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Não é só por R$ 4.000: as jornadas de junho de 2023 dos fãs de Taylor Swift

A cantora e compositora Taylor Swift - John Shearer/TAS23/Getty Images for TAS Rights Mana
A cantora e compositora Taylor Swift
Imagem: John Shearer/TAS23/Getty Images for TAS Rights Mana

Do TAB, no Rio

18/06/2023 04h00

Na manhã do último domingo (11), o estudante de biofísica Matheus Caldas, 21, chegou ao Estádio Nilton Santos, na zona norte do Rio, para comprar ingressos para o show da cantora pop Taylor Swift. Ele e a amiga da faculdade acamparam juntos em frente à bilheteria até o dia seguinte, quando foram abertas as vendas para o público geral. "Nunca fiz isso antes, mas, como a Taylor tem muita demanda, preferi não arriscar", diz.

A experiência de pernoitar na rua, embaixo de cangas e cobertores amarrados, foi uma prova de fogo. Matheus e a amiga tiveram que suportar o calor do dia e o frio da noite usando cobertores para improvisar uma tenda. Os termômetros na capital fluminense marcaram excepcionais 14°C durante as madrugadas daquele fim de semana. A dupla mal conseguiu dormir porque as pessoas que iam ao banheiro tinham de atravessar a fila por dentro da grade e acabavam pisoteando e atropelando umas às outras.

Mesmo sendo o número 120 da fila, Matheus não conseguiu o ingresso no setor que queria (meia-entrada de premium, R$ 475). Todos os ingressos de meia-entrada já haviam esgotado em duas horas de venda, e o estudante teve que se contentar com a cadeira superior, mais barata (R$ 480, preço cheio) e mais distante do palco. Para piorar, a amiga que o acompanhava ficou sem ingresso nenhum porque não tinha dinheiro suficiente para comprar a inteira dos setores restantes — entre R$ 750 e R$ 950.

"Ela ficou desesperada e começou a chorar no guichê, não sabia o que fazer", conta Matheus, que tentou consolá-la junto a outros fãs. "Mesmo com meu ingresso comprado, fiquei triste por ela, porque queríamos ir juntos. Não me sinto realizado, foi bem péssimo", desabafa ele.

Quando os ingressos esgotaram, o choro foi generalizado na fila de cerca de 450 pessoas. Os menores de idade eram acalmados pelos pais. Alguns empurraram as grades e abandonaram a fila, revoltados.

A cena de expectativa, ansiedade e revolta se repetiu em São Paulo.

Matheus vai tentar comprar outro ingresso da pista premium para a nova data anunciada no Rio, cuja venda começa em 22 de junho. Dessa vez, os amigos vão atacar por todos os lados. Ele vai entrar pela internet; ela vai com a avó para a fila preferencial da bilheteria. Quem conseguir primeiro, compra para os dois. "É minha esperança de conseguir", diz.

Na avaliação dos "swifties" (como são chamados os fãs de Taylor), a falta de meia-entrada aconteceu por causa da atividade de cambistas, que chegaram na tarde de domingo (11) e conseguiram pulseiras com pessoas que os aguardavam no início da fila. Matheus relata que alguns desses supostos cambistas saíam da bilheteria com maços de ingressos.

Assim que chegaram, teve início um bate-boca geral que por pouco não acabou em agressão na calçada do Engenhão. "Uma delas deu o dedo do meio para a gente e ameaçou bater em uma menina", relata Matheus.

Segundo ele, foi fácil identificar os cambistas porque "era um pessoal muito nada a ver". "Eram pessoas mais velhas, que não curtem esse tipo de música", explica. Uma das fãs inclusive pediu para um dos homens citar o nome de uma música da Taylor Swift para provar que não era cambista. Na hora, ele não conseguiu pensar em um hit.

