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Fiéis LGBTQIA+ resistem a André Valadão à frente da Lagoinha: 'Radical'

Juliana Sayuri e Leandro Aguiar

Do TAB, em São Paulo e Belo Horizonte

01/04/2023 04h01

Escolhido por Márcio Valadão para sucedê-lo na matriz da Igreja Batista da Lagoinha em Belo Horizonte, o pastor Flaviano Marques iniciou o culto de domingo (26) como de costume, enérgico e vibrante, num tom doce como o do patriarca do clã Valadão, mas antenado à linguagem jovem da internet: "Obrigado, Deus, por sermos uma igreja dinâmica! Essa manhã é sobre o Senhor".

Milhares de fiéis ocupavam a matriz, convidados a cantar com a banda Lagoinha One os louvores com letras projetadas nos telões. Depois das boas-vindas, Flavinho, como é conhecido, propôs uma autocrítica a todos. Lamentou a "espiritualidade estética" e a "teologia coach" que muitos estariam confundindo com a fé genuína.

"Você é narcisista? Sai desse lugar, ele te faz mal!", disse. "Você quer like? Com US$ 15, você compra mil likes", disse. E, com a voz embargada, profetizou: "Acredito num tempo de resgate da igreja, num tempo de quebra da idolatria no meio cristão".

À frente da matriz desde dezembro de 2022, Flavinho representa, na visão de fiéis ouvidos pelo TAB, um contraponto a André Valadão, que, instalado em Orlando, na Flórida (EUA), sucedeu o pai na liderança da Lagoinha Global.

Flavinho tem 119 mil seguidores no Instagram, número modesto se comparado aos 5,5 milhões de André. Mais moderado na internet, suas postagens versam quase que exclusivamente sobre pregações e sua família, sem menções a políticos ou ideologias — antes da guinada bolsonarista, a Lagoinha já recebeu personalidades da esquerda e da direita, como os atuais parlamentares André Janones (Avante-MG), em Belo Horizonte, e Nikolas Ferreira (PL-MG), em Orlando.

Igreja Batista da Lagoinha em Belo Horizonte - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Pastor Flavinho Marques, na Igreja Batista da Lagoinha em Belo Horizonte
Imagem: Reprodução/Facebook

'Do rico ao hippie'

Antes de assumir a matriz, Flavinho liderava a Lagoinha Savassi, conhecida por abrigar "todas as tribos". "Todo mundo era muito bem-vindo, inclusive os LGBTs", diz uma fonte. "A igreja aceitava do rico ao hippie."

Foi nessa unidade, instalada numa antiga casa noturna no badalado bairro da Savassi, que surgiu no fim de 2014 o Movimento Cores, que se propõe a levar "Jesus aos LGBTQIA+" e ensinar lideranças a lidar de maneira mais humanizada com esse público, sem discursos discriminatórios como os já vocalizados por André e a irmã Ana Paula Valadão.

Perguntado no Instagram sobre o que pensa de uma igreja inclusiva, André não hesitou: "Se está querendo incluir aquilo que a Bíblia considera pecado, é tudo menos igreja. Né crente, não".

Movimento Cores na Lagoinha Savassi, em Belo Horizonte, em 2017 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Encontro do Movimento Cores na Lagoinha Savassi, em Belo Horizonte, em 2017
Imagem: Reprodução/Instagram

Nem todo mundo pensa assim na Lagoinha. "A igreja simbolizar exclusão é grave, assim estamos dizendo que Deus exclui", disse a pastora Priscila Coelho no podcast PodCrer, vinculado à Lagoinha, em junho de 2021. "Jesus ama os LGBTs. Deus fez uma aliança com todos os seres humanos, ele não excluiu ninguém. É muito feio o que alguns fazem com o Evangelho", acrescentou ela, que coordena o Cores. Procurada pelo TAB, ela preferiu não dar entrevista.

Nos últimos anos, com as bênçãos de Márcio e Flavinho, Priscila tem viajado o Brasil instruindo pastores. No Instagram, o movimento postou no dia 23 de janeiro uma foto do último encontro, despedindo-se da Lagoinha Savassi: o Cores migrou para um prédio no centro de Belo Horizonte, levando consigo fiéis LGBTs e outros que discordam das posições de André.

"A agressividade e a intolerância do André não abalam a minha fé", diz um fiel, homossexual assumido. "E existe muita gente na Lagoinha que pensa como eu — hoje, não diria que somos minoria mais."

O pastor André Valadão, em Orlando (EUA) - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Pastor André Valadão, na Igreja Batista da Lagoinha, em Orlando (EUA)
Imagem: Reprodução/Facebook

'Desbravadores'

Após Flavinho mudar para a matriz, a Savassi mudou de tom, relata outro. "Foi literalmente da esquerda para a direita; deixou de ser um lugar 'de todas as tribos' e virou uma igreja de direita, radical."

Para fiéis mais progressistas, as palavras de Flavinho são um bálsamo. Às vezes, suas pregações são interpretadas, por alguns, como um recado sutil a outros líderes. "Uma palavra dita, irmão, ela pode ferir alguém, ela pode destruir você", afirmou na homilia de 21 de outubro. "Muitos de nós só identificamos, criticamos, apontamos, mas não somos respostas. Um tuíte, uma postagem, uma fala vazia não vai mudar o Brasil", disse, num culto de 26 de janeiro.

Há mais de dez anos na Lagoinha, o jovem pastor foi conquistando protagonismo em Belo Horizonte, principalmente na pandemia, quando os filhos de Márcio ficaram sem poder viajar: André e Ana Paula residem nos Estados Unidos; a caçula do clã, Mariana, e o marido Felippe Valadão, em Niterói (RJ).

Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Pastores André Valadão (à esq.), Márcio Valadão e Flavinho Marques
Imagem: Reprodução/YouTube

"Flavinho é um cara incrível, mais tranquilo, mais neutro, que trata todo mundo bem e não fala de política", conta um ex-fiel. Nos bastidores, diz-se que era esperado que Flavinho assumisse integralmente a posição de Márcio, não André. Entre fiéis, teve até quem brincou: "Eita, lasqueira, o cabaré vai pegar fogo".

No culto de 11 de dezembro, quando anunciou sua saída, Márcio citou nominalmente apenas Flavinho. "Deus, que esse cajado nas mãos do pastor Flavinho, preserva-o ó pai a vida", afirmou. "Senhor, que meus filhos caminhem cada dia te amando e te servindo mais e mais..."

Sete dias depois, Márcio de fato passou o cajado, de mãos dadas com Flavinho. No culto foi projetado um vídeo louvando o legado de Márcio e, no fim, com fotos de Flavinho e André, projetou-se a legenda: "Desbravadores". Dirigindo-se ao filho, disse: "Pastor André coordena a Lagoinha Global, que já está 'enroçada'. Tá aí cumprindo o papel".

*Procurados pelo TAB via assessoria de imprensa, André Valadão e Flaviano Marques não retornaram os pedidos de entrevista.