Esquerda se aproxima de cristãos e projeta briga por voto religioso em 2026
O PT incorporou termos como Deus, fé e suas variáveis na eleição municipal deste ano. Também mostrou que sabe rezar. A campanha de Lúdio Cabral a prefeito de Cuiabá foi encerrada com Pai-Nosso.
A oração que a Bíblia descreve como ensinada por Jesus serviu para pedir e para agradecer pelos votos. A comemoração da vitória de Evandro Leitão em Fortaleza também começou com um Pai-Nosso.
Com a atualizações no vocabulário e atitude, o PT tenta quebrar o quase monopólio do bolsonarismo junto às pessoas que decidem o voto com base na posição religiosa dos candidatos. A eleição deste ano deu sinais controversos sobre este esforço: foram esperançosos em Cuiabá e desanimadores em Fortaleza.
Avanço em Cuiabá
Não houve milagre de transformar água em vinho, mas o resultado em Cuiabá revela boas perspectivas. Lula teve 31% de intenção de voto na pesquisa Quaest na semana do segundo turno da corrida presidencial.
O candidato petista a prefeito da cidade, Lúdio Cabral, marcou 34% no levantamento do mesmo instituto na véspera da votação deste ano. O desempenho é considerado expressivo porque se trata da capital do agronegócio.
Lúdio afirma que o desempenho é consequência de um trabalho de aproximação desde o ano passado. A iniciativa recebeu um reforço no começo da campanha com o lançamento do movimento "Cristãos com Lúdio".
O resultado foram carros circulando na cidade com o adesivo: "Sou cristão, voto Lúdio". A aproximação com os evangélicos se refletiu nas pesquisas e 12% dos eleitores que votaram em Jair Bolsonaro em 2022 escolheriam o petista para prefeito, apontam as pesquisas. Esta performance foi considerada crucial para o PT chegar ao segundo turno numa cidade que rejeita a esquerda.
Lúdio avalia que repetir a fórmula permitirá à esquerda avançar sobre o eleitor religioso em outros estados. A projeção dele é uma disputa mais acirrada pelo eleitor cristão nas eleições de 2026.
Bolsonarista mantém acenos a cristãos
A direita percebeu o movimento adversário e tratou de reforçar os laços com o eleitor religioso. O deputado federal Abílio Brunini (PL) venceu a disputa em Cuiabá e subiu no palco do comitê de campanha para um anúncio: a comemoração tinha de esperar. Ele precisava ir à igreja.
A mensagem de que agradecer a Deus vem antes da festa foi reforçada por um comportamento típico dos bolsonaristas. Uma foto brotou nas redes sociais mostrando Abílio e a mulher ajoelhados com rosto expressando humildade.
Quando chegou ao local da festa, o futuro prefeito puxou um Pai-Nosso antes de começar o discurso. Orar em palanques é um hábito antigo da direita. Os comícios de Jair Bolsonaro na campanha presidencial tinham dois rituais insubstituíveis: cantar o Hino Nacional e rezar o Pai-Nosso.
Performance abaixo em Fortaleza
Se é normal o PT perder em Cuiabá, a vitória em Fortaleza também era por eles esperada. Mas Evandro Leitão teve sérias dificuldades para vencer um deputado bolsonarista que escondeu Bolsonaro. O petista fez 50,38% dos votos. A performance junto ao eleitor religioso não ajudou.
A pesquisa Quaest da semana da votação indicava que Leitão teria 27% do voto evangélico. O percentual está abaixo do que Lula obteve no país em 2022. Para piorar, é um estado do Nordeste, região de melhor desempenho do PT.
A atitude do ministro da Educação, Camilo Santana, dá pistas dos motivos para o distanciamento dos evangélicos. Principal liderança da esquerda no Ceará, ele se ajoelhou e convocou os militantes a darem as mãos para rezar um Pai-Nosso.
Evangélicos usam o termo "orar". O ministro emendou uma Ave-Maria. Diferentemente da Igreja Católica, que venera a mãe de Jesus, os evangélicos não acreditam em ícones e não têm santos.
Apesar de não falar a linguagem dos crentes, Camilo declarou que defende a família. Frase nada original. Ela é tão repetida pela direita que estava no jingle de campanha de Jair Bolsonaro em 2022.
Não foi a única atitude copiada. Ao puxar o Pai-Nosso, o ministro repetiu gesto de André Fernandes, candidato do PL em Fortaleza e filho de pastor evangélico.
A imagem de apoiadores acompanhando a oração com Fernandes e Ferreira foi amplamente divulgada nas redes do bolsonarista. Ela era acompanhada do slogan: "Quem é cristão não vota em Leitão".
"Evangélicos e católicos têm uma dificuldade com o campo progressista", reconheceu o petista.
Correção de rota da esquerda
Dono de um desempenho melhor, Lúdio citou três fatores que permitiram acessar o eleitorado cristão em Cuiabá. O primeiro foi admitir que a esquerda tem dificuldade de diálogo com este segmento.
Ele defende que o PT precisa mudar a forma como enxerga os religiosos. Lúdio disse que o crente é visto como um ignorante e seus aliados políticos agem como se estivessem num degrau superior de sabedoria e discernimento.
Outra ponderação é a esquerda aparecer somente a cada quatro anos. Não há um trabalho contínuo com esta fatia da população. O resultado do distanciamento é ser surpreendido com o apelo que o discurso de empreendedorismo tem junto aos evangélicos.
Por fim, o candidato defende um diálogo que vá além das grandes lideranças religiosas. Lúdio pondera que os caciques da esquerda se reúnem com bispos e pastores e esperam receber o voto dos cristãos por inércia.
Ele considera que teve êxito porque conversou com fiéis, artistas gospel, profissionais liberais e pequenos comerciantes evangélicos. Lúdio avalia que a procura por apenas líderes religiosos é consequência de um encastelamento da esquerda que parou de ouvir a população.
Perfil ajuda convencer eleitor religioso
Marqueteiro de Lúdio na campanha, Pedro Pinto de Oliveira ressalta que é preciso escolher a pessoa certa para interlocução. Ele ressalta que o candidato só teve sucesso porque havia respaldo a seu discurso.
Lúdio é casado com uma evangélica. Desta forma, demonstra que o respeito às religiões vem de casa. Ele também domina a linguagem dos religiosos porque frequenta os cultos com a mulher e vai à missa por ser católico.
A fórmula aplicada em Cuiabá rompe com a estratégia do PT nos últimos anos. O partido sempre esperou obter o voto religioso pelo crescimento econômico.
A premissa não se confirmou. Lula tem entregado mínimos históricos de desemprego, a inflação está sob controle e o PIB cresce acima do esperado. Ainda assim, seu índice de aprovação não decola.
Lúdio defende que uma fórmula de Cuiabá foi testada e aprovada. Ele crê que é possível a esquerda aumentar o eleitorado cristão até 2026, mas ressalta. A aproximação tem de começar agora.
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