O estudante Matheus Caldas com a amiga na noite de acampamento no Engenhão, no Rio - Acervo pessoal - Acervo pessoal
O estudante Matheus Caldas com a amiga na noite de acampamento no Engenhão, no Rio
Imagem: Acervo pessoal

"Um deles admitiu que o chefe deu a pulseira para que eles entrassem na fila. Os cambistas conseguiram os ingresso, e os fãs que passaram perrengue, não", diz Matheus, que ligou para a polícia, para a guarda civil e para o Procon. "A polícia falou que não poderia resolver. O Procon só registrou a reclamação. Ficou por isso mesmo. Agora os cambistas estão vendendo ingressos por até R$ 4.000", conta.

Nesta semana, o Procon-RJ enviou uma notificação à empresa T4F, responsável pelos shows de Taylor Swift no Brasil, e ao site de revenda de ingressos Viagogo, pedindo explicações. O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) instaurou um inquérito na quinta-feira (15) para apurar eventuais práticas abusivas da T4F.

Pop de alta demanda

O fenômeno Taylor Swift tem sido construído há quase vinte anos, mas despertou curiosidade dos pais dos fãs adolescentes (e de quem há muito não navega no mundo pop) após a saga pelos ingressos.

Fora do Brasil, a epopeia dos "swifties" teve uma primeira temporada, na estreia do show "The Eras Tour", ainda em 2022. A Ticketmaster, empresa responsável pela comercialização dos ingressos, cancelou as vendas após diversas pré-vendas darem errado. "A empresa citou 'demandas extraordinariamente altas em sistemas de emissão de bilhetes e estoque insuficiente para atender a essa demanda'", diz trecho de reportagem do jornal norte-americano The New York Times.

Não era para menos. Hoje, Taylor é a cantora mais popular do planeta - e a mais ouvida no Spotify, perdendo apenas para The Weeknd. É a personificação da "American's Sweetheart" (a queridinha da América). Além da beleza e a voz, adornadas como um super produto pop, suas letras-confessionário a fizeram cair na graça dos críticos, que veem nela uma das melhores compositoras americanas da atualidade.

A cantora ainda construiu, em quase duas décadas de carreira, um crossover de gêneros. Após ganhar a pecha de "princesa do country", ela foi de uma artista pop a uma refinada compositora de folk, e conquistou uma fanbase diversa, que também inclui adultos.

A turnê que tem causado tumulto abraça todas essas fases, devidamente lembradas com os hits e figurinos que ela usava em cada época. São mais de três horas de duração — e os efeitos disso na plateia jovem têm rendido reportagens lá fora. Muitos relatam terem sofrido de "amnésia pós-show", devido ao tempo da apresentação e, claro, ao alto grau de emoção.

Filas também na Florida: Fãs "acampam" durante a noite em Tampa para o show - Zack Wittman/The New York Times - Zack Wittman/The New York Times
Filas também na Florida: Fãs "acampam" durante a noite em Tampa para o show
Imagem: Zack Wittman/The New York Times

O "The Eras Tour" marca o retorno da cantora aos palcos. Em 2020, ela cancelou todos os shows que faria — inclusive duas apresentações que faria em São Paulo — por causa da pandemia. Os ingressos por aqui também foram disputados em esquema de guerra, mas sem grandes feridos. Levou 12 horas para esgotar, e quem madrugou em barraca não saiu de mãos abanando como dessa vez.

Se a alta demanda é realidade mundo afora, os brasileiros contam com um desafio extra, reconhecido por seguranças e bilheteiros. "A gente não pode tirar ninguém da fila alegando que é cambista. Como a gente vai saber? Se a pessoa está no local, tem direito", argumenta um dos seguranças do estádio Nilton Santos, no Rio, que falou anonimamente ao TAB. "Mas eles falam que a gente destruiu o sonho deles."

Um dia depois da venda de ingressos, quando as grades já estavam vazias, integrantes da equipe de segurança do estádio narravam os perrengues: além de fazer plantão na madrugada, precisam garantir a limpeza do local, impedir a depredação do espaço e ainda lidar com a fúria dos fãs.

