Topo

Estelionatários usam fotos de delegados no WhatsApp para dar golpes do Pix

Foto do delegado Gregório Ribeiro foi utilizada no golpe do "troco adiantado" em Petrolina (PE) - Adriano Alves/UOL
Foto do delegado Gregório Ribeiro foi utilizada no golpe do 'troco adiantado' em Petrolina (PE)
Imagem: Adriano Alves/UOL

Adriano Alves

Colaboração para o TAB, de Petrolina (PE)

27/03/2023 04h01

Dez pastéis, seis águas e um guaraná: o pedido pingou na lanchonete onde trabalha o motoboy Paulo*, 44, no domingo (19), endereçado ao delegado Gregório Ribeiro, 32, na Delegacia de Polícia da 213ª circunscrição, em Petrolina (PE), a 712 km de Recife.

Passava das 11h, quando o motoboy saiu para a entrega e começou a receber mensagens de quem dizia ser o delegado, reconhecido na cidade, a partir de um número de WhatsApp com a foto do agente. A primeira mensagem pedia troco para uma nota de R$ 200. A segunda, um favor: passar na farmácia e comprar luvas. "Pensei: é normal, devem estar precisando na delegacia", lembra Paulo.

O pedido dos lanches totalizou R$ 68 — o troco para a nota (R$ 132) foi sendo "descontado" no caminho: o entregador comprou luvas e, após mais uma mensagem por WhatsApp, fez recargas em dois celulares. Uma última mensagem pedia um Pix de R$ 50 para "a filha do delegado". A atendente da farmácia alertou: "Vai ser golpe".

Até então, Paulo pensou que realmente estava conversando com o delegado. "Depois que fiz o Pix, a ficha caiu. Era muito estranho ele pedir recarga. O bandido usou a malandragem desviando pra farmácia e eu caí", lamenta.

Ainda assim, o entregador foi ao destino final do delivery, a delegacia, onde registrou um boletim de ocorrência. "Já que estava lá, fiz logo o B.O." O prejuízo dos pedidos ficou com a lanchonete, e Paulo perdeu R$ 132.

Outras três pessoas procuraram a delegacia, no final de semana, relatando o mesmo golpe. José*, 62, quase transferiu o "troco adiantado" de um pedido no seu restaurante para o falso delegado. "Minha sorte foi que o aplicativo falhou e, antes de conseguir, o entregador tinha chegado na delegacia e ligou avisando do golpe", conta.

Delegacia de Petrolina - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
Outras três pessoas procuraram a delegacia, no final de semana, relatando o mesmo golpe
Imagem: Adriano Alves/UOL

Pizza e Pix

O delegado Gregório Ribeiro não estava de plantão e ficou sabendo do uso de sua foto por colegas policiais. "Esses casos já vinham acontecendo antes", diz. "Foram feitas várias tentativas de entrega. Normalmente, eles encomendavam alimentos. Cinco pizzas, 20 hambúrgueres", detalha.

O movimento de motoboys na frente da delegacia foi intenso nos últimos dias. No golpe, o autor faz o pedido direto ao estabelecimento, identifica-se com a foto de uma figura pública (delegados e políticos, por exemplo) e inventa uma demanda extra para conversar diretamente com o entregador.

Foram mais de 15 golpes com a imagem do delegado de Petrolina, que também fez B.O. "Tenho que fazer, citando que estão usando meu nome, minha foto. Tudo para poder dar início à apuração", conta ele, que atualmente atua na Delegacia de Combate à Corrupção. Antes, durante quatro anos, investigou crimes cibernéticos e constatou de perto o aumento desses golpes. "Houve o pico na pandemia."

No ano passado, ele cumpriu um mandado de prisão relacionado a um crime do tipo em Petrolina. "O indivíduo tinha feito isso com um colega [outro delegado] e com um prefeito de outra cidade."

Em abril, a imagem do delegado Ney Luiz Rodrigues também foi utilizada em Ipojuca (PE), no litoral sul. Oito comerciantes da região de Porto de Galinhas caíram na história do "troco adiantado", ainda antes da saída do pedido: o dono de um pet shop foi uma das vítimas no distrito turístico — o golpista encomendou uma ração para cachorros que custa R$ 241, indicando a delegacia como endereço de entrega, e pediu troco para R$ 400 por Pix.

A Polícia Civil de Pernambuco instaurou inquéritos para investigar os golpes usando fotos de servidores públicos. Em nota ao TAB, informa que três pessoas já foram identificadas e respondem pela ocorrência de Ipojuca, indiciadas pelos crimes de estelionato e associação criminosa. A pena pode chegar a oito anos de prisão. A outra, de Petrolina, segue sob sigilo.

Golpistas do Pix usam fotos de delegados para enganar entregadores em Pernambuco - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
No golpe, o autor inventa demanda extras e pede Pix para entregadores
Imagem: Adriano Alves/UOL

'Desconfie'

"É um golpe recorrente no Brasil todo", diz o delegado Pedro Henrique, 32, presidente da Adeppe (Associação dos Delegados de Polícia de Pernambuco), que também teve uma imagem utilizada por golpistas. "Eles pegam as fotos de entrevistas na internet", acrescenta ele, que atribui os crimes a "presidiários que têm acesso a celulares".

Já Gregório considera que dois fatores atrapalham o combate a esse tipo de crime. Por um lado, como são crimes sem ameaça direta ou violência, estelionatários dificilmente ficam presos, respondem ao processo em liberdade e voltam a cometer golpes. Por outro, muitas vítimas deixam de notificar casos. "Procurar a delegacia é importante, porque uma coisa é ele [golpista] responder por um estelionato apenas, outra coisa é responder por dez. A pena é somada", explica.

Para não cair no golpe, o delegado diz que é indicado redobrar a atenção com qualquer mensagem suspeita. "Desconfie. Não teria motivo para eu estar na delegacia e solicitar um Pix a outra pessoa. Se fosse para pedir um favor, eu pediria para um policial que tá na delegacia", exemplifica.

*Nomes trocados a pedido dos entrevistados