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'Ponto turístico ambulante': Camaro da Polícia Civil para o trânsito em SC

Rafael, de 5 anos, pediu para sentar atrás do volante. "Ele é apaixonado por carro e ama o Camaro", conta a mãe, Gisele Pereira, 41 - Caio Cezar/UOL
Rafael, de 5 anos, pediu para sentar atrás do volante. 'Ele é apaixonado por carro e ama o Camaro', conta a mãe, Gisele Pereira, 41 Imagem: Caio Cezar/UOL

Abinoan Santiago

Colaboração para TAB, em Içara (SC)

27/01/2023 04h01

A "viatura" fica estacionada no pátio interno da Delegacia de Polícia Civil de Içara, cidade de 57 mil habitantes a 145 km de Florianópolis, ao lado de outras nove. É, no entanto, guardada em uma parte coberta para evitar os efeitos do sol e da chuva. A acústica do lugar faz qualquer som reverberar mais alto — e quando seu motor é acionado, o ronco é ensurdecedor e torna-se impossível trocar qualquer palavra ao lado.

O Chevrolet Camaro SS, modelo V6, com 406 cavalos de potência, capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 4,8 segundos, nunca atingiu sua velocidade máxima: 250 km/h. Pelo menos é o que garantem os policiais encarregados do possante — apreendido de um traficante de drogas em 2020 — e que, literalmente, para o trânsito de Içara.

O Camaro da polícia civil - Caio Cezar/UOL - Caio Cezar/UOL
Apreendida de um traficante de drogas, a 'viatura' virou motivo de orgulho dos içarenses
Imagem: Caio Cezar/UOL

'Dá um orgulho isso'

Na segunda-feira (23) fazia 34ºC na pequena cidade catarinense, mas a sensação térmica beirava os 40ºC, quando o Camaro saiu da garagem da delegacia, fazendo seu som contrastar com o silêncio daquelas ruas pacatas. A reportagem do TAB seguiu atrás, com dificuldade, num HB20 1.0, pois o ritmo de aceleração entre um carro e outro era totalmente desigual.

Na primeira esquina já era possível ver pessoas esticando o pescoço, virando o olhar e sacando o celular para registrar a passagem do carrão. "É um ponto turístico ambulante", diz uma mulher dentro de um carro. A viatura encosta às margens da linha ferroviária que corta a cidade e outra moradora grita, escorada no portão de casa: "É linda, é linda."

"Quando vi dobrando ali me levantei logo pra ver mais de perto", diz a costureira Rosimeire Paulista, 58: "Tudo nele me chamou atenção e combinou essa cor preta com esse modelo. Içara precisava de um carro desses, dá um orgulho isso."

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'Quando chegou à delegacia, todo mundo quis dar uma voltinha nele', contra o policial Sandro Colombo, 54
Imagem: Caio Cezar/UOL

Luxo cedido

Atrás do volante, o policial civil Sandro Colombo, 54, há 27 anos na corporação, parece que virou celebridade. Colombo, que trabalha a menos 5 km da delegacia e tem um Toyota Corolla, admite que não há comparação. "A diferença é muito grande de um para outro, começando pelo ronco do motor, potência e desempenho. O meu é mais de passeio, só é mais confortável pra dirigir", comenta, entre um pedido e outro dos locais para tirar fotos do veículo.

O uso de automóveis de luxo na segurança pública de Santa Catarina não é novidade. Dois outros Camaros apreendidos de criminosos são usados pela Polícia Militar e pela Polícia Rodoviária Federal de Balneário Camboriú. E, em Florianópolis, a Polícia Civil obteve um Jaguar. Embora o veículo esteja de posse da Polícia Civil de Içara há mais de dois anos, somente em novembro de 2022 os agentes conseguiram envelopá-lo de preto (originalmente, é amarelo) e adesivá-lo com as cores e emblemas da corporação.

"Na época, quando chegou à delegacia, todo mundo quis dar uma voltinha nele", lembra o policial. "Logo que pisei no acelerador senti que não era um carro comum." Sensação semelhante teve o delegado Rafael Marin Iasco, responsável pela investigação que resultou na apreensão do bólido.

Ele, que tem um Honda City e é amante das bikes, admite que o Camaro "é um baita carro": "O som do motor é imponente e chama muita atenção por onde anda." Na delegacia, todos os agentes podem andar na viatura, mas a recomendação é usá-la apenas para exposições, eventos, ações preventivas ou ocorrências com chances mínimas de confronto — isso porque, como está apenas cedido à Polícia Civil, o veículo pode no futuro ser devolvido ao dono.

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A aparelhagem instalada no porta-malas foi desbravada pelo segurança William Nascimento, 33
Imagem: Caio Cezar/UOL

Funk proibidão na caixa

O proprietário em questão é Renato Vicente, condenado em janeiro de 2022 pela Justiça catarinense a 25 anos de prisão em regime fechado por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Em outubro de 2020, a Polícia Civil de Içara apreendeu com Vicente 3,5 toneladas de maconha. O carro só ficará de posse da Polícia Civil em definitivo após o trânsito em julgado da sentença.

Apesar da grife, o ano de fabricação do Camaro da polícia de Içara, 2013, faz o carro ser avaliado em "apenas" R$ 209 mil pela Tabela Fipe. Menos da metade de um modelo 2022, que custa em média R$ 475 mil. Outros bens foram apreendidos com o traficante: uma Hilux SW4 2017 avaliada em R$ 230 mil e uma carreta de som JBL imensa e potente, de R$ 200 mil. "Mas Camaro é Camaro, né?", frisa o delegado.

Nas ruas de Içara, um dos mais entusiasmados era o agente de segurança William Nascimento, 33, que logo pediu aquela foto instagramável. "Parece um Transformers", compara. Foi Nascimento que desbravou um componente instalado no porta-malas do Camaro e até então escondido: uma imensa caixa de som.

Ele trouxe um pen drive e pediu autorização ao policial para testar a potência. Mas a playlist regada a funk proibidão gritando na praça da cidade conservadora não combinou com o momento, e a música foi interrompida em seguida.

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'Comparsas do traficante devem reconhecê-lo na rua e se matar por dentro', diverte-se o delegado Rafael Iasco
Imagem: Caio Cezar/UOL

Exemplo contra o crime

O empresário Luiz Vasconcelos, 38, também parou o serviço em sua loja para fazer um registro da máquina. "Acho certo apreender e usar na polícia porque se foi adquirido de forma errada, o carro não pode ficar estragando", opina.

O carro também chamou atenção dos mais novos. O pequeno Rafael, de 5 anos, já conhecia a viatura e pediu para sentar atrás do volante. "Ele é apaixonado por carro e ama o Camaro. Quando passamos aqui e viu que a viatura estava na praça pediu para vir", contou a mãe Gisele Pereira, 41.

Para o delegado Rafael Iasco, o uso do carro pela corporação "demonstra que o crime não compensa e que os indivíduos que ostentam com o fruto do tráfico podem ter bens apreendidos a qualquer momento". Para ele, a exibição do Camaro serve também de castigo indireto a cúmplices que ainda não estejam presos. "Além da população, os comparsas do traficante também devem reconhecê-lo na rua e se matar por dentro", completa Iasco com um sorriso.