'Chuva de Sombrinhas': retomada do Dia do Frevo antecipa Carnaval no Recife

A Conde da Boa Vista, uma das avenidas mais movimentadas do Recife, amanheceu diferente nesta quinta-feira. Na esquina com a Rua da Soledade, centro da cidade, as buzinas dos carros e a pressa dos pedestres deram lugar aos Clarins de Momo, anunciando o aniversariante do dia: o frevo.
Nem a chuva, que vinha e ia, desanimou a festa. Era a retomada da tradição que, todo 9 de fevereiro, às vésperas do Carnaval, faz a capital pernambucana ferver para celebrar seu ritmo mais tradicional. Desde às 7h, orquestras, troças, blocos líricos e passistas espalharam-se pela cidade.
Junto com a retomada da festa, depois de dois anos de interrupção durante a pandemia, foram comemorados também a primeira década do título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, concedido pela Unesco ao ritmo, em 2012. Onze anos, portanto, tirando o atraso dos 10 que passaram em branco durante o isolamento social.
Sentimento de urgência
Cinco anos antes, o Iphan já tinha incluído o frevo em seu Livro de Registro das Formas de Expressão, passo decisivo para que o reconhecimento chegasse ao órgão da ONU. E o adiamento da festa só fez reforçar nos foliões o sentimento de urgência que vem tomando conta da cidade.
Nas semanas que antecedem o Carnaval, as ruas estão sendo tomadas pelas cores das decorações carnavalescas e pelas purpurinas e lantejoulas caídas das fantasias, ao som constante do frevo em cada esquina.
"Hoje estamos realizando a cultura de Pernambuco. Voltar ao frevo representa a vida, ser feliz. É difícil até encontrar palavras que expliquem esse sentimento de liberdade que a gente tem quando dança frevo", conta Raíssa, jovem passista do grupo Faceta, que bailava ao som do clássico "Cabelo de Fogo", na beira-mar do bairro de Brasília Teimosa.
A trombonista do Junção Festiva Orquestra Show, Luiza Roberta, mais conhecida como Lua, concorda. Há 10 anos atuando em orquestras e como professora de música, ela não media a alegria de voltar ao frevo. "Foram dois anos difíceis para quem vive de música e costuma se apresentar no Carnaval. Me sinto realizada como música e como foliã. Amo Carnaval, desde sempre ele se faz presente na minha vida. Por mais que eu trabalhe muito nessa época, sempre tiro um dia ou uma noite para poder brincar", conta Lua.
Polca, maxixe e capoeira
Foi nas ruas de Recife e Olinda que o frevo nasceu, ainda no final do século 19, e ganhou como data de nascimento oficial o dia 9 de fevereiro de 1907, quando a palavra foi registrada pela primeira vez em uma reportagem do extinto jornal "Pequeno". Na época, o termo não designava exatamente o estilo de música e dança: tinha sido usado como corruptela de "ferver", anunciando o ensaio de um clube que colocava todo mundo para se mexer com sua música acelerada.
O registro formal do frevo veio tardiamente, anos após seu surgimento. Como muitas outras expressões da cultura popular, é difícil definir com exatidão o ano de origem do ritmo genuinamente pernambucano, mas registros históricos revelam que já um pouco antes da abolição da escravidão, nos anos 1880, bandas marciais saíam pelo Centro do Recife acompanhadas informalmente por capoeiristas.
As melodias da polca, tango, maxixe e marchas, que faziam parte do repertório das bandas, uniram-se à ginga dos capoeiristas e resultaram no frevo. Nessa época, a capital pernambucana passava por um processo de industrialização intenso, recebendo gente de outras localidades. Com isso, novas influências culturais foram incorporadas à música e à dança.
'Estremecendo o chão'
O Marco Zero, cartão-postal do Recife, foi um dos pontos de maior animação na festa do Dia do Frevo esta quinta. Enquanto o palco monumental onde irão acontecer os shows de artistas como Caetano Veloso, João Gomes, Pabllo Vittar, Spok, Maria Rita e Emicida no Carnaval era montado, blocos líricos Pierrot de São José, Cordas e Retalhos, e a Orquestra de Frevo e Clube de Boneco A Bela da Tarde se apresentavam.
Dentre os foliões, Dona Graça, professora aposentada, flabelista — equivalente à porta-estandarte — do bloco Cordas e Retalhos: "Fui passista de frevo criança e adolescente, aprendi na rua, vivendo os carnavais do Recife com meus pais. Meu pai costumava tirar as portas do carro pra enfeitá-lo por inteiro e desfilar nas ruas", lembra. "Frevo é alegria, solidariedade, poesia e vida! Voltar a viver a festa, essa retomada, é um alívio pra alma", comemora ela. "O Recife não existe sem o frevo, nem o frevo sem o Recife. Eles são indissociáveis, partes integrantes um do outro."
Turistas e transeuntes que passavam se juntaram à festa, fazendo — como dizem os versos de "Chuva de Sombrinhas", um dos frevos mais conhecidos e cantados da tradição recifense —, "estremecer o chão da praça (...) chamando toda a nação do Brasil pra ver que é só aqui que tem, que é só aqui que há". Como se diz e repete no Carnaval pernambucano: o frevo não convida, arrasta.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.