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Álcool domina pedidos, e entregadores de app garantem ressaca da Copa

O casal Carolina Araujo e Beatriz Cardoso pega bebidas para entregar para torcedores durante jogo do Brasil contra a Croácia - Rodrigo Bertolotto/UOL
O casal Carolina Araujo e Beatriz Cardoso pega bebidas para entregar para torcedores durante jogo do Brasil contra a Croácia Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Do TAB, em São Paulo

09/12/2022 17h06

Eles nem repararam no silêncio que tomou a cidade às 14h45 desta sexta-feira (9) com a eliminação do Brasil da Copa do Mundo. Estavam muito ocupados tentando aplacar a sede extra após a inesperada prorrogação contra a Croácia.

Os entregadores de aplicativo não pararam durante a partida de quartas de final e garantiram muita ressaca a quem estava torcendo por um hexacampeonato mundial que, há duas décadas, teima em não vir.

"Torço pelo meu dinheiro, porque a alegria ou a tristeza da seleção vai embora em um instante", resume Alexsandro Oliveira, que percorreu a região da avenida Brigadeiro Faria Lima durante o jogo. "Os caras da seleção já têm bastante dinheiro. Preciso correr atrás do meu, parça." O atacante Vini Jr., inclusive, é garoto-propaganda de um dos aplicativos de entrega.

No calorão de 32°C em São Paulo, ele ficava sem camiseta enquanto esperava chegar os pedidos em seu celular e pegar as encomendas. Só se vestia perto do local de entrega. Alexsandro começou seu expediente cedo, às 7h, vindo de ônibus do Jardim João 23, bairro periférico da zona oeste.

Seu vizinho Adriano Pereira conversava com ele em uma sombra e contava: "Dia de jogo é mais bebida, mesmo. Fui entregar 12 cervejas e uma garrafa de gim. Os caras foram gente boa e me deram uma long neck. Olha aqui."

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Alexsandro Oliveira, Adriano Pereira e amigos esperam pedidos de entrega embaixo de sombra no Largo da Batata
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

No final da garrafa, Adriano deu os últimos goles a um rapaz em situação de rua (e de embriaguez) que passou pedindo. Adriano ficou animado e até lançou um xaveco para três garotas, que passavam todas paramentadas com as cores pátrias. "Quero me enrolar com você nessa bandeira. Oh, minha amada, idolatrada, salve, salve", disparou, ensaiando uma adaptação do hino nacional.

O amargo na boca

Enquanto matavam a fome e a sede da torcida, os entregadores tinham que adotar várias artimanhas para obter energias para o expediente sem hora para acabar.

Meia hora antes da partida, Léo Fonseca estava numa fila para ganhar um isopor com arroz, feijão, nuggets de frango e cenoura. Além de pessoas em situação de rua, aposentados e vendedores ambulantes da região esperavam a quentinha da prefeitura paulistana no Largo da Batata, próximo à estação Faria Lima do metrô.

Leo pegou o isopor e o colocou em um compartimento de sua mochila para comer depois. "Tenho que passar em uma adega agora porque caiu um pedido. Mas depois vou parar um pouco porque nesse calor a comida azeda rápido", disse.

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Leo Fonseca faz fila para pegar quentinha gratuita distribuída pela prefeitura paulistana antes de começar com entregas por aplicativo
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Ele trocou Cururupu, cidadezinha do litoral maranhense, por São Paulo há três anos. Lá no Maranhão trabalhava como padeiro, mas não conseguiu emprego nessa função na metrópole. "Aqui pedem um monte de cursos e diplomas. Primeiro fui frentista em um posto e agora estou vivendo de fazer entregas."

Léo só para com suas entregas quando escuta gritaria nos bares. "Encosto a bike, vejo como foi o gol e continuo meu serviço." A ideia de Leo era virar a noite fazendo entregas. Não sabia nem o quê, nem onde iria jantar, mas voltaria para aquela fila da prefeitura no dia seguinte para almoçar.

Trabalho sem horário

"A galera se arrebenta nos destilados, porque faz mais efeito. Antes do jogo até o final do primeiro tempo, os chamados não param. Só no segundo tempo dá uma acalmada. Com prorrogação, o pessoal vai pedir um reforço", contou Silas Ferreira, diante de uma distribuidora de bebidas no bairro de Pinheiros.

Além da crise econômica, o principal incentivo dos entregadores são os bônus que os aplicativos estipularam durante os jogos do Mundial. Para cada remessa executada, a iFood, por exemplo, pagou R$ 8, além dos R$ 6 convencionais.

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O entregador Silas Ferreira espera pedido para levar diante de adega em Pinheiros, zona oeste de São Paulo
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Mas o rendimento extra acabou travado pela falta de funcionários nas adegas e depósitos de bebidas alcoólicas. Na rua Mourato Coelho, no epicentro da gandaia da Vila Madalena, entregadores e atendentes ficaram batendo boca no final do primeiro tempo. "Tô aqui há 25 minutos esperando pra pegar quatro cervejas", reclamou um. Quando o atendente parou e começou a discutir, outro entregador emendou: "Não fica debatendo, mano. Estamos perdendo tempo. Agiliza a bagaça."

No meio da confusão estava Carolina Araujo. Ela esperava uma encomenda cheia de latinhas, garrafas e sacos de gelo. Cuidando da moto estava sua mulher, Beatriz Cardoso. "Sou psicóloga especialista em autistas, mas estou dando essa força pra ela para reforçar nosso orçamento. Entre duas, a gente faz a entrega mais rápido", disse Beatriz.

Beatriz não liga muito para futebol, mas acaba entrando na sintonia da torcida. "A gente escuta os rojões e vê como o jogo está. Qualquer coisa, pergunta para os clientes."

Nesta sexta teve pouco rojão, e era melhor nem perguntar o resultado para ninguém. A torcida verde e amarela que foi engolida pelos bares antes do meio-dia acabou expelida três horas depois. O fim de semana começou mais cedo para muitos, menos para os entregadores, que continuaram suas tarefas. Já os jogadores da seleção entraram de férias.