'Quase perdi a vida': mulheres denunciam cirurgião plástico famoso na BA
No fim de 2019, a gerente administrativa Marina*, 42, viajou 170 km de Jequié, onde mora, para Itabuna, no sul da Bahia. Tinha marcado ninfoplastia (uma cirurgia de correção dos pequenos lábios vaginais) e lipoaspiração no abdômen com o médico Rossini Tebaldi Ruback, da Clínica Visage. "Ele falou que eu seria sua garota propaganda", relata ela. "[Mas] tive que seguir a vida cheia de traumas."
Marina é uma das mais de 30 mulheres que acusam Rossini de negligência médica: elas relatam que suas suturas abriram e que ficaram com feridas e fortes dores, entre outras complicações no pós-operatório — uma delas diz que os pontos na região das mamas foram refeitos sem anestesia.
Depois do procedimento, que custou R$ 13 mil, Marina diz que notou uma fenda, um tipo de corte de 15 centímetros na sua cintura, que estava assimétrica. "Realmente estava feio", Rossini teria concordado, segundo o relato dela — e, para consertar, precisaria "cortar mais a cintura".
No início de 2020, ela voltou a Itabuna: o médico não cobraria pelo reparo, mas a paciente precisaria pagar pelo hospital. A gerente administrativa não podia arcar com a despesa, e o cirurgião teria sugerido realizar o procedimento na sua clínica, que fica em uma rua de paralelepípedos num bairro nobre de Itabuna, entre condomínios, casas e uma escola de balé, perto do único shopping da cidade de cerca de 200 mil habitantes. "Ele falou que tinha um centro cirúrgico melhor do que o hospital", conta.
Segundo as informações do CNPJ cadastrado na Receita Federal, a Clínica Visage tem como área principal a "atividade médica ambulatorial restrita a consultas"; constam como secundárias medicina ambulatorial com recursos para realização de procedimentos cirúrgicos e para exames complementares, e atividade odontológica.
Marina conta que fez três reparos, todos na clínica e com anestesia local. Ela relata que, antes de cada procedimento, era preciso tomar comprimidos para sedação. Ela lembra que, no último reparo, foi levada a uma sala diferente no consultório, uma "que tinha uma cadeira de dentista e um ar-condicionado", sem equipamentos. "Comecei a chorar."
A gerente administrativa diz que tentou pedir para chamar seu marido — ela queria que ele fotografasse a situação, pois tinha medo de "sair morta" de lá. Entretanto, ela já havia tomado o sedativo e, instantes depois, dormiu. Acordou operada. A fenda ainda está lá, e sua cintura continua assimétrica.
Em nota, o médico informa que não comenta casos individuais. "Minha clínica dispõe de estrutura física ampla e completa, munida de equipe altamente especializada e capacitada, que oferece todos os recursos necessários para a correta execução de todos os procedimentos disponibilizados", afirma.
"Ele é um cirurgião. Quem sou eu?", pergunta Marina. Ela conta que decidiu denunciar o médico, mais de três anos depois do ocorrido, ao saber de outros casos: uma instrumentadora, ex-funcionária de Rossini, publicou críticas ao cirurgião no Instagram, e mais de 30 mulheres passaram a compartilhar informações num grupo de WhatsApp.
'Sofrendo juntas'
A autônoma Lorena*, 38, entrou no grupo. "As meninas choram muito, igual a mim. Mexeu muito com meu psicológico. Estamos sofrendo juntas", diz.
Ela relata que fez uma cirurgia no abdômen e, depois de quatro dias, suas suturas abriram. Ao procurar Rossini, diz que ouviu que ele só poderia atendê-la dali a 15 dias. Na data marcada, ele então viajou de Itabuna a Porto Seguro (BA), onde mora a paciente, para refazer os pontos. Na consulta, a autônoma relatou ao médico que estava sentindo muitas dores na perna esquerda, onde fizera uma lipoaspiração na coxa.
Rossini prescreveu um medicamento e disse que tudo ficaria bem, relata Lorena. Após três dias com dores e a ferida inflamada, ela diz que foi por conta própria a um hospital de Porto Seguro, onde acabou sendo internada por seis dias. "Quase perdi minha perna e quase perdi minha vida", diz ela, que gastou mais de R$ 30 mil nos procedimentos e decidiu judicializar o caso. "O tempo todo, [ele] fingia que nada estava acontecendo", afirma. "O que ele fez comigo foi desumano."
