Topo

Tendência na pandemia, velórios virtuais crescem 26% e entram no metaverso

Segundo a plataforma Morada da Memória, as transmissões do velório virtual cresceram 26%, e as homenagens nos memoriais digitais subiram 12% - Pixabay
Segundo a plataforma Morada da Memória, as transmissões do velório virtual cresceram 26%, e as homenagens nos memoriais digitais subiram 12% Imagem: Pixabay

Jorge Cosme

Colaboração para o TAB, do Recife

07/02/2023 04h01

O jornalista Raphael Acioli, 36, era conhecido por muitos no meio artístico. Trabalhou para Wesley Safadão, Joelma, Gabriel Diniz e Priscila Senna. O falecimento dele no dia 10 de janeiro de 2021 gerou comoção.

"Obrigada por tudo, meu amigo!", escreveu a cantora Joelma ao publicar, no Instagram, uma foto dos dois juntos. "Luto, Raphael Acioli. Descanse em paz", publicou Safadão.

Acioli ficou 46 dias internado por causa de problemas no fígado e no rim. Durante a internação, ele teve covid-19, o que, segundo familiares, agravou seu quadro de saúde.

"Éramos muito próximos. Ele trabalhou com muitos artistas, então tinha acesso a muitos eventos e a gente ia para as festas juntos", conta o delegado Diego Acioli, 42, irmão de Raphael. "Ele era muito benquisto, não só pela família mais próxima, mas por primos, tios e tias, amigos e no meio artístico", completa.

Os irmãos Diego e Raphael Acioli - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O jornalista Raphael Acioli, que faleceu em 2021, e seu irmão, Diego
Imagem: Arquivo pessoal

A covid-19 mudou os rituais de sepultamento. As despedidas passaram a ser feitas em um tempo reduzido e com menos pessoas, além de caixões lacrados. As cerimônias ficaram mais solitárias.

Os cemitérios já passavam por uma modernização tecnológica, mas houve uma aceleração desse processo — a administração do Morada da Paz, com unidade no município de Paulista, no Grande Recife, onde Raphael foi sepultado, afirma ser pioneiro no serviço de velório virtual no país, tendo lançado o serviço ainda em 2001.

"Nós tínhamos parentes em outros estados e até no exterior. Muitas pessoas perguntaram se conseguiriam acompanhar à distância o velório. Fizemos, então, a transmissão na capela e as pessoas acompanharam online", conta Diego.

Uma das pessoas que assistiu ao velório pela tela do computador foi o tio de Raphael, o professor Luciano Acioli, 64, que estava no Piauí. "Não gosto de computador, mas me rendi e me rendo às soluções que ele às vezes traz", conta.

"Acho que foi uma saída bastante razoável, porque, de certa forma, você está presente. Se eu puder estar presente no local, eu sempre estarei presente com os amigos na hora da dor. Então essa é uma forma minimizar a distância."

Colina dos Ipês - Divulgação - Divulgação
O cemitério Colina dos Ipês, na região metropolitana de São Paulo, que recentemente entrou no metaverso
Imagem: Divulgação

'Estar presente'

Mesmo com o arrefecimento dos casos de covid-19 e o fim das restrições da pandemia no Brasil, a quantidade de pessoas que utilizam a tecnologia do velório online continua crescendo.

O Morada da Paz, onde Raphael foi cremado, criou uma plataforma online intitulada Morada da Memória. O serviço cria perfis de pessoas sepultadas ou cremadas, oferecendo informações sobre horário e local das cerimônias, permitindo que internautas enviem mensagens de condolências e flores, e compartilhem lembranças. Também transmite rituais ao vivo.

Desde que passaram a ser hospedadas na Morada da Memória, as transmissões do velório virtual tiveram um crescimento de mais de 26%, e as homenagens nos memoriais digitais subiram 12%. Os dados são oriundos da comparação entre o período de março de 2020 a fevereiro de 2021 e março de 2021 a fevereiro de 2022.

A startup Adiaŭ, que se define como uma "death tech" com atuação 100% especializada em velórios online, é responsável por montar essa estrutura nos cemitérios do país. "A startup oferece uma solução completa para que cemitérios, crematórios e funerárias possam transmitir virtualmente suas cerimônias de despedidas de forma simples, com total segurança e privacidade", diz o diretor-executivo da Adiaŭ, Denilson Rocha, 43.

Ele detalha que só no Brasil existem mais de 500 salas e capelas velatórias equipadas com a tecnologia de velórios ao vivo. "Em 2022, foram transmitidas mais de 10 mil cerimônias de velórios ao vivo, que alcançaram mais de 300 mil acessos de familiares e amigos", acrescenta.

Segundo Rocha, em 2022, a startup equipou o dobro de empresas em comparação com o ano anterior. "É claro que a pandemia potencializou o uso da tecnologia, mas os números demonstram que a necessidade de participarmos das cerimônias de velório online só crescem, e não estão ligadas à pandemia", defende.

