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Famosos inflaram gasto de campanhas da Mega sob Bolsonaro; veja os cachês

Com cachê de R$ 30 mil por show e famoso pelo hit que virou meme "Caneta Azul", o cantor Manoel Gomes ganhou quase R$ 1 milhão, em valores corrigidos, para fazer a campanha da Mega da Virada de 2019.

Foi o terceiro contrato mais caro pago pela Caixa para publicidade do sorteio em 12 anos, segundo dados inéditos obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação.

Em abril, a Caixa divulgou que o cantor Gusttavo Lima, apoiador público de Bolsonaro desde 2018, havia recebido R$ 1,1 milhão em 2020, o equivalente a R$ 1,4 milhão corrigido, para ser garoto-propaganda do sorteio. O UOL, então, questionou a entidade sobre os contratos firmados desde 2012. A resposta chegou em setembro.

Os contratos de Lima e Gomes ajudaram a inflar os custos da Caixa com publicidade da Mega sob a gestão Bolsonaro. O gasto total foi de R$ 5,9 milhões. Na comparação com cada um dos governos anteriores, de forma proporcional, foi gasto o dobro em relação ao governo Temer e quase o triplo em relação ao anos Dilma Rousseff.

Em 2019, Gomes ganhou R$ 550 mil por vídeo, trilha sonora e posts para a Caixa. São R$ 859 mil corrigidos. Ele não se manifestou sobre voto nas eleições, mas concorreu a deputado estadual pelo partido de Bolsonaro, o PL, em 2022. Não foi eleito.

O cantor Gusttavo Lima em vídeo da campanha da Mega da Virada de 2020
O cantor Gusttavo Lima em vídeo da campanha da Mega da Virada de 2020 Imagem: Reprodução/YouTube

A segunda maior quantia foi paga a Léo Santana, que ganhou, em 2022, R$ 955 mil em valores corrigidos.

Procurada, a Caixa disse que "a atual gestão aprovou um novo plano de comunicação que considera o cenário e define quais os melhores caminhos para a execução das campanhas publicitárias do banco".

Diz que cada administração define as próprias estratégias e reforça que os contratos anteriores seguiram a lei vigente.

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A equipe de Manoel Gomes foi procurada pela reportagem em três telefones diferentes. Um deles era do ex-empresário, outro da equipe, que não retornou, e outro do próprio artista, que não respondeu às perguntas enviadas nem atendeu às ligações. Caso haja manifestação, o texto será atualizado.

Outros artistas citados também foram procurados, mas só a equipe do cantor Gusttavo Lima respondeu, dizendo que a contratação foi "pautada na legalidade" e "foi realizada via contrato de direito de uso de imagem com a agência de propaganda contratada pelo banco Caixa via licitação, nos termos da Lei 12.232/2010".

Gasto é legal?

Patrícia Carla de Farias Teixeira, professora de direito administrativo e autora de diversos livros sobre o tema, reforça que os contratos estão dentro da lei. O problema, diz, é a própria lei.

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"A legislação autoriza a contratação de artistas e não é preciso seguir a regra do menor valor, como em uma licitação comum, pois se trabalha com inviabilidade de competição. Se o artista diz: 'Meu cachê é esse', vai por quem é a pessoa e pela razoabilidade", explica.

Mas a seleção é um critério subjetivo e o valor razoável não tem como ser mensurado ou limitado. "O controle da sociedade sobre os gastos, nesses casos, se torna mínimo. Esse é o perigo."

Quanto ganharam os outros artistas

O ator Luigi Barricelli era o único contratado para as campanhas da Mega da Virada entre 2011 e 2015, na gestão Dilma. Recebeu entre R$ 483 mil e R$ 612 mil, em valores atualizados. Continuou contratado no governo Temer, mas Marco Luque e Felipe Titto foram incluídos na publicidade do sorteio. Ganharam o equivalente a R$ 300 mil e R$ 162,3 mil, respectivamente.

Com o sucesso viral de "Caneta Azul", Manoel Gomes fez o valor total gasto com publicidade dobrar de 2018 para 2019, ano do contrato dele e já com Bolsonaro presidente.

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Também fizeram propagandas para a Caixa a dupla Maiara e Maraisa (R$ 850,96 mil) e a dançarina Lore Improta (R$ 420 mil), casada com Léo Santana e que fez as ações publicitárias com o marido. Nem as sertanejas nem Improta declararam publicamente apoio político.

Arrecadação não acompanhou gasto com publicidade

Questionada pelo UOL sobre o efeito das contratações dos artistas na arrecadação, a Caixa afirmou que "os valores vêm superando as metas estipuladas ano após ano, fato que comprova a assertividade na escolha da linha criativa e da execução da estratégia ao longo da campanha publicitária".

Mas os valores enviados à reportagem pela instituição e corrigidos pelo IGP-M de dezembro de 2022 mostram que a arrecadação oscila e não tem ligação direta com a estratégia de publicidade. No maior gasto em 12 anos, em 2020, quando o governo pagou R$ 1,86 milhão em publicidade, arrecadação foi a menor dos últimos quatro anos.

O recorde de dinheiro apostado é de 2022: foram R$ 1,96 bilhão arrecadado e R$ 1,36 milhão gasto; em seguida vem o ano de 2014, com R$ 1,82 bilhão arrecadado e R$ 612,14 mil gastos.

"Nunca vi uma pesquisa que diga quanto se ganha a mais a depender da pessoa contratada", afirma o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

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"O aumento da arrecadação, seja no que for, tem a ver com o que país está passando: se está em crise, aposta mais. E dependendo do valor do prêmio, o efeito positivo é para cima."

Caixa segurou dados por cinco meses

O pedido sobre os cachês das celebridades foi feito pelo UOL à Caixa em abril, assim que o valor pago ao cantor Gusttavo Lima foi divulgado pela agência Fiquem Sabendo.

Pela lei, um órgão público tem 20 dias para responder solicitações como essa e pode prorrogar a resposta por mais dez dias. A Caixa levou cinco meses para mandar os valores e incluiu uma observação.

"A divulgação dessas informações [cachês] cria desequilíbrio na maneira como a estratégia da empresa é executada em comparação com as instituições privadas que não possuem a obrigação legal de divulgar detalhes semelhantes sobre suas contratações, o que pode expor a Caixa a riscos de competitividade."

"Ainda assim infringe a lei", opina Marco Teixeira, da FGV. "Informação pública é informação pública. O que se pondera sobre divulgar ou não é se expõe em risco a segurança da população ou do Estado."

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Questionada sobre o conflito que se cria no que diz respeito à transparência, já que se trata de um órgão público, a instituição respondeu: "a exposição pormenorizada de informações ocasiona desvantagem à Caixa, que atua em regime concorrencial, visto que as demais instituições financeiras privadas não possuem obrigatoriedade legal de revelar aspectos de suas contratações".

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