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Facções do RJ levam barricada, bala perdida e 'milicianização' a Salvador

Balas rasgaram o céu de Salvador neste mês. Em pouco mais de 48 horas, 10 pessoas foram assassinadas e 17 foram feitas reféns num conflito armado nos bairros de Alto das Pombas e Calabar.

Disputada por facções, Salvador atravessa uma onda de violência, com uma média de 4,5 tiroteios por dia, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado.

Os grupos que atuam na Bahia são influenciados pelas principais facções do Brasil, o PCC, de São Paulo, e o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro.

"São elas que disputam o controle territorial", diz o investigador civil Eustácio Lopes, presidente do SindPoc (Sindicato dos Policiais Civis).

Segundo Lopes, as facções soteropolitanas (Bonde do Maluco, Comando da Paz e Katiara, entre elas) atuariam como "subsidiárias" das organizações criminosas do Sudeste. A recém-chegada é a fluminense TCP (Terceiro Comando Puro).

'Modus operandi'

Ao longo de duas décadas, as facções se associaram a bondes (grupos de gangues) da Bahia. Ao mesmo tempo, as organizações criminosas de Salvador foram incorporando o "modus operandi" das facções, principalmente as do Rio.

"Um fenômeno crescente copiado do Rio é uma espécie de guerrilha que inclui implantar barricadas", conta Lopes. Em abril, a PM destruiu barricadas do tráfico em quatro pontos da cidade. Em agosto, foram dois pontos.

Barricadas têm sido construídas em becos e passagens de rua antes livres. Moradores e policiais passaram a ter o acesso impedido por manilhas, sofás, geladeiras e concreto.

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Diante das constantes trocas de tiros, moradores fugiram carregando malas, com a perspectiva de voltar para casa quando a situação se tranquilizasse.

Fortemente armados, criminosos passaram a percorrer ruas e invadir casas. Em uma delas, o sequestro de cinco reféns chegou a ser transmitido em uma live.

Durante a madrugada, uma bala perdida atingiu um apartamento no 13° andar de um prédio. O medo levou a Ufba (Universal Federal da Bahia) a suspender aulas.

Ocorrências de bala perdida também se tornaram mais comuns — e mais letais. A cidade teve 178 tiroteios com 151 mortes em julho de 2023, o mês de maior letalidade desde que o Instituto Fogo Cruzado começou a contabilizar casos: em julho de 2022, foram 105 tiroteios, com 67 mortos.

Hoje, Salvador é a capital mais violenta do país em números absolutos, de acordo com os últimos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: cerca de mil assassinatos por ano.

Policiais analisam barricada montada por facções em Salvador
Policiais analisam barricada montada por facções em Salvador Imagem: Divulgação
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'Milicianização'

Outro fenômeno crescente é a "milicianização" da cidade, com grupos armados cobrando "taxas" de moradores e comerciantes e punindo os que se recusarem a pagar. Em junho, cinco comércios no bairro do Lobato, no subúrbio de Salvador, foram queimados por grupos ligados ao tráfico.

Há relatos de cobranças de traficantes nos bairros de Lobato e Cosme de Farias ao menos desde 2020.

Na Bahia, a prática é principalmente inspirada no Comando Vermelho, comenta o policial civil Eustácio Lopes.

"É a busca por outra fatia de mercado para tirar dinheiro", acrescenta o investigador Marcos Mauricio.

"Essa diversificação da atividade, a tentativa de extrair recursos não apenas da venda de drogas, passou a ser adotada pelas facções do tráfico no Rio de Janeiro", lembra Carolina Grillo, da UFF (Universidade Federal Fluminense).

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Hoje, a "milicianização" ocorre no país todo, acrescenta ela, que é especialista em segurança pública.

PM quebra barricada montada por facções em Salvador
PM quebra barricada montada por facções em Salvador Imagem: Divulgação

Mais armas

A artilharia mais pesada também é uma tática "importada" do Rio, diz Grillo.

Entre janeiro e setembro, 46 fuzis foram apreendidos na Bahia, um recorde no estado, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Ao todo, foram apreendidas cerca de 4.000 armas de fogo, entre elas, rifles e metralhadoras.

A influência vem principalmente do Comando Vermelho, que tem como característica disputar territórios "pela bala e pelo sangue".

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"É um modo de funcionar do tráfico de drogas que não é comum na maioria dos lugares do mundo. Esse repertório é uma peculiaridade do Rio que se nacionalizou."

"É uma forma de expressão de poder", pondera Luiz Cláudio Lourenço, coordenador do Laboratório de Estudos em Segurança Pública, Cidadania e Sociedade da Ufba.

"O grupo está falando, na verdade, é que se o Estado entrar, ele vai atirar de fuzil."

'Campo de combate'

"O que acontece agora é resultado de algo que já vinha sendo construído ao longo do tempo", afirma José Mário Lima, diretor do Sindicato dos Policiais Federais da Bahia.

Uma das maiores facções é o Comando da Paz, alinhado ao Comando Vermelho — o líder baiano já foi preso no Rio, onde teve contato com a facção, conta Lourenço.

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Já o PCC nunca entrou no varejo de drogas da Bahia: atuam indiretamente, fornecendo drogas e armas ao aliado baiano Bonde do Maluco.

"É uma relação capitalista, é um comércio. A afinidade é sobretudo comercial", explica Lourenço. Nesse processo, grupos trocam informações e importam táticas.

Lourenço defende uma nova política de segurança pública mais focada em inteligência e investigação — e menos em enfrentamento armado como tem ocorrido, uma estratégia que, segundo ele, "fomenta a guerra".

"Temos visto cenas de soldados entrando num campo de combate com metralhadoras dentro das comunidades numa estratégia absolutamente equivocada", critica.

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