Nos últimos dias, a internet foi incendiada com a história de Bruno Baketa, que viralizou no Twitter postando declarações de amor e relatos sensíveis sobre o luto que vivia — e que foi exposto por uma publicitária que disse ter sido sua amante por cerca de um ano, enquanto sua esposa padecia de uma síndrome rara que a levou à morte no início de 2023.
O relato tinha detalhes perturbadores: além da promessa de divórcio para poder viver o romance até então extraconjugal, o viúvo teria reciclado mensagens românticas originalmente endereçadas à amante para fazer seus posts de luto no Twitter. O caso repercutiu, e logo surgiram relatos de outras mulheres que teriam se relacionado com o rapaz enquanto estava casado e ou que foram alvo de flertes inconvenientes.
O que mais tem por aí é história de "boy lixo" (umas com tons mais sombrios, é verdade), de caras que simplesmente parecem não se preocupar com uma conduta ética e responsável nos relacionamentos afetivos.
É tão comum que tornou a expressão "desapontada, mas não surpresa" um jargão para muitas mulheres que se relacionam com homens héteros cis. Mas, na real, nós estamos mais do que desapontadas: estamos exaustas de conviver com comportamentos desse tipo há anos, décadas, gerações.
"Eu tô cansada de tanto boy dodói!", desabafou minha amiga editora Bebel Abreu, num bar, no ano passado.
"Boy dodói" virou nossa expressão para um fenômeno que você já viu, ou certamente conhece uma amiga que já viu. Não tem nada a ver com transtornos psiquiátricos. É uma licença poética para diagnosticar um quadro que, infelizmente, é mais comum do que se possa imaginar: é o cara que, de tão adoecido na sociedade patriarcal que a gente vive, é afetivamente irresponsável, egocêntrico, manipulador — e, não importa o quão desconstruído seja sua pose, não tem noções básicas de como estar em uma relação sem ser um baita dum machista, o famoso esquerdomacho.
"Boy dodói" è o cara que não suporta ver a mulher se destacando (e como um vampiro vai sugando toda sua autoestima e energia), que não tem a mínima noção de como cuidar de si ou de sua casa, que desmarca um date na última hora com uma desculpa esfarrapada ou que faz "ghosting" (um clássico). Ou todas as alternativas anteriores.
Já aconteceu comigo, aconteceu com muitas amigas, e talvez também tenha acontecido com você. Prova disso é a enxurrada de mensagens que minha amiga ilustradora Helô D'Angelo e eu recebemos no Instagram em abril, quando divulgamos a proposta da coletânea de histórias em quadrinhos "Boy Dodói - histórias ilustradas sobre masculinidade tóxica", que deve sair pela editora Bebel Books em setembro.
Pingaram 307 relatos, entre episódios absurdos, doloridos e tragicômicos (ou na maioria das vezes, tudo isso junto). Helô, Bebel e eu levamos uma semana para ler todas as histórias. Num domingo frio de maio, conversamos sobre quais entrariam no livro. Foi um dia de catarse: ao mesmo tempo em que sofríamos com os relatos, também víamos como certas situações são bizarras, mas estranhamente familiares, comuns, como se já as tivéssemos vivido na pele ou ouvido de alguém próximo.
Também notamos padrões de comportamento, da gordofobia à pura sacanagem. Uma das histórias relatadas que mais me marcou foi a de um cara que tinha o péssimo hábito de se masturbar e se limpar depois com um papel toalha de cozinha, com um detalhe: ele deixava os papéis jogados no chão, na expectativa de que a esposa ou a empregada fosse lá recolher.
A certo ponto, ela botou um cestinho na cabeceira da cama. O boy aprendeu a jogar lixo no lixo, mas não a retirar o saco de lá. Se ela viajasse por três dias, na volta encontraria a lixeira transbordando de papel. Fiquei pensando o quanto homens ainda pensam que nós, mulheres, somos responsáveis pelo cuidado da casa e do bem-estar deles. No fim, o casal se separou.
Fato é que quem está em busca de um relacionamento muitas vezes vive situações assim. Discutir essas questões entre mulheres é uma forma de encontrar acolhimento, afeto e leveza, um espaço de riso e de choro compartilhado para tentar mudar as coisas, na esperança de que os boys que amamos amanhã sejam menos tóxicos.
*Carol Ito, quadrinista e jornalista, é co-editora da coletânea "Boy Dodói - histórias ilustradas sobre masculinidade tóxica", com Bebel Abreu e Helô D'Angelo, projeto que conta com diversas jornalistas e quadrinistas convidadas
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