Corrida maluca das compras: o disputado fretado que leva a outlet de SP
Fabiana Nascimento, 34, estava aflita na calçada de uma rua paralela à avenida Paulista, em São Paulo. Aguardava duas companheiras que fariam com ela a viagem até São Roque (SP). Um ônibus fretado gratuito levaria cerca de 40 pessoas cadastradas ao Catarina Fashion Outlet, shopping a céu aberto a 70 km da capital. O lugar é famoso por reunir várias grifes e pelas promoções — ali, etiquetas atraentes nas vitrines anunciam peças com até 70% de desconto.
Antes que terminasse a tolerância do atraso, as companheiras de Fabiana chegaram: a terapeuta Cecília Oliveira, 67, mãe de Fabiana, e a gestora financeira Leila Oliveira, 41, sua cunhada. O ritual é velho conhecido do trio: desde que descobriram o serviço, no site do shopping, elas aproveitam para economizar nas compras "várias vezes ao ano".
Animadas, elas contam as lojas que planejam visitar. Profissionais desse tipo de passeio, já fazem lista com itens que devem provar. Mas se empolgam mesmo quando falam do almoço no restaurante Gero, um dos mais disputados dali.
"Não precisa comprar. A gente vem para passear, mesmo. Outros outlets como esse não têm a facilidade do transfer. Aí acabamos vindo sempre para cá", afirma Leila, que confessa estar numa fase de "detox" consumista. "Espero não estar com nenhuma sacola no fim do passeio, pelo bem do meu cartão de crédito", ri.
No ônibus, alguém diz ao telefone que não pode aceitar o convite para o almoço porque está indo para o interior acompanhar uma amiga que precisa levar alguns pratos para a Bahia. "Vamos naquela Tânia Bulhões, sabe?", ela diz. A loja tem itens para casa, como taças (R$ 99 a unidade) e pratos de porcelana estampados (a partir de R$ 44 cada).
Com corredores abertos, o shopping tem seu charme. A cada esquina, é possível ver montes cobertos de verde das matas da região. Em São Paulo, às 9h30, quando o ônibus partiu, a temperatura era de 13°C. Ali, às 11h, quando os clientes desembarcaram, foram tirando os casacos. Fazia 25°C e não havia uma nuvem no céu azul de outono.
Há grifes caras como Carolina Herrera, Gucci e Burberry entre outras marcas mais modestas, como a Pernambucanas. As promoções parecem atraentes para quem tem vários dígitos na conta bancária: na Armani Exchange, uma calça de moletom anunciada por R$ 1.100 sai por R$ 440. Na Ermenegildo Zegna, casacos de R$ 7.200 ficam por R$ 3.600 — metade do preço. Na Dolce e Gabbana, um vestido de R$ 37 mil chama atenção com seus girassóis estampados. Na promoção, sai por R$ 22 mil. Uma pechincha. Clientes saem da loja empunhando mais de cinco sacolas em cada mão.
A clientela bem vestida exibe saltos altos, microsshorts, camisas bem passadas e muitas sacolas. Vários cachorros circulam pelo local com suas coleiras acompanhando os donos. A grande maioria chega de carro e lota o amplo estacionamento em obras — outdoors anunciam que em breve o outlet dobrará de tamanho.
Fila para o almoço
Às 14h, mais de 20 pessoas estão na fila do restaurante de carnes Pobre Juan esperando por uma mesa livre. No Gero, a cena se repete. Ali, uma massa ou sanduíche sai por cerca de R$ 70. Almoçar cansa e os bancos que ficam no meio dos corredores ficam lotados depois da refeição. Há cães de raça deitados, crianças descansando e famílias esperando alguém desenrolar uma compra.
Perto do meio-dia, o projetista mecânico Lucas da Silva, 27, e o engenheiro mecânico Rafael Santos, 29, já estavam comendo a sobremesa, uma casquinha de sorvete de um famoso fast food, confortavelmente sentados na praça de alimentação.
Lucas descobriu o transfer em um vídeo no YouTube há quatro anos e fez o passeio. "Daquela vez me endividei", ele conta. Mais conservador, Rafael afirma que está ali para investigar se seu bolso acompanha os preços das lojas. Mas confessa que já viu alguns itens interessantes na Puma. "O bagageiro tem que ser grande para acomodar as sacolas de todo mundo", ele diz.
Lojas esportivas são a sensação ali. As filas nos caixas, à tarde, passam de 50 pessoas. É possível comprar tênis com bom preço, garantem a analista de RH Camila Cazarin, 27, e o analista de TI Cauê Cazarin, 28. Na volta para o ônibus, eles seguram a sacola de compras fazendo contas. Gasolina, pedágio e estacionamento sairiam por mais de R$ 100, economizados com o transfer. Além disso, o tênis que compraram por R$ 250 custava mais de R$ 300 nas lojas da capital.
Os irmãos cariocas Mariana Pinheiro, 31, e Pedro Mariano, 22, estão animados com as compras. Mariana é servidora pública e acaba de se mudar para São Paulo. No passeio, não pretendia comprar nada, mas achou que cosméticos e óculos tinham preço muito bom e valiam a pena.
O motorista Elias José Gomes espera os clientes do Catarina sentado em uma sombra do ônibus. Afirma que faz a viagem todo sábado e domingo e às vezes são necessários dois ônibus fretados, tamanha a procura. A viagem de volta está marcada para as 16h, mas ele tem autorização para esperar até 16h15 antes de partir e deixar o consumidor mais atrasado para trás: "É preciso ter respeito com os outros passageiros", ele diz.
Mais gente volta ao fretado com sacolas. Ali embaixo, aproveitando os últimos momentos de sol, estão Leila, Cecília e Fabiana. "Acabei comprando umas coisinhas", Leila diz, escondendo as sacolas atrás de si. "O problema é que o passeio é muito curto, não dá tempo de nada", ela afirma às 16h10.
As pernas exaustas da repórter dizem o contrário. Checo o aplicativo do celular que calcula a caminhada — foram 9,6 km andando dentro do Catarina, das 11h às 16h. Compro uma água para a viagem de volta e aviso ao motorista, que responde que uma água seria uma ótima ideia. Prometo trazer uma para ele e me surpreendo com o valor da conta: duas águas minerais comuns saem por R$ 18.
Na volta, é possível ver um belo pôr do sol de outono pela janela. Ou o filme "Cidade dos Anjos", que passa no monitor na parte da frente do veículo. Mas só metade do longa, já que a viagem demora apenas 1h20. O resto terá que ser pelo streaming pago — nem tudo sai de graça nessa vida.
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