Na região metropolitana de São Paulo, o cemitério Colina dos Ipês foi um dos que contratou o serviço da startup. O diretor comercial do Colina, João Paulo Magalhães, 35, acredita que acompanhar o ritual pela internet é uma forma de alguns enfrentarem o momento da perda.

"É importante vivenciar o luto, tomar consciência que a pessoa não estará mais no seu convívio. Mesmo que seja online, a pessoa vai ver a outra ali, falecida, já no caixão. É um choque semelhante ao que ocorre presencialmente quando começa o velório. Muitas pessoas são tocadas na abertura do caixão."

Colina dos Ipês no metaverso - Reprodução - Reprodução
Com óculos de realidade virtual, é possível passear por uma versão do cemitério no metaverso
Imagem: Reprodução

Metaverso e câmera 360º

O universo funerário não está mesmo alheio aos avanços tecnológicos. O Morada da Paz anunciou mais recentemente o Velório Virtual 360º, com a utilização de uma câmera que filma e transmite ao vivo os velórios em 360º com qualidade 4K.

"Será possível acompanhar quem está presente, ver detalhes das homenagens como as coroas de quem envia flores e assistir a uma celebração religiosa, como forma de poder melhor se despedir do ente querido que está sendo velado", comenta Raniery Melo, 31, analista de marketing digital da empresa. "Isso é muito importante, e digo isso por experiência própria. No início da pandemia, minha família vivenciou a perda de alguns membros e, por causa da distância física de alguns familiares, a vinda à cerimônia se mostrava inviável", acrescenta.

Já o Colina dos Ipês anunciou a entrada no metaverso. Utilizando óculos de realidade virtual, o cliente do cemitério pode passear por uma versão digital do cemitério. "O metaverso vem com o objetivo de desmistificar um pouco o medo de ir até o local. Tem muita superstição. Nosso metaverso também é uma forma de aproximar os jovens desse universo", explica João Paulo.

A chef e empresária do ramo de buffet Renata Lopes, 47, perdeu o pai há 15 anos. Recusou-se a participar de qualquer cerimônia fúnebre e nunca havia visitado o túmulo do pai.

"Não me é confortável ir em cemitério. Teve o falecimento do meu pai e eu não fui. Fui muito cobrada pela família, por todo mundo e por mim também. Achei que tinha sido um egoísmo da minha parte, mas eu simplesmente não conseguia", comenta.

Irenice Lopes, 69, mãe de Renata, conheceu a tecnologia do metaverso e resolveu apresentá-la à filha. "A gente não falava sobre isso de morte, sobre plano funerário. Ela não quer saber dessas coisas", diz. A aposentada carregava um pouco de culpa. Acreditava que o medo da filha vinha do fato de ela, muito nova, ter sido levada pela mãe para o sepultamento dos avós. "Talvez eu tenha trazido um trauma para ela."

Observando a versão digital do túmulo do seu pai, Renata concluiu que deveria finalmente conhecê-lo pessoalmente. No dia seguinte, foi até o cemitério. "Ela colocou uma florzinha lá. Parecia uma criança que eu estava ensinando como era um cemitério", lembra a mãe.

"Foi muito importante. Naquele momento eu me despedi dele, porque eu não havia feito isso. Mas não foi triste. Vi que ele estava realmente ali, vi a foto dele, parece que deu um alívio. Se ele precisava daquela despedida, ele teve naquele momento", diz Renata.

Ela afirma que, passados tantos anos do falecimento do pai, ainda não conseguia acreditar na morte dele. "Não sei o que eu sentia, mas não sentia a morte, acreditava que ele apareceria. Minha mãe insistiu para me levar lá porque ela sentia isso, que eu não estava totalmente livre", reflete. "Indo lá, entendi a passagem. Sei que só vou vê-lo quando eu também for embora."

A chef explica que visitar os cemitérios não integrará sua rotina, mas acredita que conseguirá visitar o túmulo do pai mais vezes. "Pode ser que no aniversário dele eu vá."

"Tenho um buffet, trabalho com festa, casamento, aniversário. Gosto de comemorar a vida", completa ela, que diz já ter recusado fazer um coquetel para uma cerimônia fúnebre de uma cliente japonesa. "Como você comemora a morte? Não tem como comemorar a morte. Sei que é cultural, mas gosto de estar em ambiente alegre."

Mesmo sendo um entusiasta da tecnologia do metaverso e do velório digital, João Paulo acredita que uma despedida virtual não é o suficiente. "Na minha opinião, não completa o ciclo do luto. A pessoa tem que finalizar a despedida, mas por tabu, briga familiar, desavença, ela não pode viver isso. Ela nem 'starta' isso e fica com essa dor somatizando dentro dela. Por isso que eu acho que não completa", pondera. "Não dá para viver 100% digital."