Perdido na pista: o dia em que um guaiamum parou o aeroporto de Vitória

As músicas do show do Coldplay em São Paulo ainda reverberavam no ouvido da publicitária Brenda Quenupe, 27, por volta das 23h de segunda-feira (20) quando o avião em que viajava começou as manobras de pouso. Ela pegara uma conexão e voltava no voo 2094, proveniente do aeroporto Santos Dumont (SDU) com destino a Vitória (VIX). "Água com gelo, por favor", pediu à comissária de bordo, segundos antes de um novo aviso, já bem perto da capital capixaba, quando a aeronave arremeteu.
"Boa noite, senhores passageiros, é o comandante falando", informou o piloto pelos alto-falantes. "Infelizmente não foi possível o nosso pouso em Vitória. Acreditem se quiser, a aeronave que pousou um pouco à nossa frente reportou uma quantidade absurda de caranguejos na pista. Acreditem se quiser. Um monte de caranguejos enormes. A torre de controle nos obrigou a arremeter para fazer uma vistoria e recolher esses caranguejos."
A publicitária lembra da reação dos passageiros diante do inusitado da situação. "Foi risada, foi alívio? era caranguejo, vê se pode!". O pouso foi adiado por dez minutos aproximadamente, e ela pensou na boa história que teria para contar aos amigos.
Os questionamentos vieram. Seria mesmo preciso adiar a aterrissagem por causa de caranguejos — fossem muitos, como na informação inicial do piloto ou, como se confirmaria depois, um único caranguejo?
Funcionários do aeroporto não foram autorizados a dar entrevista, mas um especialista ouvido pelo TAB diz que a decisão foi acertada. "A informação recebida pelo controle de tráfego era de que havia um monte de caranguejos na pista. Então foi uma precaução", explica Marcus Nascif, gerente de segurança operacional do Aeroclube do Espírito Santo.
"O avião estava em aproximação e a torre pediu que ele cancelasse o procedimento para averiguação mais precisa", afirma Nascif. Em nota, a Zurich Airports, concessionária que administra o local, informou que "foi verificada a presença de 1 caranguejo na pista. A equipe de fauna do aeroporto foi acionada. Esse é o procedimento padrão para esses casos".
'Esse tem moral'
O inconveniente crustáceo teria sido visto pelo piloto de outra aeronave, que alertou a torre de comando. "Ele estava com os faróis já acesos, viu algo nas faixas horizontais no início da cabeceira. Ele conseguiria ver", acredita o especialista.
Nas redes sociais, Revan Berger, um dos controladores de tráfego aéreo do aeroporto explicou o procedimento: "Se tiver algum avião para pousar ou algum avião pra decolar, ele vai esperar. É muito mais seguro que ele espere e a gente tire a dúvida e comprove que não traz nenhum risco aquilo (...) do que ele vir pra pouso ou iniciar uma decolagem e aquele objeto - pode ser um parafuso, pode ser um caranguejo, pode ser uma pipa, pode ser um drone - seja engolido pela turbina".
O crustáceo ganhou fama e virou meme. "Esse caranguejo tem moral! Sozinho, fechou a pista de um aeroporto e meteu medo em avião de toneladas", comentou um internauta na página do aeroporto. "Melhor que capivara como ocorria na pista velha", lembrou outro.
Cardisoma guanhumi
O caranguejo era um só, mas não qualquer um. Um guaiamum, caranguejo de grande porte e que pode pesar mais de meio quilo, de nome científico cardisoma guanhumi — explica o biólogo Daniel Motta: "São comuns nos estuários e regiões próximas ao mar. Eles preferem regiões mais secas, entre o mangue e a mata. A lua nova, provavelmente, o fez caminhar até a pista do aeroporto".
A capital do Espírito Santo tem a maior área de manguezal urbano do Brasil e uma das maiores do mundo — e muitas áreas foram aterradas no passado.
Houve risco para os passageiros? Com piloto e equipes experientes, nenhum. Mas não é possível dizer o mesmo do aventureiro guaiamum. "O risco de extinção da espécie se tornou tão sério que, nos últimos anos, foram lançadas duas portarias pelo Ministério do Meio Ambiente que visavam proibir a captura, o transporte, o armazenamento, o beneficiamento e a comercialização desse crustáceo. A multa é de R$ 5 mil por unidade", alerta Daniel.
Espécies liberadas
Passo de guaiamum alterando decisões de pouso é fato inédito nos anais da aviação. "A colisão com a fauna geralmente acontece com mamíferos (inclusive, há relatos de seres humanos atropelados em aeroportos e aeródromos), répteis e aves. Crustáceo eu nunca vi", diz Marcus Nascif.
O guaiamum, que em geral só aparece em grupo na época da andada para o acasalamento, depois de parar um avião e virar notícia foi capturado. Levado para uma unidade de conservação ambiental deverá ser solto, garante a Zurich.
A administradora informa que há no aeroporto um programa de gerenciamento de risco de fauna, com ações contínuas como inspeção de pátio e pista de hora em hora e inspeções com drone, 24 horas por dia, para evitar a entrada de animais. Apenas algumas espécies têm acesso liberado (e monitorado): são oito, entre falcões e gaviões, que fazem voos diários para afugentar outras aves.
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