Moradores de Carapicuíba temem perder trecho de mata atlântica por obra
Três guaritas separam a última rua realmente pública de Carapicuíba (SP) da casa da aposentada Sueli Silva*, moradora de um dos condomínios do complexo Fazendinha. Instalada nos arredores há mais de duas décadas, ela sabe o privilégio que é ter como quintal um raro trecho de mata atlântica: cerca de 800 mil m², a única área verde dessa dimensão na cidade na região metropolitana de São Paulo.
"As estradas eram de terra, só chegava-se com 4x4, uma coisa que mudou demais com o avanço da cidade. Ainda assim, a vista da mata e o som do riacho que passa abaixo foram mantidos: vemos frequentemente animais como veado, quati ou jaguatirica, que não há em nenhuma outra parte", diz.
A cidade de Carapicuíba é dominada por moradias pequenas de baixa renda. Segundo dados do IBGE, mais de 405 mil habitantes se espremem em pouco mais de 34 km², 95% deles urbanizados. O sul do município, arborizado, destoa dessa realidade.
Lá, vivem Sueli e cerca de 12 mil moradores na Fazendinha e no complexo vizinho, São Paulo II, já em Cotia. É onde um grupo tenta impedir a construção de um novo condomínio, o que implicaria na derrubada de 62 mil m² desse último pedaço de mata atlântica.
O Portal da Fazendinha, na verdade, é um projeto antigo, de 1979 — como a construção ficou parada por décadas, a vegetação voltou a dominar as ruas. No início de 2023, o grupo Phiren comprou a área e pretende retomar o condomínio. "Esse loteamento foi aprovado, registrado em cartório, e os antigos donos abriram as ruas", diz o sócio da Phiren, José Eduardo Mattos. "Nenhuma vegetação foi suprimida."
Espera-se que cerca de 70% da floresta existente deve ser preservada, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) informou ao TAB — é a companhia que vai analisar o projeto, mas não há prazo definido para a decisão.
Se ficar nos 70%, o engenheiro aposentado Lúcio Nicolosi, 74, está feliz. Ele se mudou da capital paulista para Carapicuíba há sete anos, para um dos condomínios que cercam a Nova Fazendinha, atraído principalmente pela vegetação exuberante a poucos metros de seu jardim.
Enquanto caminha por uma das três ruas abertas há mais de 40 anos no terreno, Nicolosi conta que recentemente a via foi capinada. "Só de terem feito essa limpeza, que não sabemos de fato quem realizou, os animais maiores já se espantaram. Se a compensação ambiental desse empreendimento não for feita aqui, esses bichos não voltam nunca mais", diz, assinalando o rastro de um veado.
Vertentes
Construir um novo condomínio na área pode ter outras complicações, diz o biólogo Cesar Pegoraro, da ONG SOS Mata Atlântica, se tiver fracionamento de lotes, levando mais gente para morar em uma área menor.
"É uma região superfrágil. Quando foi projetado, tinha loteamentos grandes, de 700 m², muitas vezes maiores. Mas, nos últimos anos, o que vemos são terrenos menores, de 125 m². Para um adensamento dessa natureza, o sistema de fossas é quase sempre suficiente", diz. "Ou seja, vai ser muita gente morando ali sem coleta ou tratamento de esgoto. O que acontece é que vai se produzir um volume de rejeito que a natureza não vai dar conta."
"Todo fragmento é importante, independentemente da dimensão", diz Pegoraro, dada a condição da floresta atualmente — entre 2021 e 2022, cerca de 20 mil hectares de mata foram desflorestados no Brasil, de acordo com o 19º Atlas publicado pela SOS Mata Atlântica, nesta quinta-feira (25). Segundo o biólogo, a área verde de Carapicuíba é relevante para preservar biodiversidade, fauna migratória, melhoria do microclima e para garantir o acesso à água na região metropolitana de São Paulo.
O complexo da Fazendinha abriga quatro nascentes que deságuam no córrego Moinho Velho, abastecendo o Alto Cotia, um dos sistemas destinados à captação e tratamento de água para São Paulo. "Na última vez que fomos lá, observamos que a água está turva, com pH ácido, represada em muitos pontos e com espuma num trecho de corredeira, tudo indicando contaminação do córrego", conta Marcelo Costa, da ONG Ressavanar.
Sueli Silva* também já viu de perto a condição da água, mas não devido a construções: ela conta ter testemunhado vizinhos desrespeitando a área obrigatória de preservação dos rios e construindo até canis às margens do córrego. "Independentemente de um novo condomínio, já temos por aqui gente que contribui para poluir o córrego", relata. "É complicado apontar o dedo."
Presidente da Associação dos Amigos da Reserva do Moinho, principal resistência à reabertura do projeto Fazendinha, Claudio Keramidas torce para que a área não entre para as estatísticas de desmatamento da SOS Mata Atlântica.
"Nossa luta é tentar segurar um pedaço de mato ali que é a casa desses bichos. Se você acabar com isso, você acaba com o restinho de granja, que é este estilo de vida com família e amigos reunidos, cachorros soltos no quintal e verde por todo lado", diz, sem esconder o saudosismo por um tempo em que tudo aquilo era mato — inclusive a área para onde ele se mudou há 20 anos.
*Nome fictício
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