Segundo relatos, o médico atribui complicações pós-operatórias a descuidos das próprias pacientes. "Só queremos nossos direitos, e que ele não faça mais vítimas", diz uma delas.
Rossini fechou seu perfil no Instagram, com mais de 50 mil seguidores, após ser alvo de críticas. Em contas não oficiais, mulheres publicaram comentários dizendo "cuidado" — entre elas, há quem o chame de "açougueiro". No perfil fechado ficaram pacientes que o defendem e dizem que o cirurgião plástico é "um dos melhores".
Filho de um casal de dentistas da Bahia, Rossini se graduou no Centro Universitário Serra dos Órgãos, em Teresópolis (RJ), em 2010. Há cerca de oito anos, voltou a Itabuna e abriu a Clínica Visage, com investimento de R$ 230 mil. Em 2019, casou-se com Ana Carolina Carletto, filha do deputado federal Ronaldo Carletto (PP-BA), no Copacabana Palace, no Rio.
"Inventaram os supostos erros procedimentais", diz o advogado Erick Achy, que lidera a equipe jurídica de Rossini. Ele diz que as mulheres teriam pedido R$ 2 milhões para pararem de divulgar casos. "Tem criminosos por trás dessas pacientes, incentivando essa exposição midiática. Você está sendo só uma ferramenta de um plano de extorsão", escreveu o advogado, ao TAB.
Histórico
Após receber uma denúncia, em março, o MP-BA (Ministério Público da Bahia) iniciou uma investigação e solicitou perícia do Conselho Regional de Medicina e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Outras mulheres já haviam aberto ações contra Rossini por erro médico antes da atual onda de acusações. Há sete denúncias contra o médico sendo apuradas pelo Cremeb (Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia) e dez processos cíveis tramitando em diferentes cidades do estado — o cirurgião atende em Itabuna, Jequié, Vitória da Conquista, Porto Seguro e Salvador. O processo mais antigo, de 2018, teve resultado favorável a ele.
A ação partiu da autônoma Carine*, 31. De Jequié, ela vendia geladinho gourmet e conta que por anos juntou dinheiro para implantar silicone nos seios. "Um sonho que se tornou pesadelo", define.
Carine conta que a mama ficou flácida e caída com o silicone, e que precisou procurar o cirurgião para um reparo. Depois, acrescenta, os pontos abriram, e ela teve dores e febre. "Ele falou para não me preocupar", lembra. Como a ferida não fechou, ela voltou à clínica. "Chegando lá, ele realizou [a sutura] no cru — sem anestesia."
Na perícia feita durante o processo cível, a médica escolhida pelo tribunal destacou mais informações: presença de pontos na cicatriz da auréola, sobra de pele, mamas com afastamento central e aréola acima da linha média horizontal das mamas. O detalhe da aréola faz com que a autônoma não consiga nem usar biquíni sem mostrar os mamilos.
Cinco anos após o processo, o juiz do caso considerou que "a autora já possuía mamas caídas antes do procedimento, o que bastante foi minimizado com a cirurgia" e que não se pode exigir "um resultado que seja 100% perfeito em toda cirurgia estética". Ela está recorrendo.
Carine fez uma segunda cirurgia, de correção, com outro médico em 2022. Ela relata que descobriu que a prótese de silicone do lado direito estava "de cabeça para baixo" e o músculo do seio, necrosado. "Entrei 7h da manhã [no centro cirúrgico] e deveria sair 12h, mas só saí 17h."
Procurado pelo TAB, Rossini se manifestou em nota, na qual rejeita "qualquer insinuação de prática de cirurgia sem o uso adequado de anestésicos", considera as acusações "absolutamente falsas e inaceitáveis", e assinala que, devido à confidencialidade prevista no código de ética médica, não comentaria casos individuais. "Inexiste qualquer tipo de condenação judicial contra minha pessoa. Deixo claro minha plena confiança nas instâncias competentes para as investigações que se fizerem necessárias", destaca.
*Nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas
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