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Bloco Feijão: brasileiros tocam Zeca Pagodinho no Carnaval de Nova Orleans

No Mardi Gras de New Orleans, presença do carnaval brasileiro está no samba e na predileção pelo arroz com feijão - Juliana Saporito/UOL
No Mardi Gras de New Orleans, presença do carnaval brasileiro está no samba e na predileção pelo arroz com feijão Imagem: Juliana Saporito/UOL

Juliana Saporito

Colaboração para o TAB, de Nova Orleans

23/02/2023 04h01

Samba, suor, cerveja e feijão. Foi assim que quase 15 mil pessoas celebraram um Carnaval bem distante do Brasil.

No Mardi Gras — "terça-feira gorda", em francês —, o Carnaval de Nova Orleans que nasceu na Europa medieval e chegou aos EUA pela Casa Francesa dos Bourbons, uma multidão seguiu os Amigos do Samba, banda do bloco "Feijão" que reúne brasileiros, americanos e uma uruguaia num desfile pelas ruas de Marigny e Bywater, bairros tradicionais da cidade que é considerada a capital do jazz, no estado da Luisiana.

Marcada pela influência francesa e pelo catolicismo, Nola, como a cidade é chamada, tem como um de seus pratos típicos o arroz com feijão vermelho. Elementos que fazem com que qualquer brasileiro se sinta em casa na época da folia.

Unidos pela diversidade

Responsáveis pela trilha sonora do "Feijão", o bloco brasileiro que anima o Carnaval de rua de Nova Orleans, os Amigos do Samba tocaram muito partido alto, marchinhas e Zeca Pagodinho no Krewe of Red Beans — o desfile que mais se assemelha ao dos blocos de rua brasileiros. Durante a festa, outros tipos de paradas se espalham pela cidade e subúrbios, com carros alegóricos (floats) e distribuição de brindes (colares, pelúcias, chaveiros, copos).

Bloco brasileiro em New Orleans - Juliana Saporito/UOL - Juliana Saporito/UOL
Muito partido alto, marchinhas e Zeca Pagodinho celebrando a diversidade étnica, cultural e sexual
Imagem: Juliana Saporito/UOL

Celebrando a diversidade étnica, sexual e cultural, o bloco, que desfila desde 2009, incorpora o samba e a música latino-americana ao Mardi Gras — e canta temas como a justiça social, o antirracismo e os direitos das comunidades LGBTQIA+.

É também um dos blocos mais kid friendly da cidade: por todo o trajeto se viam bebês de colo e crianças de todas as idades. "O Rafael tem 6 anos e vem ao Red Beans desde a barriga", conta a mãe, Aline de Souza Myers, bailarina brasileira radicada em Nova Orleans há 16 anos.

"As crianças adoram a liberdade de estar na rua, correr, brincar e dançar fantasiadas, e nós, como pais, achamos importante manter a cultura brasileira viva para o nosso filho", diz.

Ao lado, um representante da cultura queer emprestava cores e ousadia ao bloco. "Trabalhei duro para conseguir ser a passista mais brasileira possível. Você acha que deu certo?", pergunta o performer Michael Purdy (que não revela a idade), enquanto samba em saltos altíssimos e biquini de franja cheio de brilho. Deu certo.

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'Rafael tem 6 anos e vem ao Red Beans desde a barriga', conta a bailarina brasileira Aline de Souza Myers
Imagem: Juliana Saporito/UOL

Cerveja liberada, pegação limitada

Numa das poucas cidades dos EUA onde a bebida na rua é totalmente liberada, cerveja e birita correm soltas. A maconha ainda é proibida, embora o CBD seja liberado — mas todo o mundo fuma numa boa. E a pegação acontece, mas de maneira mais sutil do que no carnaval brasileiro: a prática de beijar desconhecidos só pelo prazer da festa é rara.

"Me senti livre pra dançar e curtir o carnaval sem pegar ninguém pela primeira vez na vida", conta a decoradora Gabi Santos, 34, em seu primeiro Mardi Gras em Nova Orleans. "As pessoas se paqueram e dá pra marcar de se ver depois do bloco, mas ninguém toca em ninguém sem consentimento, e isso é ótimo", comemora.

Na contramão, Maicon Cruz, 24, outro folião de primeira viagem, ficou frustrado: "Um monte de mulher bonita e ninguém te dá nem um beijinho", lamenta. Ainda assim, o estudante brasileiro que vive em Boston diz que se divertiu "mesmo voltando pra casa zerado".

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'Trabalhei duro para conseguir ser a passista mais brasileira possível', diz o americano Michael Purdy
Imagem: Juliana Saporito/UOL

Conexão gastronômica

Fundador e organizador do Krewe of Red Beans, o americano Devin De Wulf morou e estudou em Belo Horizonte, onde descobriu a fixação da nossa terra pelo feijão. "Fiquei impressionado como o brasileiro não se cansa de comer feijão também, no almoço e no jantar", diz. "Fiquei apaixonado e senti uma conexão imediata entre as duas culturas, ligadas pelas influências africanas na música e pelo arroz com feijão. Muita gente pensa na jambalaya, gumbo e crawfish como pratos típicos de Nova Orleans, mas esses não são pratos de todo dia. No entanto, toda segunda-feira, por aqui, é dia de comer arroz com feijão, em casa, no restaurante ou no bar."

Foi daí que surgiu a ideia de criar um bloco dedicado ao feijão — e à mistura dessas culturas tão distantes e interligadas. Hoje, o samba já é parte oficial da cultura Red Beans.

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O Krewe of Red Beans é o desfile que mais se assemelha ao dos tradicionais blocos de rua brasileiros
Imagem: Juliana Saporito/UOL

"Mais e mais músicos brasileiros invadem Nova Orleans a cada ano, no melhor sentido da palavra, e sentimos que a comunidade brasileira também vem crescendo, enriquecendo ainda mais essa cultura tão diversa", diz Ezra Shane, líder dos Amigos do Samba. Além do desfile no Mardi Gras, a banda mantém uma agenda ativa de shows e é o único grupo de samba que se apresenta regularmente em Nova Orleans.

Beanlândia à vista

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'Mais e mais músicos brasileiros invadem Nova Orleans a cada ano', diz Ezra Shane, líder da banda
Imagem: Juliana Saporito/UOL

Na onda do sucesso do Krewe of Red Beans os fundadores estão trabalhando em um centro cultural e comunitário para atender crianças da região em atividades educativas, artísticas e culturais, com o apoio a músicos e pequenos empreendedores locais. Um grande galpão está em reforma para o projeto.

A ideia é contar com uma programação que priorize a interculturalidade a valorize as influências latino-americana e caribenha no país, sejam elas ligadas a música, língua, comida, dança e artes plásticas.

"Queremos fazer da Beanlândia um hub de acolhimento e de apoio à comunidade, fortalecendo ainda mais a nossa participação na vida da cidade e no Carnaval", afirma De Wulf.