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Além de advogada que depôs na CPI, Prevent processa médicos e ex-paciente

Bruna Morato, advogada dos médicos que denunciaram a Prevent Senior, foi condenada a pagar R$ 300 mil antes da conclusão das investigações do MP - Fernando Moraes/UOL
Bruna Morato, advogada dos médicos que denunciaram a Prevent Senior, foi condenada a pagar R$ 300 mil antes da conclusão das investigações do MP Imagem: Fernando Moraes/UOL

Do TAB, no Rio

08/03/2023 10h36

A advogada Bruna Morato, recentemente condenada a pagar R$ 300 mil à Prevent Senior por danos morais, não foi o único alvo da operadora de saúde. Além dela, a empresa processou pelo menos outras quatro pessoas — uma delas, um ex-paciente.

As seis ações (duas delas movidas contra Bruna) somam R$ 1,2 milhão. Entre os processados estão os ex-médicos do convênio Walter Correa de Souza Neto, George Joppert Netto e Andressa Hernandes Joppert, que acusaram publicamente a Prevent de pressionar os profissionais a prescreverem medicamentos sem eficácia. As ações contra os médicos foram abertas entre abril e junho de 2022.

Também é alvo de processo Tadeu Frederico de Andrade, sobrevivente dos protocolos indicados pela Prevent que se transformaram em um dos maiores escândalos de saúde pública do país. Tadeu está sendo processado por "danos morais decorrentes das graves inverdades e ofensas que foram e vêm sendo reiteradamente desferidas" na CPI do Senado, na CPI da Câmara de SP e em entrevistas.

Na ação, na qual a operadora pede indenização de R$ 100 mil, Tadeu é tido como "parte de um grupo de determinadas pessoas que, aproveitando-se dos holofotes provenientes de apurações sobre o uso do tratamento precoce de combate ao coronavírus, tentou transformar esses fatos em teorias da conspiração descabidas e inverídicas para atacar".

Tadeu Frederico de Andrade, na CPI da Covid - Agência Senado - Agência Senado
Tadeu Frederico de Andrade foi levado a 'cuidados paliativos' por uma médica do convênio e diz ter sido salvo pela família
Imagem: Agência Senado

'Kit preventivo'

Andrade, à época com 64 anos, recebeu o kit covid depois de um teleatendimento — antes mesmo de realizar o teste de covid-19. A operadora enviou à casa do advogado um pacote lacrado contendo remédios ineficazes para a doença. A prescrição foi assinada por um médico diferente do que lhe havia atendido pelo aplicativo.

Cinco dias depois, com o agravamento dos sintomas, Andrade buscou atendimento em um pronto-socorro da rede e descobriu que estava com metade do pulmão tomado por uma pneumonia bacteriana. Ele passou quase um mês na UTI, até que a geriatra Daniella de Aguiar Moreira da Silva o encaminhou, sem autorização da família, ao departamento de cuidados paliativos (conjunto de práticas de assistência a pacientes incuráveis ou em estado terminal).

Na ação que move contra Tadeu, a Prevent afirma que a médica havia pedido consentimento da família antes. Com a discordância, e como "prova do respeito da Prevent Senior aos seus pacientes e, inclusive, à vontade de seus familiares", o tratamento não havia sido iniciado. A reportagem do TAB, contudo, teve acesso ao prontuário de Andrade. Um documento, assinado pela médica, recomendava interromper a diálise, sugeria a interrupção do uso dos antibióticos e indicava que os médicos não realizassem reanimação cardiorrespiratória — procedimento adotado para tentar salvar a vida dos pacientes em caso de parada cardíaca.

Graças à pressão dos filhos, os cuidados paliativos foram suspensos e ele conseguiu se recuperar. Quando viu as primeiras sessões da CPI da Covid pela TV, decidiu tornar sua história pública, como sobrevivente do que chamou de "uma política criminosa" e "trama macabra".

Prevent Senior - REUTERS - REUTERS
Durante a CPI, a advogada afirmou aos senadores que idosos estavam sendo tratados como 'cobaias'
Imagem: REUTERS

Inquéritos civil e criminal

Andrade também prestou depoimento ao MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo), que atualmente trabalha em duas linhas de investigação contra a operadora de saúde. A primeira é um inquérito civil que apura irregularidades. Ainda em 2021, a Prevent Senior assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para suspender a distribuição do kit covid. O MP, em seguida, propôs um novo TAC para firmar um acordo relacionado ao dano moral e social coletivos causados pelo uso do kit, mas a operadora se recusou a assiná-lo. Por isso, o órgão informou ao TAB que busca "subsídios que possam resultar numa indenização por dano moral coletivo", e que pode abrir uma ação civil pública contra a empresa.

A segunda linha de atuação acontece na esfera criminal, contra os médicos da rede. O MP investiga uma série de crimes que podem compor a denúncia, caso as apurações se confirmem: tentativa de homicídio, lesão corporal, falsidade ideológica, subnotificação de doenças etc.

Os promotores também apuram a relação entre as mortes ocorridas na Prevent Senior e um "estudo" feito no início de 2020 sem autorização do Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), que testava hidroxicloroquina e outras medicações ineficazes. O Ministério Público já ouviu mais de 50 pessoas e quebrou o sigilo de cerca de 200 prontuários médicos, submetidos à perícia do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo.

Nesta quarta-feira (8), os promotores vão se reunir pela primeira vez com depoentes para informar sobre os próximos passos da força-tarefa.

