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Filha de Temer cede casa para casal de sorveteiros desabrigado pelas chuvas

Grazielli e Eliseu estão abrigados na casa de Luciana Temer, filha do ex-presidente da República, no litoral norte de São Paulo - Arquivo pessoal
Grazielli e Eliseu estão abrigados na casa de Luciana Temer, filha do ex-presidente da República, no litoral norte de São Paulo Imagem: Arquivo pessoal

Do TAB, em São Sebastião (SP)

24/02/2023 08h25

Eliseu Braz, 42, vende picolé de milho verde, coco queimado e tangerina há 22 anos nas areias da Barra do Sahy — há seis anos se casou e recebeu o reforço de Grazielle Pereira, 28, no comércio praiano. Trabalharam até o último sábado (18). Mas, como boa parte da população do bairro de São Sebastião (SP), não tiveram condição no domingo: a casa deles desmoronou junto com a Serra do Mar.

Eles ficaram dois dias abrigados em uma escola, mas não aguentaram o barulho constante e procuraram uma alternativa. "Era tanto helicóptero pousando no campinho do lado, que o vento das hélices derrubou parte das calhas da escola, e eu achei que o prédio ia cair. Ainda estou muito abalada", conta Grazielle.

Ficaram sabendo que uma moradora de um condomínio tinha disponibilizado sua casa, e foram para lá. Só depois souberam que era de uma conhecida cliente, a advogada e professora universitária Luciana Temer, 53, filha do ex-presidente Michel Temer.

"Queria abrigar qualquer pessoa, e foi uma coincidência justamente ser alguém que conheço há muito tempo. Quando meus filhos eram pequenos, sempre comprava do Eliseu", diz Luciana. Assim como ela, muitos veranistas disponibilizaram suas residências para quem ficou sem teto após as tempestades.

Sentimento local

"Convidei meu pai várias vezes, mas ele nunca veio aqui", conta Luciana, que frequenta a Barra do Sahy há mais de duas décadas. Primeiro foi com as crianças e o ex-marido, Fernando Castelo Branco, que ainda hoje tem casa lá e é atuante na associação de moradores.

De quatro anos para cá, ela aluga com seu atual companheiro a temporada toda a mesma casa que cedeu como moradia para a família de Eliseu e Grazielle.

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Luciana Temer, primogênita do ex-presidente da República, é advogada e professora universitária
Imagem: Fernando Moraes/UOL

"Não estava no Carnaval, e fiquei sabendo depois que a casa não tinha alagado com o temporal. Então pensei que seria ótimo receber quem estivesse precisando. É um gesto de solidariedade, mas também é um sinal de conexão, porque uma característica muito especial da Barra do Sahy é a ligação entre toda a população", afirma a advogada.

Luciana é a primeira dos cinco filhos de Michel Temer. Ela dá aulas na PUC-SP e comanda o Instituto Liberta, que combate a exploração sexual de crianças no país.

Uma noite de pesadelo

Era 1h30 da madrugada quando Eliseu acordou Grazielle e disse para saírem da casa. A chuva forte castigava o morro desde o anoitecer. Ela pegou o filho, Lorenzo, 4, para deitar com eles na cama e acabou pegando no sono. Só despertou novamente quando uma árvore derrubou a parede do quarto, por volta das 3h.

"Descemos a rua e fomos para a casa do nosso senhorio. Só de manhã percebemos que perdemos tudo", relata Grazielle. "Tudo está muito recente. Toda noite tenho pesadelo e revejo as cenas da tempestade. Já consultei até um psicólogo voluntário no abrigo para tentar me acalmar."

Grazielle foi quem se feriu mais, com cortes na cabeça e no braço. "Preferi não operar. Não sabia se tinha anestesia por aqui e não queria levar ponto. Tinha gente bem pior que eu, e eles tinham preferência."

Na quarta-feira (22), os três foram para a casa de Luciana, junto com as outras duas filhas de Grazielli, sua mãe, o irmão, a cunhada e uma sobrinha. Eliseu e Grazielle nasceram na Bahia, mas moram em São Sebastião há vários anos, mostrando a forte presença nordestina entre a população caiçara.

No meio de tanto prejuízo material e emocional, os sorvetes também se foram — eles estavam estocados num lugar perto da praia que também foi afetado. "Estamos em um luto profundo, porque muita gente próxima está morta ou desaparecida. Vai demorar para a comunidade se recuperar", prevê Grazielli.

Estrada da vida

As histórias de ajuda são muitas entre a população de Barra do Sahy, a praia mais afetada pela enxurrada do último fim de semana. E vão além dos casos de patrões que albergam seus funcionários que ficaram sem casa.

Outro exemplo é o de Fernanda Meyer, que abriu sua residência de veraneio para a família de um amigo de seu filho. Funcionária do Ministério Público, ela se dividiu no feriado prolongado entre trabalhar no computador, ajudar os desabrigados pela cidade e receber hóspedes que tinham perdido tudo.

"Aqui tem muita desigualdade social, com a rodovia Rio-Santos dividindo os ricos dos pobres, mas também muita solidariedade. Precisamos resolver a questão da habitação e dar moradia digna e segura para as pessoas", diz Fernanda.

barra do sahy - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fernanda Meyer (à direita) está albergando a família de um amigo de seu filho em sua casa em Barra do Sahy
Imagem: Arquivo pessoal

Mais de 3.500 pessoas estão desalojadas no litoral norte de São Paulo. O número de mortos confirmados já passou de 50, e há número superior de desaparecidos na região.

De acordo com o Cemaden (Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres), os temporais que atingiram o litoral de São Paulo no fim de semana foram os maiores já registrados na história do país no período de 24 horas.