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Empresa de jovem de 22 anos recebeu R$ 100 mil de emenda suspeita de Brazão

Mais de R$ 100 mil de uma emenda parlamentar do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) foram usados para pagar a empresa de uma jovem de 22 anos sem histórico no ramo empresarial pela realização de eventos em um projeto esportivo no Rio.

Preso e denunciado por envolvimento na morte de Marielle Franco, Brazão destinou R$ 2 milhões à ONG ICA (Instituto Carioca de Atividades) por meio de emenda.

Os recursos vêm sendo empregados no projeto Futuro Esportivo, em andamento desde fevereiro.

O ICA já pagou R$ 102 mil à empresa de Juliana Pires Novaes, a JP Novaes Eventos, pela realização de seis eventos para o projeto.

O valor total do contrato é de R$ 340 mil por 20 eventos (R$ 17 mil cada). Eles devem fornecer brinquedos, como tobogã inflável e cama elástica, água, kits lanche e material audiovisual.

A verba direcionada por Brazão à ONG via emenda entrou na mira da Polícia Federal em maio, em meio à investigação do assassinato de Marielle Franco, do qual o deputado é acusado de ser um dos mandantes.

A PF pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para investigar possíveis desvios nas verbas destinadas a ONGs.

O ICA faz parte de uma rede de ONGs com fortes indícios de desvios de dinheiro, conforme revelou a série de reportagens do UOL "Farra das ONGs". Elas receberam quase meio bilhão de reais em emendas nos últimos três anos.

Juliana Novaes, 22, dona da JP Novaes Eventos, que tem contratos no valor total de R$ 1,3 milhão com ONGs suspeitas
Juliana Novaes, 22, dona da JP Novaes Eventos, que tem contratos no valor total de R$ 1,3 milhão com ONGs suspeitas Imagem: Arquivo Pessoal/Facebook

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Sede da empresa é apartamento em Copacabana

Criada em abril do ano passado, a empresa de Juliana tem como sede um apartamento em um prédio residencial em Copacabana, zona sul carioca.

A JP Novaes já assinou três contratos no valor total de R$ 1,3 milhão com as ONGs ICA e Instituto Realizando o Futuro, mesmo com pouco mais de um ano de existência.

O UOL esteve no prédio da JP Eventos em abril e encontrou Juliana na portaria. Ela se recusou a falar sobre a empresa dizendo que tinha um compromisso.

Por email, o advogado Fausto Neto disse que a firma "busca no mercado atender aos clientes com excelência e praticidade".

"Apesar do pouco tempo de constituição, a empresa conta com a colaboração de profissionais capacitados que buscam atuar em projetos de instituições sérias sempre participando com lisura de licitações e cotações de preços", completou o advogado.

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A jovem é filha de Renato Dias Novaes, funcionário da Prefeitura do Rio de Janeiro desde junho do ano passado. Com salário de R$ 19 mil, ele tem cargo de assessor especial do Riocentro (Centro de Feiras, Exposições e Congressos do Rio).

O advogado Fausto Neto disse que a JP Novaes não tem relação com Renato Dias Novaes tampouco vínculo com parlamentares ou contrato com a prefeitura.

Já o ICA afirmou que contratou a empresa de Juliana por meio "da abertura de processo de concorrência e recebimento de propostas de prestação dos serviços" (veja a íntegra do que diz a ONG).

A escolha da firma tem indícios de manipulação, conforme apurou o UOL.

O Ministério do Esporte, responsável pelo acompanhamento da execução do projeto, não comentou especificamente a contratação da JP Novaes, mas disse que fiscaliza "a execução integral do objetivo [dos projetos] e o alcance dos resultados previstos" (leia a íntegra).

O advogado Cleber Lopes, que representa Brazão no caso Marielle, não quis comentar as suspeitas em relação às emendas do deputado.

Investigação da PF reforça ação conjunta de ONGs

As suspeitas de desvios de verbas destinadas por Chiquinho Brazão a ONGs surgiram após análise de conversas no celular de Robson Calixto Fonseca, ex-assessor do gabinete de Domingos Brazão no TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro).

Domingos Brazão, irmão de Chiquinho, também foi preso acusado de mandar matar Marielle.

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O deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ)
O deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) Imagem: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados/Arte UOL

Conhecido como Peixe, Fonseca foi preso em 9 de maio, suspeito de ter intermediado reunião entre os irmãos Brazão e Ronnie Lessa, que confessou ter matado Marielle Franco.

Peixe trata exatamente do Futuro Esportivo em conversas no fim do ano passado, segundo a PF. Ele pede a um assessor de gabinete de Chiquinho Brazão o direcionamento de R$ 2 milhões para o ICA, valor total da emenda destinada ao projeto.

O Futuro Esportivo também aparece em uma conversa entre Peixe e Raphael da Silva Gonçalves, companheiro de Cintia Gonçalves Duarte, presidente da ONG Con-Tato.

"No dia 19 de dezembro, Raphael encaminha uma mensagem acerca do projeto Futuro Esportivo, ocasião na qual Peixe indica que está com um amigo de ambos, provavelmente um dos irmãos Brazão, que pediu para lhe agradecer", diz a PF em relatório.

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A conversa reforça a atuação em conjunto de uma rede de ONGs que recebem recursos de emendas parlamentares, principalmente do RJ, conforme mostrou a série de reportagens do UOL.

O UOL não conseguiu contato com a defesa de Peixe. Raphael Gonçalves foi procurado por email, mas não retornou.

