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Problema é esquerda playboy, não pobre de direita, diz ativista Paulo Galo

O ativista Paulo Galo, 35, ficou irritado antes e depois das eleições municipais de 2024.

Durante a campanha, ele notou que até candidatos de esquerda viam trabalhadores de aplicativos como "empreendedores", algo que o incomoda.

O segundo momento de irritação foi quando viu o novo livro do sociólogo Jessé Souza: "Pobres de Direita - A Vingança dos Bastardos".

Quando o UOL publicou uma entrevista com Jessé, Galo fez um post chamando o sociólogo de "pseudointelectual classista que representa o pensamento da classe média branca".

Para ele, o conceito "pobre de direita" coloca a culpa da situação política em um grupo que nem mesmo pensa em termos de direita e esquerda.

Galo ficou conhecido em 2020, quando liderou protestos de entregadores por melhores condições de trabalho durante a pandemia.

Da sua casa no Jardim Guaraú, na zona sul de São Paulo, ele vê jovens de periferia entregues ao discurso da prosperidade individual de Pablo Marçal (PRTB).

Galo rejeita a "conversa batida" de que o pobre "não sabe votar", que é "a ovelha votando na raposa".

Para ele, não há solução que não seja coletiva, mas ela está distante. E a esquerda deve "tomar um couro" nos próximos anos.

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O ativista afirma ainda que a direita se alia a criminosos com objetivo eleitoreiro e assistencialista, e isso fez diferença nestas eleições.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Até Boulos embarcou no papo de Marçal

As pessoas acham que a luta contra o capitalismo é uma luta para ficar rico. Quando aparece alguém prometendo esse "milagre" como Marçal, elas compram a ideia, mesmo sem saber se é verdade. É a sensação que importa.

Tem moleque que ganha salário mínimo e gasta tudo em um dia no baile para ter a sensação de ser "rico". O discurso do Marçal cola porque é mais fácil acreditar nele do que numa solução coletiva.

Na eleição, Marçal falou mentiras, Nunes falou mentiras e Boulos falou algumas verdades misturadas com mentiras, como a ideia de que entregador de aplicativo é "empreendedor". A gente sabe que não é como ele pensa, mas ele falou para ganhar eleitorado.

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Essa ideia só o ferrou, porque ele não ganhou eleitorado nenhum. Boulos se vendeu como um cara certinho, bonitinho, que fala bem — periferia não é isso, rapaz, o povo não é isso. Está faltando uma leitura do que é o povo.

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Imagem: Micaela Wernicke/UOL

Direita dominou a quebrada

Aqui na minha quebrada, o domínio é da direita. Não vou ficar falando nomes, porque hoje a direita está mancomunada com o crime.

Quando percebi essa ligação, tentei trazer alguns vereadores do PSOL aqui, mas eles ficaram com medo, acharam que tinha muita ilegalidade e não quiseram colar.

Também chamei um cara do PT para fazer uma feijoada e mostrar como a direita dominou. Ele me deu R$ 300 para ajudar na feijoada e nunca mais olhou na minha cara.

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Hoje em dia o crime faz o trabalho de base na periferia. Dá cesta básica, cola telha nas casas, dá curso de muay thai. E não faz isso porque é "bonzinho", é para montar uma base eleitoral e depois vender.

A direita é só a ferramenta que eles usam, porque a da esquerda eles não poderiam usar.

A direita tem nojo de pobre. A esquerda é diferente. Não vou falar que boa parte da esquerda ama o pobre, mas é uma visão diferente.

A direita vê o pobre como um animal que precisa ser encarcerado e assassinado. E boa parte da esquerda enxerga o pobre como um animal que precisa ser domesticado. Se não conseguir domesticar, abandona esse animal na rua também.

'O Boulos era o playboy branco hippie'

O Boulos poderia ter feito uma campanha cem vezes melhor e não ganharia. Não é a campanha, é antes. Esses caras [da direita] estão aqui na quebrada há quatro anos fazendo as coisas, ganhando a moral do povo.

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Essas eleições foram a subjetividade contra a materialidade. O Boulos era o playboy branco hippie dizendo que é antirracista, antimachista, anti-homofóbico. Isso é da hora. Só que o povo não se emociona com isso daí. Se você fala que tem emprego, aí vai ganhar atenção.

Não tem solução a curto prazo. Esquece. No longo prazo tem várias pessoas na periferia fazendo coisas bacanas de forma autônoma.

Mas a curto prazo, tanto a esquerda autônoma quanto a eleitoreira podem se preparar para tomar couro por alguns anos.

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Imagem: Micaela Wernicke/UOL

Por que o Galo não entrou em um partido?

Quando a greve dos entregadores surgiu, a esquerda ficou maluca. Começaram a me ver como um quadro futuro e vieram em massa me procurar.

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Entendo a importância de um partido, não sou contra. Mas, para mim, é uma ilusão achar que você vai entrar no sistema e hackeá-lo. Quem entra para "hackear o sistema" é que acaba sendo hackeado, porque o sistema tem muito mais ferramentas.

