tempos antigos, existia a figura do 'magister operis' ou mestre de obras. Era esse profissional o responsável por igrejas e castelos. Então passei a estudar para me tornar um", afirma.

Castelo em São José dos Campos - Paula Maria Prado/UOL - Paula Maria Prado/UOL
Logo na entrada do prédio, uma armadura medieval recepciona os visitantes
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

Inspiração no século 12

O primeiro local escolhido para a realização de seu sonho foi a Serra da Bocaina, onde o engenheiro tinha uma fazenda. Mas um incêndio em 2010 encerrou o projeto. "Como eu tinha essa área em São José dos Campos, resolvi vir para cá", diz Mendonça, que é natural de Guaramiranga (CE), mas registrou sua primeira passagem pela cidade vale-paraibana em 1954, quando ingressou no curso de engenharia do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).

Hoje, seu terreno ostenta duas construções inspiradas em castelos do século 12, num total de 8.200 metros quadrados de área construída, incluindo um anfiteatro para 550 pessoas ainda em execução — projeto pausado por causa da pandemia, mas que ele pretende retomar em 2023. No prédio principal, passada a porta, uma armadura dá as boas-vindas aos visitantes. O salão, com um pé direito de 8 metros de altura, tem móveis que parecem saídos de um antiquário.

O aficionado brasileiro explica que na Europa é comum encontrar construções que misturam os estilos românico, cuja característica é a horizontalidade e as paredes grossas, e gótico, com torres pontiagudas e esguias. "Usei os dois tipos de arquitetura aqui", afirma Mendonça, mostrando, de um lado da sala, janelas românicas e, de outro, góticas. Em vez dos tradicionais tetos de madeira, o engenheiro optou por vigas de concreto revestidas. "Não vão cair nem em 100 anos", orgulha-se.

Castelo em São José dos Campos - Paula Maria Prado/UOL - Paula Maria Prado/UOL
A capela, com capacidade para 220 pessoas, já recebeu orquestras de câmara estrangeiras
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

Acústica especial

O imóvel, com cinco suítes, tem uma sala de vinhos, onde a adega divide espaço com espadas, escudos e outros adereços antigos trazidos do exterior. A capela, com bandeiras no teto exibindo brasões das famílias dos moradores, comporta até 220 pessoas — e já recebeu orquestras de câmara norte-americanas em turnê pelo Brasil.

"Eu aproveitava a estada deles em São Paulo e os trazia para cá. Chegamos a fazer 12 a 14 concertos. Para recebê-los, tive que refazer a acústica da sala, com madeira própria para espaços musicais", conta.

No total, foram usados no castelo residencial cerca de 800 mil tijolos. O conjunto todo possui duzentas janelas. E o topo das torres, em formato de cone, é feito de concreto armado revestido de pastilhas. O maior desafio, afirma Mendonça, foi encontrar mão de obra qualificada para os projetos. Para garantir a precisão e o alinhamento dos tijolos, foi montada uma escolinha de formação para os 40 profissionais contratados para o trabalho.

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Um hotel vai começar a funcionar no local, que Mendonça quer transformar num grande condomínio rural
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

Condomínio medieval

Para 2023, os planos são muitos. O espaço, hoje fechado para visitantes, deve se tornar um hotel com dez suítes disponíveis. Também está nos planos do casal a construção de uma réplica do Butchart Gardens, do Canadá, considerado um dos mais belos jardins do mundo. A ideia é compor um condomínio rural em estilo medieval, com lojas, pequenos comércios, espaços dedicados à arte e gastronomia.

"Sempre digo que sonhar pequeno ou grande tem o mesmo preço: zero! As pessoas duvidam, às vezes, que eu vou ter tempo de fazer. Não quero brincar com a vontade divina, mas pensando que meus parentes se foram com mais de 100 anos, temos tempo", ri.