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Único projeto social com o nome de Pelé, hospital cuida de crianças no PR

A criação, em 2006, do Instituto Pelé Pequeno Príncipe impulsionou as captações do hospital, especializado em doenças infantis raras - Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe
A criação, em 2006, do Instituto Pelé Pequeno Príncipe impulsionou as captações do hospital, especializado em doenças infantis raras Imagem: Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe

Marcos Xavier Vicente

Colaboração para o TAB, de Curitiba

06/01/2023 04h01

Enterrado terça-feira (3) em Santos, Pelé ainda será por um bom tempo tema de conversa na família da empresária Fabieli Pianovski, 35, e do cooperativista Alex Hoffmann Xavier da Silva, 40. O casal, da cidade paranaense da Lapa, a 60 km de Curitiba, pretende explicar melhor às duas filhas quem foi exatamente Edson Arantes do Nascimento.

Não o jogador. Esse as irmãs Maria Eduarda e Anna Luiza já têm noção de quem é, apesar da pouca idade: 7 e 4 anos. A conversa será sobre o homem que encorajou a criação do Instituto Pelé Pequeno Príncipe em 2006, único projeto social que leva o nome do Rei do futebol e que salvou a vida da filha mais velha do casal.

Braço de pesquisa do HPP (Hospital Pequeno Príncipe), maior unidade pediátrica do Brasil que faz 60% dos atendimentos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), em Curitiba, o Instituto Pelé mantém sete linhas de pesquisa e já publicou mais de 350 artigos em revistas científicas. A entidade também formou 130 mestres e doutores.

Tudo graças às portas abertas por Pelé, que impulsionou a captação de recursos ao hospital.

Cirurgia e cura

Hospital do Rei Pelé - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O diagnóstico rápido de Maria Eduarda, 7, com um tumor de córtex adrenal (TCA) causado por mutação genética, salvou sua vida
Imagem: Arquivo pessoal

A equipe, formada por 17 cientistas de ponta com formação no exterior, dedica-se a encontrar novos diagnósticos, tratamentos e curas de doenças infantis raras, por meio de levantamentos genéticos, moleculares, neurológicos, entre outros.

Como no caso de Maria Eduarda, diagnosticada com TCA (tumor de córtex adrenal) causado por mutação genética com apenas sete meses de vida. O alerta veio da tia da menina, Gisele Hoffman Xavier da Silva, acometida pelo mesmo tumor aos 2 anos. Gisele notou que a sobrinha, ainda bebê, havia desenvolvido pelos pubianos, sintoma da descarga hormonal gerada pelo tumor. De imediato, a tia agendou consulta no Instituto Pelé Pequeno Príncipe, onde o sequenciamento detectou a mutação genética que causa o TCA — a qual seria também constatada na irmã de Maria Eduarda, mas sem formação de tumor.

Raro em crianças, esse tipo de câncer é de difícil diagnóstico. E se não for extirpado rapidamente — como no caso de Maria Eduarda, que passou por cirurgia na semana seguinte ao diagnóstico — pode levar à morte em poucos anos de vida.

"A Maria Eduarda me perguntou esses dias da cicatriz na barriga, da retirada do tumor. Agora, vamos falar mais da doença que ela teve e de quem estava por trás da cura", aponta o pai.

Hospital do Rei Pelé - Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe - Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe
Dra Carolina Prando e Guilherme Durigan, 11, em 2015: transplante de medula curou as infecções constantes
Imagem: Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe

Gratidão pelo país e pela família

"Para nós, a parte humana do Pelé sobrepõe o futebol. Ele pôs na cabeça que ia ajudar as pessoas e concretizou isso com o instituto, por onde iluminou não só a vida da minha família, mas de muitas outras que tiveram seus filhos curados", agradece Alex.

A mãe de Maria Eduarda revela que jamais passou pela cabeça dela ou do marido que um dia suas vidas cruzariam com a do Atleta do Século. "O Pelé fez tudo isso para ajudar pessoas que ele nem conhecia. Eu mesmo sabia do Pelé no futebol, mas até então não sabia que ele tinha dado o nome para um instituto que ajuda tanta gente", conta Fabieli.

"Ficamos tristes pela perda de alguém que nem conhecemos pessoalmente. Que fez muito pelo país, mas fez muito mais pela nossa família", reconhece a empresária.

Outra família para quem Pelé será ainda mais do que um gênio da bola é de Guilherme Leal Durigan Galeto, 18, que sofria de constantes infecções até 2019, quando passou por um transplante de medula óssea.

