Viaduto 'Prof. Olavo'? PL opõe olavistas e ativistas de direitos humanos
Na fria manhã de segunda-feira, 15 de maio, a professora aposentada de história Heloísa Greco, 71, tomou um susto. Um amigo que trabalha na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte telefonou para dar uma informação que logo tornou-se notícia nos jornais da cidade: a Comissão de Legislação e Justiça tinha sob sua análise um projeto de lei para mudar o nome do elevado Helena Greco, mãe de Heloísa e ícone do combate à ditadura militar instaurada no Brasil em 1964.
Não só: a vereadora Flávia Borja (PP), autora do PL, também propôs que o viaduto passe a ser chamado "Professor Olavo de Carvalho", prestando honras a um "gigante pensador". "Olavo foi um grande referencial para o pensamento político brasileiro, descrevendo com maestria conceitos filosóficos complexos e tendo também escrito uma série de livros, inclusive best-sellers", justificou, no projeto.
Se aprovado, o PL não será a primeira homenagem dos vereadores belo-horizontinos a Olavo. Em 10 de abril, uma sessão solene foi dedicada à memória do principal ideólogo do bolsonarismo. A ideia partiu de Uner Augusto (PRTB), que herdou a vaga de Nikolas Ferreira (PL), que partiu para Brasília para assumir o cargo de deputado federal no início do ano. A passagem de Uner pela Câmara, porém, foi rapidíssima: uma semana depois da homenagem, ele teve o mandato cassado devido a fraudes nas cotas de gênero constatadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
A família Greco ficou indignada. No Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, no pacato bairro de Santa Tereza, Heloísa contatou vereadores alinhados à esquerda, consultando-os sobre a possibilidade de aprovação do PL. Neta de Helena, a ilustradora Júlia Greco, 29, levou a discussão ao Twitter. "Essa vereadora vai ter que passar por cima da minha família, que é pequena mas não é bagunça", postou.
De Castelo Branco a Helena Greco
Dona Helena, como era conhecida, dedicou décadas a defender os direitos humanos. Nascida em 1916, engajou-se na militância aos 61 anos, quando um congresso de estudantes foi violentamente reprimido em BH.
O ano era 1977, e a pressão sobre a ditadura só aumentava: casos de tortura e assassinatos praticados por militares vinham à tona, um após o outro. Helena tomou parte na manifestação em repúdio à violência contra os estudantes, e a partir daí não parou mais. Tornou-se figura fácil na porta das delegacias, aonde ia acompanhar os presos políticos, denunciando abusos do Estado e causando dores de cabeça aos poderosos — e reações brutais de seus apoiadores.
A casa de dona Helena ficava na região central de BH, próxima ao então elevado Castelo Branco, nomeado em 1971 em homenagem ao ditador que tomou o poder em 1964. Há poucos minutos dali, na Igreja São Francisco de Assis, passou a funcionar o Movimento Feminino pela Anistia e o Comitê Brasileiro de Anistia de Minas Gerais, fundados e presididos por Greco.
Ponto de apoio aos perseguidos pela ditadura, a casa teve o telefone grampeado, a correspondência violada, e foi destinatária de panfletos ameaçadores. Certa noite, em 1978, o Grupo Anticomunista, célula terrorista de extrema direita da época, tentou levar as ameaças a cabo, arremessando uma bomba no alpendre da casa. Por sorte, a explosão não feriu ninguém.
Nada que tenha intimidado Helena, que seguiu organizando protestos que reuniam familiares de exilados e de presos pela ditadura. Autodeclarada "feminista radical", foi também uma das responsáveis pela retomada das manifestações de 8 de março, Dia Internacional da Mulher, na capital mineira, ainda na década de 1970.
Na abertura política, Greco ajudou a fundador o PT em BH, e em 1982 elegeu-se vereadora, cargo que exerceu até 1992. Fez aprovar a instalação de uma Comissão Permanente de Direitos Humanos na Câmara e coordenou o Movimento Tortura Nunca Mais, que em 1991 denunciou 12 médicos mineiros que fraudaram laudos de torturados pelo regime.
Também engajou-se numa lei para trocar o nome de uma rua. Existia, em BH, a rua Dan Mitrione, homenagem a um agende da CIA que se mudou dos EUA para a capital mineira a fim de ministrar cursos aos militares. Sua especialidade era uma prática de tortura que não deixava marcas no corpo, dificultando denúncias das vítimas. Na legislatura de Greco, o nome da rua mudou para José Carlos da Matta, estudante de direito e militante estudantil assassinado em 1973 durante sessões de tortura conduzidas por militares.
Dona Helena faleceu aos 95 anos, em 2011. Em 2014, quando o golpe de 64 completou 50 anos, o viaduto Castelo Branco foi rebatizado, recebendo o nome da matriarca dos Greco. É esse elevado que pode se tornar Professor Olavo de Carvalho.
#SomosTodosNikolas
Personificado pelo ex-vereador e hoje deputado federal Nikolas Ferreira, a ascensão eleitoral do bolsonarismo deixou pupilos na Câmara de BH. Entre os que se esforçam para ocupar o terreno deixado pelo jovem político está Flávia Borja, 51, que cumpre sua primeira legislatura, mas com números bem mais modestos: em 2020, ela recebeu 5.887 votos, enquanto Nikolas contabilizou 29 mil adesões.
Flávia e seus colegas conservadores têm buscado replicar a fórmula de Nikolas, investindo contra o que chamam de "ideologia de gênero", o feminismo e os direitos humanos, e abraçando demandas bolsonaristas. Em 24 de abril, os vereadores aprovaram uma lei que proíbe a utilização da "linguagem neutra" em escolas da cidade.
"Minhas pautas são um reflexo do meu estilo de vida e da minha criação", ela contou ao TAB, em dezembro de 2022.
Formada na escola "Cristo para as Nações", em Dallas, Texas (EUA), a vereadora é pastora na Igreja Batista da Lagoinha, reduto da direita em BH que, em 2022, recebeu Jair e Michelle Bolsonaro em seu púlpito, orando pela reeleição do ex-presidente. Foi lá que Flávia conheceu a senadora Damares Alves (Republicanos), a quem periodicamente recorre para aconselhamentos.
Flávia entrou na política por intermédio do marido, o também pastor Fernando Borja, que até 2022 exerceu o cargo de deputado federal pelo Avante. "Tanto eu como o meu esposo somos de famílias cristãs tradicionais em BH. Estamos juntos na política, que é um projeto de família", contou.
Buscando dar continuidade ao projeto familiar, em 2022 Flávia candidatou-se a deputada estadual, enquanto Fernando tentou renovar o seu mandato na Câmara federal. O casal foi derrotado, e Fernando não digeriu bem a escolha dos eleitores. Em suas redes, compartilhou notícias falsas alegando que o processo "não foi justo, e todos já sabem". Incentivou ainda um golpe: "Agora é só as Forças Armadas pra arrancar esses canalhas do Supremo", postou em 8 de novembro, convocando seus seguidores às vigílias nas portas dos quartéis.
Já Flávia retornou à vereança, e em fevereiro deste ano uma proposta de sua lavra conseguiu aprovação do plenário: o reajuste de 10,5% nos salários da Câmara Municipal de BH. Fonoaudióloga por formação, ela pretende seguir na política para suprir o que considera uma carência no cenário nacional. "Percebi a necessidade de mais mulheres no meu perfil: conservadoras, de direita, mulheres de família, que lutem pelos valores que eu acredito", resumiu.
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