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'Looksmaxing': termo incel sobre beleza masculina se populariza nas redes

O personagem Patrick Bateman do filme "Psicopata Americano" se tornou um ícone em nichos virtuais masculinistas que falam sobre aparência masculina - Reprodução/UOL
O personagem Patrick Bateman do filme 'Psicopata Americano' se tornou um ícone em nichos virtuais masculinistas que falam sobre aparência masculina
Imagem: Reprodução/UOL

Do TAB, em São Paulo

12/07/2023 04h01

"Você já ouviu falar na glabela?", pergunta Gabriel Aguiar, 25, pelo telefone. Glabela é a região entre as sobrancelhas, bem onde surgem as primeiras rugas de expressão. "Minha glabela é mais destacada, conferindo ao meu rosto um aspecto mais masculino", explica. "Dá aquele aspecto meio neandertal, sabe? [risos]".

Aguiar é de São Paulo, trabalha como personal trainer e passa boa parte do tempo estudando visagismo e beleza masculina para fazer vídeos para o TikTok. No vocabulário dele, além de glabela, estão palavras como ângulo zigomático, "mewing", "black pill" e "golden ratio". São os principais termos que compõem um nicho virtual peculiar no qual ele aposta seus conteúdos: o "looksmaxing".

Looksmaxing é um conjunto de práticas que um homem pode fazer para maximizar a aparência. O que é ensinado pode não parecer novidade para muitas mulheres: lavar o cabelo com um xampu certo, escolher um corte que favoreça os traços do rosto, tratar a acne, vestir peças de roupa que valorizam a silhueta, cortar as unhas, cuidar dos dentes, malhar etc.

Todavia, são dicas nada óbvias para muitos homens jovens e adolescentes. São dezenas de perfis brasileiros e estrangeiros dando conselhos parecidos sobre formas de melhorar a aparência física. Alguns se restringem às dicas mais simples, outros estimulam medidas mais extremas como consumir anabolizantes, fazer procedimentos estéticos e até esmagar os ossos do rosto com um martelo.

A busca pela perfeição

"Claro que me acho bonito", responde o jovem assim que escuta a pergunta. Aguiar tem pele branca, queixo marcado (ou melhor, um zigomático marcado, como ele diz), olhos aprofundados e um corpo esculpido na academia.

Porém, até ele já ouviu de um médico que poderia melhorar a aparência. No caso, suavizar a tal glabela destacada. "Se eu tivesse escutado o médico, teria perdido uma das características mais belas do meu fenótipo que deixa meu rosto mais masculino", conta. O personal diz nunca ter feito procedimentos estéticos para modificar o rosto, exceto uma gengivoplastia para mudar o sorriso e os dentes.

Por experiência própria, ele diz que qualquer pessoa que queira se aprofundar no assunto precisa procurar um médico e um dentista para saber quais são as melhores escolhas. E fazer um teste de DNA.

"O Brasil é um país miscigenado, então é bom fazer um teste de ancestralidade e ver o corte de cabelo dos seus ancestrais", afirma. "No meu caso, sou uma mistura de italiano com português."

aguiar - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Gabriel Aguiar, 25, ensina jovens a melhorar a aparência e usa a hashtag #looksmaxing
Imagem: Arquivo Pessoal

A conversa sobre fenótipos não é aprofundada na página de Aguiar, mas nos fóruns e vídeos mais radicais não é raro ver esse assunto descambando para o eugenismo e, enfim, no nazismo. "Não frequento muito o fórum de looksmaxing e não concordo com várias coisas que eles falam ali. Tem muito nazista e xenofóbico. Isso não é o que eu procuro", esclarece.

Na maior parte dos conteúdos, as dúvidas e dicas partem de um desejo de parecer mais masculino. Os símbolos da masculinidade variam de acordo com a regionalidade, mas alguns são mais recorrentes do que os outros: os atores Henry Cavill e Cillian Murphy, e o personagem Patrick Bateman, interpretado por Christian Bale no filme "Psicopata Americano".

Mas os símbolos de masculinidade clássica nesses ambientes não definem o sucesso da prática para o personal. "Looksmaxing não significa que você vai virar modelo. Não dá pra tentar se encaixar em um padrão, você precisa respeitar sua individualidade biológica", afirma.

Origens estranhas

À primeira vista, o looksmaxing parece apenas uma versão reduzida do que é o gigante mercado de beleza para o gênero feminino. As coisas começam a ficar estranhas mesmo em um segundo momento, analisando os termos que os influenciadores do nicho usam para projetar os conteúdos e uma boa parcela do público que engaja com eles.

Isso acontece devido às origens do termo. Looksmaxing se popularizou em meados de 2014 em uma série de fóruns em inglês do universo masculinista virtual, especialmente entre incels. Fora a misoginia, uma das maiores obsessões dos frequentadores é a aparência masculina, um ideal que deve atender padrões de beleza bem definidos para prosperar em todos os aspectos da vida fora do computador.

A obsessão pela aparência e pela avaliação de outras pessoas é um reflexo da crença do "lookism", a qual reza que a aparência é tudo que importa na sociedade — até mais do que dinheiro e habilidades sociais. Nessa lógica, homens e mulheres são divididos em categorias: elas, entre "stacy" e "becky"; eles, entre "chads" e "betas" (esta última, aliás, tem subdivisões como "normie" e sub-5").

O chad, no caso, é o homem que atende a todas as características idealizadas da masculinidade: alto, possui queixo marcado, corpo musculoso e feições masculinas - um exemplo seria Brad Pitt. Já o sub-5 é o inverso: calvície, baixa estatura (no caso, menos de 1,70m) e gordo.