Relação com dono de empresa que recebeu R$ 12 mi de ONGs

As mensagens captadas pela PF e registradas em relatório também mostram que Peixe tinha relação com José Luiz Corrêa dos Santos Filho, conhecido como Zezinho Jacarepaguá.

Zezinho é dono da Produmix Brasil Produções e Eventos, que recebeu R$ 12,6 milhões de cinco ONGs entre 2021 e 2023, conforme já mostrou o UOL.

Segundo a PF, em 27 de outubro, Zezinho pediu para Peixe enviar um endereço ao ex-deputado federal e radialista Pedro Augusto Palareti (PP-RJ) para um encontro com uma terceira pessoa.

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Nesse período, de acordo com a PF, Peixe participou de negociações para a destinação de uma emenda de Palareti para a ONG Con-Tato, no valor de R$ 9 milhões, o que efetivamente se concretizou.

"A emenda por mim destinada seguiu todos os procedimentos que a lei determina. Não havendo, portanto, nenhuma irregularidade. A ética e a lisura sempre foram os pilares da minha vida. Reitero ainda que jamais participei de qualquer irregularidade ou desvio de qualquer recurso público", disse o ex-deputado, em nota enviada ao UOL por sua assessoria de imprensa.

Zezinho foi procurado, por meio de seu advogado Carlos Eduardo Gonçalves, mas não quis comentar o relatório da PF.

Pesquisa com cartas marcadas

No caso do projeto Futuro Esportivo, a empresa JP Novaes conquistou o contrato para a realização de eventos após pesquisa de preços em que uma das participantes foi exatamente a Produmix. A outra foi a WAX Serviços Especializados.

Como é comum nas contratações feitas pelas ONGs investigadas pelo UOL, houve uma diferença pequena entre os valores apresentados:

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  • JP Novaes: R$ 17 mil por evento (vencedora)
  • Produmix: R$ 17.080
  • WAX: R$ 17.050

Assim como Renato Dias Novaes, pai da jovem de 22 anos dona da JP Novaes, Zezinho Jacarepaguá já teve cargo de assessor do Riocentro, na Prefeitura do Rio, no ano passado.

Zezinho nega influência política na ascensão de sua empresa.

A empresa WAX foi procurada em sua sede e por email, mas não retornou. A Produmix afirma que trabalha sempre com o objetivo de oferecer a "melhor prestação de serviços".

Indicações políticas

Também chamam atenção contratações no projeto Futuro Esportivo de pessoas com indicação política e que já fizeram campanha para Chiquinho Brazão.

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O coordenador esportivo é Paulo Ciro Estevão Mendonça, conhecido como Paulinho Ciro. Ele ganha um salário de R$ 4.200.

Em redes sociais, ele fez campanha para Chiquinho Brazão. O pai dele, Paulo Ciro da Silva Mendonça, é vice-presidente estadual do partido Democracia Cristã, próximo da família Brazão, e já foi candidato a vereador.

Procurado por WhatsApp, Paulinho Ciro não retornou.

Paulo Ciro Estevão Mendonça fez campanha para a família Brazão em redes sociais
Paulo Ciro Estevão Mendonça fez campanha para a família Brazão em redes sociais Imagem: Reprodução/Facebook

O supervisor do projeto é Alexander Pereira Belém, dono de um bar em Jacarepaguá (zona oeste do Rio), um dos redutos eleitorais da família Brazão.

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Ele afirmou ao UOL que só cuida do bar após o expediente (seu contrato com a ONG é de 40 horas semanais) e admitiu que foi indicado pelo ex-vereador Célio Luparelli, que morreu em maio.

Alexander Pereira Belém, supervisor do projeto Futuro Esportivo, é dono de bar em Jacarepaguá
Alexander Pereira Belém, supervisor do projeto Futuro Esportivo, é dono de bar em Jacarepaguá Imagem: Reprodução/Instagram

R$ 5,8 milhões em emendas

Chiquinho Brazão destinou R$ 5,8 milhões em emendas individuais a duas ONGs suspeitas de desvios de verbas entre 2021 e 2023 (ICA e Promacom), segundo apuração do UOL.

A reportagem também identificou indícios de irregularidades nos dois maiores contratos da Promacom com os recursos da emenda de Chiquinho.

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A empresa RC Consultoria Gestão, Comércio e Serviços recebeu R$ 477 mil para fornecimento de "insumos gerais" para um projeto de disseminação de cultura na Baixada Fluminense.

Não há nos documentos enviados pela ONG à Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) nada que especifique o que são esses insumos. A instituição acompanha a execução do projeto.

A RC também ganhou, no mesmo projeto, mais R$ 418 mil para "definição de métodos, ferramentas e plano de ação", sem nenhum detalhamento do que isso significa na prática.

Nesse último caso, o contrato foi conquistado após pesquisa de preços com duas empresas ligadas a Zezinho Jacarepaguá: a Sporting Net Transmissões Produções e Eventos — que pertence a Acir Costa de Miranda, seu sócio na Produmix — e a AP Santos Serviços e Representações, de Ana Paula dos Santos, esposa de Acir.

Os valores apresentados foram:

  • RC: R$ 418 mil (vencedora)
  • Sporting Net: R$ 419 mil
  • AP Santos R$ 419,5 mil
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Conforme já mostrou o UOL, a RC pertence a Regina Saint´Clair da Cruz, que mora com a presidente da ONG Promacom, Bárbara da Silva Carlos.

Regina foi procurada por WhatsApp, mas não houve retorno.

A Promacom informou que suspendeu os contratos da empresa para que "o setor de compliance interno se debruce sobre os mesmos diante das denúncias efetivadas pela reportagem".

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