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Farialimers abandonam colete e pregão para investir nas 'quedinhas' da Copa

Público se divide entre conversar e acompanhar o jogo da seleção no telão da XP Arena, na avenida Faria Lima  - Rodrigo Bertolotto/UOL
Público se divide entre conversar e acompanhar o jogo da seleção no telão da XP Arena, na avenida Faria Lima Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Do TAB, em São Paulo

26/11/2022 04h00

"Investe em mim / Aposta tudo em mim / Eu prometo te fazer feliz", cantava alto a empresária Giovanna Lopes, com um gim tônica na mão e uma roupa amarela colada modelando o corpo. O hit sertanejo ecoava no lugar perfeito: a área que concentra as maiores empresas do mercado financeiro do país, conhecido como "o condado da Faria Lima".

Apesar do cenário, Giovanna não estava preocupada com índices e cotações. "Meu dinheiro eu gasto comigo mesma, não fico preocupada guardando. Se não, não estava aqui me divertindo."

Com entrada a R$ 130 (e camarote custando R$ 5.000), a Arena XP leva o nome da maior corretora nacional e é um dos pontos de concentração dos "farialimers" durante a Copa do Mundo. Ainda mais porque as partidas iniciais da Seleção estão marcadas para dias úteis e dentro do horário de funcionamento da Bolsa de Valores — o próximo jogo, contra a Suíça, será às 13h de segunda-feira (28).

Muitos serviços fecham durante o Mundial (até bancos), mas os mercados de ações e dólar seguem. A maioria das corretoras montou esquema de plantão, liberando parte dos operadores para torcer pelas redondezas.

"Das 14h até 14h30, as negociações foram desaparecendo. Depois não tinha mais. Em dia de jogo, o mercado é todo de manhã", resumiu o assessor de investimento Rafael Gordinho, que deixou o colete de gominhos no escritório e trocou de uniforme: vestiu a camiseta da CBF para acompanhar a estreia contra a Sérvia, que começou às 16h, uma hora antes de o pregão acabar. Naquela hora, ele não queria mais saber de Selic e se concentrava em secar Savic, o goleiro sérvio.

Ao lado de Rafael estava a única pessoa ostentando o colete que é a marca registrada da região. "Ele me convidou e eu vim fantasiado de 'farialimer' para entrar no clima", brincou Leandro Obata, que é vendedor e foi pela primeira vez à Arena XP, empreendimento de 4.000 m² inaugurado em junho passado com bar, restaurante, casa de shows e quadras de areia.

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Rafael Gordinho e Leandro Obata, de colete de gominho, acompanham jogo da seleção na Copa entre o público "farialimer"
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Praia paulistana

Entre os foliões após a vitória brasileira não estava nenhum influencer econômico, daqueles que aproveitaram o clima para publicar posts escalando seu "time de ações", com empresas de energia como aplicações defensivas e "small caps" de tecnologia para ganhar do Ibovespa. Mas não faltaram outros influencers de "lifestyle" e subcelebridades da TV.

Ex-BBBs como Rodrigo Mussi, Arthur Picoli e Bil Araújo (ex-Arcrebiano) fizeram presença vip na festa. Bil, famoso por trocar beijos com cantoras como Karol Conká e Maraísa, era um dos mais requisitados. "Vamos pegar mulher, Bil, que você é artilheiro", convocou um amigo dele, enquanto o famoso mostrava não querer abandonar as "ativações" de marcas patrocinadoras da Copa.

Na tarde quente, em meio aos prédios espelhados, os tubos de ar-condicionado não eram tão potentes como os dos estádios do Qatar, mas refrescavam os frequentadores. Os homens envergavam camisetas oficiais Nike (R$ 350), a maioria apertada para destacar as horas gastas nos aparelhos de musculação. Já as mulheres preferiam os tops de lantejoula nas cores nacionais e os decotes para exibir as marquinhas de biquíni.

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Em São Paulo, público no Arena XP comemora o primeiro gol do Brasil e do atacante Richarlison contra a Sérvia
Imagem: Fabrizio Toniolo/Flashbang

Já os garçons driblavam os safanões para passar com as bandejas entre o público seleto. Nas chances de gol, era bem arriscado que uma tábua de bife angus (R$ 120) fosse parar no chão entre saltos e punhos no ar. Por outro lado, alguns clientes, tão pra lá de Bagdá quanto a Copa do Mundo, tentavam equilibrar garrafas, celulares, smartwatches, carteiras e cartões de crédito na hora de pagar R$ 20 por uma long neck.

Tinham ficado para trás a agilidade e a destreza mostrada nas quadras de "beach tennis", a principal atração na "nova praia dos paulistanos". Esse frescobol com rede virou mania para quem passa horas nas lajes corporativas e precisa um pouco de contato com o ar livre, mesmo que seja o da esquina das movimentadas avenidas Faria Lima e Juscelino Kubitschek. Na hora do jogo da seleção, as seis quadras arenosas ficaram fechadas para dedicação total a um esporte bem mais popular entre os brasileiros.

Especulações

Enquanto os boatos davam conta de que o técnico Tite tinha escolhido Paquetá e Vini Jr. como titulares para o primeiro jogo do Mundial, outra dupla hipotética repercutia no ânimo do mercado: Fernando Haddad e Pérsio Arida seriam os escolhidos de Lula para a área econômica do futuro governo.

Após seis dias com as ações em viés de queda, a Bolsa subiu com esse rumor — tudo bem que, no dia seguinte, caiu quando Haddad falou em reforma tributária. "O Brasil ganhou, e a Bolsa subiu. Hoje eu tô no lucro", comemorava o auditor Luiz Sato na área de fumantes. Para garantir as baforadas de vape, ambulantes encostavam na cerca do XP Arena para vendê-lo por módicos R$ 90 e faziam um comércio informal ali.

Desde antes da partida, o clima era de fim de expediente. Só três profissionais estavam com notebooks em uma área reservada no fundo. Os de camisa eram minoria e tinham deixado a gravata de lado. Mas alguns ficaram estressados com o trânsito fora de hora nas ruas vizinhas, por todos terem sido liberados no mesmo horário. A fila no estacionamento e na entrada se prolongou até a metade do primeiro tempo.

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Regados a bastante gin tônica, público dos camarotes do XP Arena acompanham seleção na Copa
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Durante o hino, os lances de perigo e os minutos finais, os olhos ficaram voltados para os dois telões. Na maioria do tempo, contudo, os torcedores preferiam tirar selfies, conversar e paquerar. Terminando os acréscimos, o público fez contagem como se estivesse em um leilão e começou os festejos ao som de uma versão funk do chorinho "Brasileirinho", de Waldir Azevedo (1923-1980).

Pegação, crushes, paixonites e quedinhas se sucederam até que um temporal chegou por volta das 21h30. Os frequentadores comemoraram o sucesso da seleção com show ao vivo, comidinhas e drinks autorais. Na calçada ao lado, entregadores de aplicativo saíam da calçada e iam se refugiar dentro do McDonald's antes de receber os pedidos que teriam de fazer. Habitantes da nova economia, o expediente para eles estava longe de acabar.