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Correio da má notícia: Mossoró (RN) vive tensão por ataques e desinformação

Policiais do Ceará chegam ao Rio Grande do Norte para conter a onda de violência no estado - Filipo Cunha/UOL
Policiais do Ceará chegam ao Rio Grande do Norte para conter a onda de violência no estado Imagem: Filipo Cunha/UOL

Filipo Cunha

Colaboração para o TAB, de Mossoró (RN)

18/03/2023 04h00

A rotina da segunda maior cidade do Rio Grande do Norte mudou completamente esta semana.

Do lado de dentro da Biblioteca Municipal Ney Pontes, o clima era de tensão: a secretaria municipal de Cultura que funciona ali manteve o expediente interno. A equipe da recepção prendia a respiração a cada pessoa que abria a porta do prédio.

"Meu filho, não faça isso comigo, não. Você abriu a porta calado e veio andando até aqui. Diga logo por que veio." Foi assim que a reportagem do TAB foi recebida na sexta-feira (17).

Duas pessoas passam o dia olhando para a porta, à espera de um ou outro funcionário, cumprindo a função de receber documentos para um chamamento público em aberto.

"A gente se protege do jeito que dá", disse M. C., fala logo corroborada pela colega de recepção: "Passamos o dia aqui, atentas ao celular para saber das coisas. É o zap e o insta bombando de notícias toda hora. Mas tem muito fake também", afirmou C. S.

Funcionárias da secretaria municipal de Cultura de Mossoró cumprem expediente na sexta-feira (17) - Filipo Cunha/UOL - Filipo Cunha/UOL
Funcionárias da secretaria municipal de Cultura de Mossoró cumprem expediente na sexta-feira (17)
Imagem: Filipo Cunha/UOL

Quem tinha pouco perdeu muito

Entre a noite de quinta (16) e a madrugada de sexta-feira (17), os atos criminosos tiveram como um dos alvos a cooperativa de reciclagem da cidade. O galpão da Ascamarem (Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Mossoró), junto a todo material que já tinha sido tratado, foi incendiado.

"Isso aqui foi 'boneco grande'. Ouvimos a explosão, viemos ver e encontramos a chamas. Comecei o combate só. Depois foram chegando os outros, mais um, e mais um. Isso aqui a gente vai ter que refazer todinho de novo", disse o coordenador de reciclagem Ronaldo Nunes, que ajudou a apagar o incêndio antes da chegada dos bombeiros.

Além da cooperativa, uma base desativada da Polícia Militar e um escritório da Companhia de Águas e Esgoto do RN foram atacados. Os três atentados tiveram procedimento semelhante: homens em motos passam lançando coquetéis molotov em direção aos prédios.

A primeira vítima de violência de Mossoró gerou uma imagem que rodou o país. O homem agachado, em desespero, que assistia às chamas consumirem um caminhão-caçamba foi abordado por dois homens que mandaram-no descer do carro. Marcos Cesar da Silva Medeiros, 53, presta serviço à Prefeitura de Mossoró, e viu os homens destruírem um dos poucos bens que conquistou em sua vida.
"Lutei por essa caçamba por uns 25 anos. Recebi as contas de uma empresa e comprei um carro. Com muito esforço e trabalho, fui conseguindo mudar de carro até trocar pela caçamba, dois anos atrás. Vi R$ 200 mil virar pó."

Mensagens falsas compartilhadas pelo WhatsApp em grupos de moradores de Mossoró - Filipo Cunha/UOL - Filipo Cunha/UOL
Mensagens falsas compartilhadas pelo WhatsApp em grupos de moradores de Mossoró
Imagem: Filipo Cunha/UOL

Terror online

Pelas redes é que os criminosos têm instaurado o terror em todo o estado. A circulação de notícias falsas usa dos artifícios mais variados. Comunicados falsos, como se fossem da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, se tornaram comuns. Eles pedem que a população não saia de casa e sempre alertam para um "toque de recolher" mais intenso na madrugada.

Muitas mensagens são atribuídas à facção criminosa que estaria articulando a onda de violência. Os textos dizem que os ataques não pretendem afetar a população, mas reivindicar mudanças no sistema prisional.