Não são categorias muito abrangentes, o que contribui para a obsessão e a visão pessimista do mundo em grande parte dos ambientes masculinistas. A crença geral é a de que se um homem nasceu feio dificilmente terá alguma chance na vida com mulheres, empregos e outros setores da vida. Os crentes fervorosos do lookism se consideram black pill, filosofia a qual prega a importância da aparência acima do todo o resto.

Mesmo usando quase todos os termos vinculados às origens masculinistas nos seus vídeos do TikTok, Aguiar tenta ao máximo se afastar desse legado."O lookmaxing é uma ferramenta; a black pill e red pill são movimentos que eu não compactuo", afirma. "Meu público não é red pill. Conquistei muitos seguidores, graças a Deus por conta de justamente tornar a comunidade menos tóxica, recebo muitos elogios por isso."

'É um grupo muito tóxico'

Com o passar dos anos, fóruns e grupos virtuais de incels surgiram e desapareceram, mas a ideologia contida ali transbordou dos espaços em que antes estavam confinadas e se popularizaram nas redes sociais. O maior exemplo é o "Coach do Campari", que se autointitulava adepto da filosofia red pill, e influenciadores fitness usando os mesmos termos para conquistar o público.

Felipe Soares de Oliveira, 30, começou seu canal no YouTube gravando vídeos voltados para o público masculino usando todos os conceitos-chave ligados aos fóruns masculinistas. "Na época, estava começando a ganhar um pouquinho de notoriedade nos nichos de conteúdo masculino e sentia uma certa demanda para falar desses assuntos, porque era uma oportunidade perfeita para mesclar o assunto da beleza masculina que é algo bastante corriqueiro na internet, mas a forma de comunicar era usando esses termos", afirma o produtor de conteúdo carioca.

oliveira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Felipe Soares de Oliveira, 30, produz conteúdo no YouTube sobre melhorar a aparência masculina
Imagem: Arquivo Pessoal

Oliveira, todavia, diz que tenta se afastar o máximo que pode do universo red pill. "Já tive muita chateação desses caras querendo saber 'nota', isso está profundamente vinculado aos incels", conta - enviar fotos de si mesmo para ser avaliado por outros membros é uma prática comum nos grupos masculinistas.

"Busco evitar dar combustível a qualquer coisa que envolva essas teorias de aparência e trazer os caras pra fora dessas pirações de 'pílulas'", diz. "É um grupo muito tóxico que sempre vem encher meu saco, porque não dá pra passar a mão na cabeça desse pessoal, não."

Quanto ao looksmaxing, Oliveira não defende procedimentos estéticos mais invasivos e medidas extremas. O máximo que fez foi um implante capilar para, segundo comentou num de seus vídeos, atender certas regras básicas de visagismo para favorecer seus traços faciais.

Entre conselhos de relacionamento e socialização, Oliveira também conversa com os seguidores sobre usar Minoxidil na barba e couro cabeludo para corrigir falhas, e discute se é necessário ou não apelar para um procedimento estético para melhorar algum traço.

"A aparência não é tudo, mas é inegável que ela ajuda", afirma. "Especialmente em uma entrevista de emprego, quando o cara vai alinhado. Essas coisas parecem óbvias para muita gente, mas para alguns homens não é. Isso não é falado ou ensinado."

Medidas extremas

No YouTube, há variações do que se pode encontrar sobre looksmaxing. Até em canais assumidamente red pill, as dicas tendem a ficar na parte básica de higiene pessoal e cuidados simples com cabelo, pele e dentes. Mas basta navegar um pouco para vídeos mais radicais começarem a ser sugeridos pela própria plataforma.

Clicando na hashtag do looksmaxing, saltam alguns vídeos de jovens que não passam de 25 anos explicando técnicas perigosas como o "bone smashing", que consiste literalmente em martelar o rosto para "moldar" os traços da face. Em teoria, a pressão constante em certos pontos da face causam lesões que ao se recuperar ajudam no aumento da densidade óssea e ficar com uma face mais máscula como a de um pugilista.

bone - Reprodução/TikTok - Reprodução/TikTok
Jovens no Tiktok ensinam práticas sem eficácia comprovada para 'melhorar' traços do rosto
Imagem: Reprodução/TikTok

"Nunca ensinei e jamais ensinaria isso", afirma Aguiar. "Já fiz vídeo zoando, mas acho que tem uma parte da deep wep deve fazer isso sim. Não tenho como te dizer se dá certo, mas isso pouco importa porque os danos que isso causa são muito ruins."

O público incel não interessa a Aguiar. "Diferente[mente] do que alguns falam, a culpa do incel não é da mulher, é dele [risos]. Não devemos deixar de lado nunca nossa espiritualidade e autoconhecimento, nas o externo também importa, é isso que o looksmaxing faz."

bone - Reprodução/Youtube - Reprodução/Youtube
Prática perigosa e sem eficácia comprovada é ensinada em fóruns e páginas dedicadas ao looksmaxing
Imagem: Reprodução/Youtube

Ainda que Aguiar e Oliveira defendam que o melhor jeito de maximizar a aparência é respeitando as próprias características físicas e tentem se distanciar das origens problemáticas do termo, são os conteúdos mais direcionados a essa comunidade que continuam ganhando mais tração nas redes sociais.

Aguiar sabe disso. E aconselha: "Meu aviso é: não deem atenção a incels nesses fóruns de looksmaxing. E não usem anabolizantes sem recomendação médica".