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Diante de insatisfações com Tarcísio, Kassab conquista bolsonarismo em SP

A disputa entre o bolsonarismo raiz e o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) deixou marcas na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), num cenário em que o secretário estadual de Governo, Gilberto Kassab (PSD), ganha força na articulação.

Segundo fontes próximas ao governador, Diego Torres Dourado, que é irmão da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, vinha fazendo informalmente a interface entre o Palácio dos Bandeirantes e deputados da base.

Dourado, que é assessor especial do governador, chegou a entregar seu cargo em junho. Isso porque, segundo relatos de deputados, o secretário da Casa Civil, Arthur Lima, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras assim como o governador, mas que fez carreira no serviço público e na iniciativa privada, barrava os acordos que o cunhado de Bolsonaro fechava com parlamentares da base. Em especial, os que envolviam a nomeação para cargos no governo.

Tarcísio impediu sua saída e o irmão de Michelle continua lotado em seu gabinete. Segundo interlocutores do irmão de Michelle, em conversas reservadas Dourado costuma elogiar o secretário da Casa Civil, a quem atribui predicados como a gentileza e o esforço em ajudar o governador, mas nunca negou que continue articulando em nome de Tarcísio.

De acordo com estas fontes, o cunhado do ex-presidente controlava um exército de perfis bolsonaristas nas redes sociais. Ele esteve no acampamento de golpistas que resultou nos atos de 8 de janeiro e é investigado pela PF (Polícia Federal) no inquérito que apura a venda de joias do acervo presidencial desde que apareceu em mensagens encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid. Procurado, Dourado não quis dar entrevista.

Gilberto Kassab com Tarcísio de Freitas, governador de SP: um ex-ministro de Bolsonaro chegou a defender o nome do ex-prefeito na Casa Civil, no lugar do militar Arthur Lima
Gilberto Kassab com Tarcísio de Freitas, governador de SP: um ex-ministro de Bolsonaro chegou a defender o nome do ex-prefeito na Casa Civil, no lugar do militar Arthur Lima Imagem: Reprodução/Twitter

O bombeiro Kassab

Diante da crescente insatisfação, Kassab, antes visto com desconfiança pela ala ideológica do bolsonarismo, tem ganhado projeção tanto entre parlamentares da centro-direita quanto entre os da extrema direita, alinhados com o ex-presidente.

Aliados de primeira hora de Bolsonaro que acompanham de perto o governo Tarcísio passaram a descrever Kassab como um articulador hábil e leal — em contraponto ao secretário Arthur Lima, alvo de reclamações por não atender às demandas dos políticos.

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No início do governo, o ex-prefeito de São Paulo era alvo de receio por parte dos bolsonaristas raiz. Havia o temor de que Kassab, ex-aliado do PT e do PSDB, tentasse afastar Tarcísio do ex-presidente para ampliar sua base de apoio rumo ao centro e viabilizar uma possível candidatura do governador à presidência em 2026.

Ao TAB, o secretário diz ser contra este descolamento. "O governador Tarcísio foi eleito em uma grande aliança mas Bolsonaro foi sem dúvida o grande apoiador. Longe dele (Tarcísio) querer se afastar", afirma Kassab.

Segundo ele, as insinuações de que existem duas alas no governo, uma bolsonarista e outra de centro-direita não passam de "fofoca" de pessoas que sofrem de "falta de visão política".

Desgaste evidente

Aos poucos o ex-prefeito tem conquistado a confiança dos bolsonaristas. Um ex-ministro de Bolsonaro chegou a defender, na condição de anonimato, que Kassab assuma a Casa Civil no lugar de Lima.

Dar mais poder ao ex-prefeito é, segundo esse ex-ministro, a solução para as dificuldades que o governador vem enfrentando na Alesp.

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As insatisfações se dividem em dois flancos. No primeiro estão os deputados de centro-direita que reclamam da falta de diálogo com o governo, em especial com o secretário da Casa Civil, e do não-atendimento das demandas, principalmente nomeações de cargos para segundo e terceiro escalões.

O alvo são centenas de postos ainda nas mãos de nomes indicados pelo PSDB ao longo dos 28 anos de domínio do tucanato em São Paulo. A Casa Civil disse já ter pedido um levantamento desses cargos aos demais secretários.

O desgaste entre Tarcísio e a base ficou evidente na primeira tentativa de aprovação do aumento das taxas processuais no TJ-SP, no início de setembro, quando o governo não conseguiu quórum na primeira votação.

Naquela data, o deputado Conte Lopes (PL), espécie de pré-bolsonarista raiz, subiu à tribuna para dizer que o governo, formado por técnicos, precisa "ouvir mais a classe política" e apontou a suposta inexperiência do governador e sua equipe.

O deputado Gil Diniz (PL), o Carteiro Reaça, ironizou a convocatória de Tarcísio: 'Minha avó tem um campeonato de jiu-jítsu da terceira idade na data e horário'
O deputado Gil Diniz (PL), o Carteiro Reaça, ironizou a convocatória de Tarcísio: 'Minha avó tem um campeonato de jiu-jítsu da terceira idade na data e horário' Imagem: Reprodução / Internet

Inabilidade?

Segundo outro deputado aliado, houve inabilidade. Defensor do "estado mínimo", o parlamentar foi contra o aumento das taxas durante todo o processo de tramitação. E, até então, o governo não havia assumido um lado: a orientação para apoiar o projeto veio na última hora, obrigando parlamentares a fazer malabarismos para mudar de posição.