Já no primeiro ano de vida, Guilherme passou a ficar constantemente doente. Eram infecções seguidas e severas. Em 2006, aos 2 anos de idade, teve o primeiro diagnóstico da equipe do HPP: ele sofria de imunodeficiência, mas os médicos não conseguiam detectar a causa da baixa proteção no organismo.

Hospital do Rei Pelé - Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe - Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe
Na visita que fez ao Pequeno Príncipe, Pelé conheceu o menino Guilherme Durigan e outros pacientes do hospital
Imagem: Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe

'Revolução na vida do meu filho'

Até a cura, Guilherme era medicado com infusões de imunoglobulina humana, tratamento que injeta anticorpos para proteger o organismo debilitado. A proteção, no entanto, durava no máximo 21 dias, obrigando o menino a se submeter ao procedimento cansativo diversas vezes ao ano.

Guilherme passou por 16 cirurgias e de três a quatro vezes ao ano dava entrada no hospital e ficava internado por até 20 dias para tratar as infecções. A fragilidade no sistema imunológico ainda causou dois tumores no pescoço, tratados e curados.

Até que, em 2013, o sequenciamento feito no instituto detectou uma falha genética identificada por PI3KR1. De tão rara, Guilherme foi o 13º paciente diagnosticado com a mutação no mundo.

Na sequência, a pediatra Carolina Prando, uma das 17 pesquisadoras do instituto, descobriu que um caso semelhante fora curado com transplante de medula, procedimento pelo qual Guilherme passou em 2019.

"O transplante foi uma revolução na vida do meu filho. Foi a luz no fim do túnel, porque a gente já não via mais futuro", emociona-se a mãe, Tatiane Leal Durigan Galeto, 37. Desde o transplante, Guilherme nunca mais foi internado. Agora faz planos: no fim do ano, vai prestar vestibular para História, e também cogita escrever roteiros de filmes.

Hospital do Rei Pelé - Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe - Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe
'Vai ser triste não ver Pelé distribuindo alegria no hospital, mas temos que manter o legado', diz a dra Prando
Imagem: Divulgação/Hospital Pequeno Príncipe

Pelas crianças do Brasil

Em 2014, Guilherme conheceu Pelé em uma das visitas do Rei ao Pequeno Príncipe. Do encontro, lembra que falou pouco com o craque, pois havia muita gente em volta. Mas não deixou de agradecer. "Tenho sentimento de gratidão pelo Pelé e pelo instituto. Por isso sinto tristeza por ele ter morrido", diz o jovem.

Tatiane também guarda o encontro com o Rei com carinho. "Lembro de mim e das outras mães chorando. Fomos ver o Pelé não por ser o ídolo do futebol, mas com total sentimento de agradecimento, por termos conseguido perspectivas para nossos filhos", recorda.

A melhor lembrança que a doutora Carolina Prando guarda das visitas de Pelé ao HPP era a alegria. "O sorriso dele era automático: crianças que nem sabiam quem ele era, da importância dele para o país, viam o Pelé e também abriam um sorriso imediato quando ele aparecia", lembra.

A médica destaca o papel do ídolo no incentivo à ciência. "Fazer pesquisa no Brasil sempre foi muito difícil. Tanto que eu e meus colegas do instituto não estaríamos no país se não fosse a iniciativa do Pelé de ajudar na captação de recursos ao Pequeno Príncipe", destaca a pediatra, especialista em alergia e imunologia e diretora do Instituto Pelé no campo de medicina translacional — área que reduz o caminho entre a produção científica e a execução prática do conhecimento.

Hospital do Rei Pelé - Valterci Santos/Hospital Pequeno Príncipe - Valterci Santos/Hospital Pequeno Príncipe
O Rei com o time de pesquisadores do Instituto Pelé Pequeno Príncipe, em foto de 2015
Imagem: Valterci Santos/Hospital Pequeno Príncipe

Carolina enfatiza que o nome Pelé abre portas para captação de recursos ao hospital não só no Brasil, mas no exterior. "O Brasil não tem cultura de doação de recursos para pesquisa como em outros países. E o Pelé nos proporcionou isso, já que o apoio do Estado à pesquisa no Brasil é insuficiente", diz.

"Na primeira entrevista que o Pelé deu sobre o instituto, ele disse que vinha ao Pequeno Príncipe porque só joga em time vencedor. Agora vai ser triste não vê-lo mais distribuindo alegria no hospital, mas temos que manter esse legado", ressalta a pesquisadora — citando o pedido do Rei, quando fez seu milésimo gol em 1969, para que o país cuidasse de suas crianças.