Segundo um dos seguranças, a fila para o show da Taylor Swift foi a que mais deu dor de cabeça, bem diferente da tranquilidade do público que acampou para comprar ingresso para ver Roger Waters.

Lorena Cabral, 20, conseguiu realizar seu sonho de ter um ingresso depois de passar dois dias sem trocar de roupa na fila da bilheteria. Ela foi com a prima, que chegou na noite de sábado (10) ao Engenhão. "Não dava para usar o banheiro porque estava um nojo, o chão era duro demais para dormir e de madrugada algumas pessoas pisavam na gente, até no nosso rosto. Mas valeu a pena no final", disse ela, que conseguiu uma entrada para a cadeira superior.

Fãs de Taylor Swift formam fila para comprar ingressos no Allianz Park, em São Paulo, no último dia 12 - Danilo Verpa/Folhapress - Danilo Verpa/Folhapress
Fãs de Taylor Swift formam fila para comprar ingressos no Allianz Park, em São Paulo, no último dia 12
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Fala que eu te escuto

Taylor Swift não vem ao Brasil desde 2012, quando fez um show para uma plateia selecionada. Para os fãs, a turnê de novembro é uma oportunidade única - e a chance de retribuir a "lealdade" que Taylor tem com sua "fanbase". "Ela se esforça muito para a gente", justifica Lorena, citando o contato frequente de Taylor com os fã-clubes, seja organizando sessões para apresentar o álbum ou interagindo nas redes sociais.

Esse contato, certamente, é o segredo do sucesso. No Brasil, a febre bateu com força no disco "Red" (2012), que marcou a guinada da cantora no pop.

O sentimento mais pueril que fez a cantora estourar nos Estados Unidos deu lugar a letras mais maduras e reflexivas. São versos profundos sobre decepção, raiva e mágoa - numa pegada diferente dos hits radiofônicos convencionais. Os fãs são quase unânimes ao explicar o apelo da cantora: ela cria um ambiente de relação próxima e confessional com quem a ouve.

Seja em clipes, entrevistas ou no material de divulgação, a cantora alimenta uma verdadeira caça ao tesouro, fazendo com que os fãs brinquem de ligar os pontos para descobrir que tal letra é para um ex, ou que alguma reflexão tenha relação com uma fase específica na carreira.

No fim, o que é exposto em cada canção (como em "Mastermind", em que ela confessa ser uma "mestra da manipulação": "E agora você é meu / Foi tudo calculado / Porque eu sou uma mestra da manipulação") são sentimentos bastante comuns, apesar de não ser nada agradável reconhecê-los.

"Parece que cada letra de música dela é baseada na nossa experiência. As músicas têm um significado para ela e para nós também", diz Lorena, a fã carioca que acampou com a prima. Ela dá como exemplo o hit "Anti-Hero", especialmente os versos do refrão ("Oi, sou eu / Eu sou o problema"). "A Taylor fala que o problema sempre foi ela, e eu me identifico muito com esse sentimento."

O estudante Matheus Caldas, que não conseguiu o ingresso que queria no Rio, dá uma explicação parecida para o sucesso da cantora. Segundo ele, as letras abarcam uma miríade de sentimentos facilmente identificáveis na experiência humana.

"As músicas dela passeiam por todas as fases, desde o primeiro amor até os problemas da vida adulta", explica Matheus. "Ela tem música para qualquer situação: se você está feliz, se está triste, se está decepcionado, se está frustrado. Independentemente do que for, vai ter um álbum da Taylor para o que você está sentindo."

Para o momento de frustração, nessa que está sendo a jornada de junho para uma multidão de fãs, ele indica a balada "My Tears Ricochet", do sombrio álbum "Folklore", vencedor do Grammy de Álbum do Ano em 2021: "Até no meu pior dia / eu mereci, baby / todo o inferno que você me deu?".