Mais de 50 foram baleados ao entrar por engano em favelas do Grande Rio
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Desde 2016, 53 pessoas foram baleadas após entrarem por engano em comunidades da região Metropolitana do Rio de Janeiro. A situação foi especialmente grave em 2024, mostra levantamento do Instituto Fogo Cruzado.
Raio-x
Dos 53 atingidos, 13 morreram baleados nos últimos nove anos. Os dados são de julho de 2016 a dezembro do ano passado, e leva em consideração as ocorrências nas três regiões que compõem o Grande Rio — a cidade do Rio de Janeiro, a Baixada Fluminense e o Leste Fluminense.
Parte dos motoristas baleados entrou por engano em comunidades com trajetos sugeridos pelo GPS. Em dezembro, o turista argentino Gastón Burlón foi direcionado por um aplicativo de localização para o Morro dos Prazeres, área dominada por traficantes do CV (Comando Vermelho). Ele morreu após um mês internado em decorrência dos tiros na cabeça e no tórax.
A maioria dos incidentes foi registrada na capital. Do total, 37 foram vitimados em favelas do Rio de Janeiro, dos quais 10 morreram e 26 tiveram ferimentos.
2024 concentrou 17 dos casos nestas circunstâncias. Quatro morreram após o ocorrido e 13 ficaram feridas.
Qualquer veículo que não obedeça às ''regras'' das facções vira alvo e pode ser confundido com rivais. Especialistas relatam que algumas das determinações dos criminosos, muitas vezes desconhecidas por turistas, são ligar a luz do salão do veículo, abaixar os vidros, ligar o pisca-alerta e reduzir a velocidade.
O que explica a situação
Explosão de casos vem do aumento das tensões entre facções e milícias. Em 2024, importantes disputas e invasões de territórios do crime organizado deixaram comunidades em estado de alerta, segundo Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro.
Em 2024, mais de 70% das ações da polícia em comunidades foram para intervir em guerras de facções. Os dados são da Secretaria de Segurança do estado.
A área do Grande Rio sob controle de grupos armados mais do que dobrou. Em 2023, 18,2% de toda área urbana habitada da região metropolitana do Rio estava dominada por algum grupo armado. Em 2008, eram 8,8%, segundo levantamento do Grupo dos Novos Ilegalismos, da UFF (Universidade Federal Fluminense).
CV e milícias controlam mais áreas. Até 2023, dos territórios dominados, 51,9% eram do Comando Vermelho, 38,9% eram das milícias, 7,7% do Terceiro Comando Puro e 0,8% da facção Amigos dos Amigos, segundo a UFF.
Avanço das barricadas dificulta a distinção dos territórios dominados pelo crime. Instaladas para impedir o acesso da polícia e de bandos rivais, as também chamadas "trincheiras", que antes ficavam em locais dentro de comunidades, estão sendo construídas para fora das favelas, avalia Nhanga.
Se você está passando por uma via como a avenida Brás de Pina, por exemplo, uma importante via da zona norte do Rio, e vira uma rua errada, acaba entrando em um acesso de uma favela onde já tem barricada e homens armados, coisas que não existia tempos atrás.
Carlos Nhanga
Mortes de chefes da milícia, como o Ecko, contribuíram para acirramento de disputas a partir de 2021. Para o pesquisador Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF, o assassinato de Wellington da Silva Braga parece ter mudado a dinâmica para faccionados, que enxergaram o momento como estratégico para o avanço e conquistas.
Ações policiais afetaram um grupo armado e, por consequência, ''favoreceram'' outros. Ao UOL, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor César dos Santos, afirmou que entre 2022 e 2023, a polícia se concentrou em combater milicianos, o que resultou em mais de 2.000 presos, mas, ao mesmo tempo, permitiu a expansão do CV (Comando Vermelho) e do TCP (Terceiro Comando Puro).
A gente sempre olhou o problema da perspectiva do efeito e não da causa. Claro que medidas imediatas têm que ser tomadas, mas temos que entender qual é a causa. O Rio de Janeiro tem um problema, um câncer'.
Victor César dos Santos
Os próximos passos
Para 2025, o secretário prevê continuidade na retirada de barricadas. Segundo a SSP, no ano passado, foram destruídas 7.500 toneladas delas. Para Victor, a ação carrega um "simbolismo'' e tem levado as estruturas de volta para dentro das favelas aos poucos. "Se a gente permite isso [permanência delas], estamos dizendo, como Estado, que quem manda ali é o traficante. A gente precisa devolver o direito de ir e vir do cidadão'', argumentou.
Grandes operações para brecar expansão de grupos devem continuar, segundo ele. Haverá ainda o incremento do policiamento ostensivo, com policiamento feito com motos durante o dia, para trazer agilidade, e monitoramento do Batalhão de Rondas Especiais e Controle de Multidão na parte da noite.
A medida mais eficaz é atacar a estrutura financeira do crime, diz Victor. ''É isso que vai fazer com que essas organizações percam força. Porque o dinheiro para eles serve para corromper, para eleger candidatos, para o voto de cabresto, para comprar armas e munições. Tudo é dinheiro'', explica.
SSP planeja plano integrado com o Governo Federal para enfraquecer poder financeiro das facções. O secretário afirmou que não deve criar nada novo, mas reaproveitar e fortalecer três estruturas já existentes que considera importantes: a FICCO (Força Integrada de Combate Organizado), o Cifra (Comitê de Inteligência Financeira e Recuperação de Ativos) e o projeto Captura da Senasp para identificação nacional de criminosos.
Fortalecimento de operação de fronteira também está previsto. Victor avalia que as ações nas áreas limítrofes funcionam de forma ''minguada'' e com falhas pela falta de efetivo para fazer cobertura. Além de militares, o secretário pretende articular a levada de policiais federais, agentes rodoviários federais e a Receita Federal para as operações de fronteira do estado.
Uber e PM do Rio de Janeiro renovaram parceria para este ano. Criado em 2024, motoristas e usuários podem acionar um botão no celular para compartilhar a localização do veículo em tempo real e os dados da viagem com a corporação em casos de entrada por engano em favelas e em outras situações de emergência.
O UOL entrou em contato com o Google para questionar sobre iniciativas do Google Maps e do Waze. A empresa preferiu não comentar.
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