Ameaças a instituições e notícias sobre falsos ataques não param de ser compartilhados. Na quarta-feira (15), circulou em Mossoró a informação de um suposto atentado contra estudantes que vivem na residência da Ufersa (Universidade Federal do Semiárido). Após ser procurada por diversos órgãos de imprensa, a universidade emitiu uma nota oficial em que negou o ocorrido.

No mesmo dia, outra sequência de mensagens enviadas pelo WhatsApp, que dizia que os criminosos iriam incendiar uma escola cheia de crianças, gerou medo em pais e alunos da rede municipal.

Os anúncios, criados para gerar pânico, levaram grande parte das instituições públicas e privadas a suspender as aulas desde a quarta-feira (15). Escolas municipais e estaduais estão fechadas até a situação melhorar. Até mesmo colégios particulares resolveram suspender as aulas.

A Ufersa decidiu prosseguir com aulas em esquema remoto pelo menos até 24 de março. A UERN (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte) decidiu não ter aulas presenciais até o dia 22 deste mês.

Grupos de WhatsApp espalham vídeos de pessoas sendo agredidas em plena luz do dia, ou do terror de passageiros dentro de um ônibus sob ataque. Mas os vídeos são antigos ou feitos fora do estado — alguns são até fáceis de se checar pelo sotaque e porque os bairros citados não existem no Rio Grande do Norte. Os ônibus continuam parados em Mossoró desde a manhã de terça-feira (14), mas nem isso impede a circulação destes vídeos.

O comando da Polícia Militar em Mossoró diz que a circulação de notícias falsas tem atrapalhado o trabalho. "A sociedade já está em pânico, e você ainda vai criar factoides? É extremamente prejudicial. A gente pede às pessoas que evitem distribuir notícias falsas. Se realmente souber de um fato, que informem oficialmente as autoridades", disse o Coronel Walmary Costa à reportagem.

Devido a onda de ataques no estado, todas as UBS de Mossoró (RN) estão fechadas - Filipo Cunha/UOL - Filipo Cunha/UOL
Devido a onda de ataques no estado, todas as UBS de Mossoró (RN) estão fechadas
Imagem: Filipo Cunha/UOL

Policiamento pode durar 15 dias

Para tentar conter a crise, o governo do estado reuniu representantes de todos os poderes e o Ministério Público para reforçar medidas de combate à violência. "O momento é delicado e estamos alinhando com os poderes públicos e instituições as medidas para proteger a população. Não vamos recuar no combate ao crime e no dever de proteger a população", afirmou a governadora Fátima Bezerra, em coletiva de imprensa na quinta-feira.

Segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública, o efetivo da Força Nacional foi dividido entre a capital, Natal, e a cidade de Mossoró. A segurança da região oeste do estado (onde fica Mossoró) recebeu o reforço de 68 agentes, e este número pode chegar aos 80 até o início da semana. Eles chegam da Força Nacional, da Polícia Militar do Ceará e da Paraíba. Durante o fim de semana, Mossoró receberá apoio de um helicóptero emprestado pela PRF (Polícia Rodoviária Federal).

Os agentes de segurança vão ficar num abrigo provisório no Centro de Exposição da Universidade Federal do Semi-Árido.

Lixo já se acumula nas ruas de Mossoró (RN) - Filipo Cunha/UOL - Filipo Cunha/UOL
Lixo já se acumula nas ruas de Mossoró (RN)
Imagem: Filipo Cunha/UOL

Limpeza Urbana sob escolta

Os primeiros ataques na cidade de Mossoró tiveram como alvo caçambas e caminhões de limpeza urbana. Três veículos do tipo foram incendiados no primeiro dia de ataques. Mas esta semana a cidade convive com o céu fechado e alertas de temporais.

Durante toda a semana, dos 10 caminhões de limpeza, apenas três foram retirados da garagem. E, por questões de segurança, as equipes foram às ruas com escolta policial. Segundo a Prefeitura de Mossoró, este será o procedimento até que a situação na segurança seja normalizada.

A prefeitura resolveu manter um pequeno efetivo de limpeza para evitar o acúmulo de lixo nas áreas que mais alagam na cidade. O problema é que bairros menos centrais estão sem coleta há cinco dias. O lixo já se acumula na frente das casas.