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Crise contornada, o projeto acabou aprovado no dia 5.

Na véspera, Tarcísio convidou a base governista na para um encontro no Palácio dos Bandeirantes. Compareceram 47 deputados, exatamente a metade das 94 cadeiras, um a menos do que o necessário para a aprovação de projetos por maioria simples.
Segundo relatos, o próprio Tarcísio abriu a reunião dizendo que ainda está fazendo "um raio-X do estado". A fala foi interpretada com uma resposta pela demora em atender pedidos da base para nomeações.

Tarcísio continuou se justificando ao dizer que já liberou 80% das emendas impositivas para a base. Mesmo assim teve que ouvir uma série de reclamações dos aliados.

Um parlamentar chegou a dizer na reunião que se Tarcísio quer mesmo um raio X do estado que governa deveria dialogar mais com os deputados que, há anos, acompanham de perto o que acontece nas diversas regiões e setores da administração paulista.

Um termômetro de como anda a relação entre o governador e a base foi dado pelo deputado Gil Diniz (PL), o Carteiro Reaça, um dos mais fiéis representantes do bolsonarismo na Alesp. Ele ironizou a reunião no grupo de WhatsApp da bancada do PL. "Minha avó tem um campeonato de jiu-jítsu da terceira idade na data e horário", escreveu o deputado, segundo informação revelada pelo jornal O Globo e confirmada pelo TAB.

Insatisfação da ala ideológica atinge também o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite
Insatisfação da ala ideológica atinge também o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite Imagem: Divulgação
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'Língua bolsonarista'

Diniz tem sido um dos críticos mais explícitos do governador. Quando Tarcísio disse concordar com 95% da reforma tributária defendida pelo governo Lula, o deputado veio a público protestar. Em julho, reclamou nas redes que o governo não fala a língua dos bolsonaristas. Procurado pela reportagem, ele não respondeu.

A lista de insatisfações da ala ideológica com o governador, porém, é mais longa.

Eles reclamam da cessão do Parque da Água Branca para a realização da Feira Nacional do MST — algo que foi negado por João Doria (PSDB) —, da cerimônia no Palácio dos Bandeirantes para sanção da lei que garante fornecimento de medicamentos à base de cannabis, da não-punição a trabalhadores da Educação que supostamente contrariam a ideologia bolsonarista, do recuo em relação ao uso de câmeras pela Polícia Militar.

Também gerou mal-estar o fato de o governador e o secretário de Segurança Pública, Capitão Derrite, não terem dividido com deputados a mudança em relação ao aumento de 10% da contribuição previdenciária de policiais, além da postura de Tarcísio diante das irregularidades em construção de estradas rurais pela Secretaria de Agricultura na gestão Doria-Rodrigo Garcia (PSDB).

A lista inclui ainda a falta de ações concretas para a Cracolândia, as seguidas polêmicas envolvendo o secretário de Educação, Renato Feder e a indicação de Marco Aurelio Bertaioli, próximo a Waldemar da Costa Neto para o TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) em detrimento de Maxwell Vieira, defendido por André Mendonça.

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'Tensão saudável'

Pessoas próximas a Bolsonaro dizem que a relação com o governador hoje se resume às estadias do ex-presidente no Palácio dos Bandeirantes. A crise com o irmão de Michelle causou desgaste entre os dois, além de desagradar o entorno do ex-presidente, ainda que Dourado tenha permanecido no Palácio.

O governo respondeu, em nota da assessoria, que mantém diálogo frequente com a Alesp. "Prova disso é que, apenas no primeiro semestre deste ano, a Alesp aprovou o novo salário-mínimo paulista, reajuste salarial para policiais militares e civis e servidores estaduais, autorizou contratação de empréstimo de até R$ 6,5 bilhões para o governo investir na ligação ferroviária entre Campinas e São Paulo, entre outras importantes matérias", diz a nota.

"Aprovamos tudo no primeiro semestre. Até o aumento das taxas no TJ-SP, que era mais polêmico", argumenta o líder do governo na Alesp, Jorge Wilson (Republicanos), o Xerife do Consumidor, minimizando o conflito.

Deputados da base, porém, alertam que a falta de articulação política pode comprometer projetos importantes para o Executivo no segundo semestre, como o repasse de 5% do orçamento da Educação para a Saúde, a reforma administrativa e a privatização da Sabesp.

"Sou base, sou ideológico, quero ver a privatização da Sabesp e o remanejamento do dinheiro para a Saúde. Quero que as coisas andem logo, mas do jeito que estão dificulta nosso trabalho na Alesp", reclama o deputado Lucas Bove (PL).

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Segundo Kassab, o que existe é uma certa ansiedade por parte dos parlamentares em relação ao novo governo.

"É um governo amplo com mais de 10 partidos e estão todos ansiosos para atender suas bases. É uma tensão saudável", diz o secretário. Conciliador, ele defende a atuação de Arthur Lima. "O secretário da Casa Civil tem se dedicado bastante", afirma.

O líder do governo também saiu em defesa do secretário. "A Casa Civil tem andado. No início o governo estava se assentando, hoje está mais ajustado o atendimento aos deputados", afirma Jorge Wilson. Segundo o deputado, "Kassab tem uma história que deve ser respeitada, é um bom articulador, mas está executando estritamente as prerrogativas da Secretaria de Governo".

A assessoria do Palácio dos Bandeirantes não respondeu ao pedido de entrevista com o secretário da Casa Civil.

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