Prevent Senior - Rafael Neves/UOL - Rafael Neves/UOL
Caixão com logo da Prevent Senior em ato contra Bolsonaro em Brasília, em outubro de 2021
Imagem: Rafael Neves/UOL

'Liberação de leitos'

É no eixo da investigação criminal que denúncias como a de Tadeu de Andrade são analisadas. As provas e o relato do advogado e de sua família dão força à denúncia dos médicos de que a diretoria da Prevent pressionava pela "liberação" de leitos de UTI de pacientes custosos, segundo eles, "induzindo pacientes a cuidados paliativos".

"É o poste mijando no cachorro", resume Andrade, referindo-se à inversão de papéis. "Eu, como vítima, tenho direito de denunciar o que aconteceu comigo. Se não fosse minha família me salvando, era para eu estar morto agora."

Para a presidente da Avico (Associação de Vítimas da Covid), Paola Falceta, a Prevent Senior usa a Justiça para intimidar as famílias de vítimas. A Avico representa mais de 500 famílias.

Prevent Senior - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
'Ser condenada por denunciar um crime é um ataque à advocacia como um todo', diz Bruna Morato
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Justiça célere?

Como Bruna Morato representa judicialmente diversas famílias de vítimas da covid-19, as circunstâncias de sua condenação intimidam quem espera por justiça. "Além do valor da indenização ser muito fora do padrão, a rapidez com que a decisão foi tomada é assustadora", aponta a presidente da Avico.

A condenação de Morato foi publicada sete meses depois do início do processo (a Justiça recebeu a petição inicial em julho de 2022) —- período considerado curto. A Avico planeja iniciar uma vaquinha virtual para arrecadar os R$ 12 mil necessários para que Morato possa recorrer da decisão.

O desfecho do caso foi divulgado antes mesmo de o MP-SP finalizar a investigação contra a Prevent Senior. A ação foi movida com base nas entrevistas da advogada à Rede TVT, uma emissora de televisão concessionada em Mogi das Cruzes (SP).

Um outro processo de danos morais, também no valor de R$ 300 mil, foi movido com base em suas falas na CPI da Covid, mas ainda não há decisão.

Prevent Senior - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Ex-secretária do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, a 'Capitã Cloroquina', comemorou: 'A verdade vindo à tona'
Imagem: Reprodução/Twitter

Recados e senhas

A notícia da condenação de Bruna Morato alimentou grupos bolsonaristas que insistem no negacionismo científico. A ex-secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, conhecida como "Capitã Cloroquina", investigada na CPI da Covid, publicou uma imagem em seu Instagram dizendo que era "a verdade escondida na pandemia vindo à tona como enxurrada".

Na mesma semana, Mayra publicou a foto de um texto cujo título diz que a Prevent Senior está sendo "inocentada de tudo" — o que não é verdade. A Prevent também compartilhou a notícia em suas redes sociais, afirmando que a advogada repetiu "inverdades à exaustão" na CPI.

Para Morato, o posicionamento da operadora é um recado. "A empresa quer me destruir, desqualificar e humilhar publicamente. O que a Prevent Senior deixa como mensagem é que quem ousar denunciar vai ser processado", diz.

No texto de três páginas da condenação, o juiz Gustavo Coube de Carvalho cita um inquérito da Polícia Civil de abril de 2022, que não encontrou "nexo de causalidade entre tratamentos aplicados por médicos da autora [Prevent Senior] e mortes de pacientes por Covid-19". Essa investigação da Polícia Civil, no entanto, não levou em conta depoimentos de parentes de vítimas e sobreviventes como Tadeu de Andrade — e foi rejeitada pelo MP-SP, que decidiu prosseguir com investigação própria.

Além dos R$ 300 mil de indenização, o magistrado fixou os honorários advocatícios a serem pagos por ela em 13% do valor da causa. Na opinião de advogados consultados pelo TAB, trata-se de uma alfinetada simbólica, já que o uso de números quebrados é raro nas decisões judiciais — 13 é o número que representa o Partido dos Trabalhadores nas eleições.

'Choro todo dia'

Pessoas que denunciaram a má conduta da operadora durante a pandemia agora têm medo de comentar o assunto. Maria*, que perdeu o único filho em 2021, moveu uma ação contra a operadora de saúde. O jovem, que contraiu covid-19, fez uso do kit e morreu após uma sucessão de erros. Ela pede anonimato porque teme sofrer represálias — ou virar alvo de um processo milionário. "Meu advogado me orientou a nem mencionar mais o nome da empresa porque eles são poderosos."

Ela conta que, dois anos depois da morte do filho, ela e o marido, ambos idosos, começaram a fazer uso de calmantes e remédios para dormir. Desenvolveram uma série de problemas de saúde e, segundo ela, estão "cansados da vida". "Não teve um dia que eu não chorei nesses últimos dois anos", conta ela. "Para mim está sendo difícil ficar calada, mas não tem outro jeito".

Procurada pela reportagem, a Prevent Senior diz, em nota, que "confia no Poder Judiciário e, mais uma vez, refuta todas as acusações de que foi vítima, nenhuma delas comprovada". Afirmou ainda que colabora com todas as investigações técnicas realizadas por diversos órgãos fiscalizadores por acreditar que restabelecerão a verdade dos fatos.

*Nome trocado a pedido da entrevistada