Depois da Constituição de 1988, um monte de gente revolucionária e radical se burocratizou. O que era um partido da classe trabalhadora virou um CNPJ — e quando você vira CNPJ, você precisa seguir as regras dele.

A esquerda entrou num lugar legalista e não consegue mais sair dele. A direita não é legalista, só que pode descumprir as regras porque não vai ser punida.

Eu faço parte de um partido, sim, mas é o "partido" amplo da classe trabalhadora, sem estatuto, tentando encontrar o trabalhador de forma real. Eu não me vejo no PT ou no PCB, porque não acredito na luta com CNPJ. Para mim, a luta é orgânica, da rua.

Vocês me viram lá cortando o cabelo [antes da entrevista, Galo foi a uma barbearia ao lado de casa]. Olha o papo das pessoas lá. Se filmasse aquele papo, os caras sofreriam uns dez cancelamentos.

É por isso que a esquerda não consegue mais trocar ideia, porque não entende pessoas reais, com erros e acertos. Acham que tudo tem que ser como ela estabelece, e as coisas não são assim. A esquerda está imaginando uma luta. E tem que pegar a luta que tem.

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Incômodo com o 'pobre de direita' de Jessé Sousa

Não é só sobre o Jessé, é o pensamento da classe média, de toda a esquerda branca, essa coisa de que tudo está dando mer** porque o pobre "não tem consciência" ou "não sabe votar" ou que o "pobre é a ovelha votando na raposa". Essa conversa batida.

Como se a materialidade [as condições físicas, reais] não fosse a questão. Como se a consciência social dessa "esquerda playboy" tivesse surgido do nada, uma luz se acendesse na cabeça deles e eles passassem a entender o mundo.

Eles foram para a faculdade, tinham livros em casa, condições para impulsionar essa consciência. A materialidade faz cada pessoa ser o que é. Então, por que eu sou o problema e você é a solução?

O Jessé Souza devia criticar essa falta de materialidade, porque não existe "pobre de direita". Existe alienação.

A gente faz um esforço pra olhar para a classe média e dizer: "Mano, essa galera tá na luta com a gente". Eu sempre digo que o dia em que o entregador se encontrar com o dono da pequena hamburgueria e entender que são a mesma classe, vamos fazer uma luta foda.

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Aí vem um vacilão como o Jessé dizer que o problema é o motoboy, que ele não sabe votar. A alienação que afeta o pobre também afeta a classe média branca de esquerda. Ela é tão presa à sua própria bolha que só consegue dialogar consigo mesma.

O resultado do Boulos também é exemplo disso. Quando tentam interagir fora da bolha, são arrogantes pra caralh*, chatos pra caralh*, e as pessoas não aguentam.

É como se eles vivessem numa "zona oeste" [uma das regiões mais ricas de São Paulo] própria, sempre com os mesmos grupinhos, porque não conseguem, seja por medo, falta de tato, de sensibilidade ou de viver a vida de verdade, interagir com a realidade e as pessoas ao redor.

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Imagem: Micaela Wernicke/UOL

Igreja revolucionária e coach de esquerda: dá pra fazer

Dá para fazer uma nova Teologia da Libertação [corrente de pensamento popular no clero da Igreja Católica dos anos 1960 que enfatizava a importância de combater a pobreza e a opressão aos desvalidos] usando a religião evangélica e a própria palavra de Deus.

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A Bíblia fala: "Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, lá estarei". Esse é o verdadeiro partido: quando dois ou três trabalhadores estão ali, juntos, em nome de Deus.

E tem também aquela passagem: "É mais fácil o camelo passar pelo buraco da agulha do que o rico entrar no reino dos céus". Isso não é luta de classes? Se o rico pegasse essa riqueza e distribuísse aos pobres, você diria que ali só existe ferramenta para alienar?

A questão é que esse trabalho de base, de utilizar a religião para conscientizar, é algo que a esquerda não quer fazer.

Se a esquerda quisesse fazer um trabalho de base "da hora", dava até para criar "coach de esquerda". Sério, dava para fazer um Pablo Marçal de esquerda.

Era só o cara chegar e falar que o capitalismo é uma merd*, mas que, se você realmente quer prosperar, precisa fazer isso de forma coletiva. Quanto mais o pobre se unir, mais vai prosperar.

Dá para pegar as mesmas ferramentas que alienam e usá-las para desalienar. É só chegar aqui na periferia, tomar uma cerveja e trocar uma ideia normal, do dia a dia. Tem um trabalho possível de ser feito aqui. Dá para cair dentro das necessidades e se conectar. Mas quem é que está fazendo isso?

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O problema é que a esquerda parece não saber fazer nada que não envolva voto. O pastor Henrique Vieira foi mexer na base e foi sequestrado pela institucionalidade. E quem ficou na base fazendo o trabalho dele?

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Imagem: Micaela Wernicke/UOL

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