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Luiza Sahd

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Clubhouse reúne Huck, Felipe Neto e Manuela D'Ávila, mas ninguém sabe ouvir

O visual do app Clubhouse em um smartphone - Divulgação
O visual do app Clubhouse em um smartphone Imagem: Divulgação

Colunista do TAB

12/02/2021 04h00

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Não é todo dia que a gente tem a oportunidade de entrar numa rede social nova e escutar um bate-papo informal (e improvável) entre pessoas como Luciano Huck, Manuela D'Ávila, Felipe Neto, o ex-BBB Fernando Medeiros e Paula Lavigne, além de outros participantes mais ou menos célebres — com direito a participação de Caetano Veloso elogiando um texto de Huck.

Expectativa: "grandes momentos podem sair deste encontro de figuras politicamente influentes". Realidade: alguém teve coragem de perguntar se Huck se candidataria à presidência em 2022, mas ele disse que precisava sair do aplicativo porque o entregador de pizza chegou.

Antes de escapulir da encoxada, o apresentador ainda fez um gracejo com os participantes da sala: disse que nunca viu Felipe Neto tão quietinho — ao que o youtuber respondeu com "é preciso saber a hora de falar e de ouvir". Nos minutos seguintes, tentando acompanhar a metralhadora de falas desconexas entre os participantes daquela sala no Clubhouse, concordei dolorosamente com Felipe Neto.

Quando Huck se retirou, uma participante falou da importância de incluir pessoas negras em debates como aquele, mas foi interrompida por um dos moderadores da sala. Uma representante do Clubhouse entrou de supetão nos meus fones, explicando todo o potencial de monetização do app — que, por ora, só pode ser acessado por usuários de iPhone.

Do nada, a promessa de um divertido rolê aleatório via áudio com presidenciáveis ficou com carinha de palestra no LinkedIn. Eu, ouvinte aflita, me perguntava se Caetano estaria ainda escutando aquela conversa doida, se não preferiria comer uma paçoca ou se Manuela D'Ávila teria opiniões impopulares acerca da explicação de que os servidores do app não suportariam a quantidade de usuários de Android.

Segundos depois, percebi que estava dedicando minhas últimas horas do domingo a ouvir o ex-BBB Fernando Medeiros falar da estratégia de marketing da NBA numa sala com Felipe Neto em silêncio, mas meus pensamentos — tão caóticos quanto aquela interação — foram interrompidos pelo vazamento do microfone de alguém falando fofo com sabe Deus que animal, em qual casa. Todos riram, avisaram que um microfone foi esquecido ligado, e a conversa seguiu descarrilhando do nada para lugar nenhum.

Abrasileirando o Clubhouse

Ainda que os entusiastas de networking estejam pregando que Clubhouse é o ambiente perfeito para fechar negócios, minha impressão sobre o app, a princípio, é a de que ganhamos uma nova plataforma para cometer gafes em tempo real e em um formato diferenciado: agora também por voz.

Escutar uma pessoa propondo uma discussão para ser interrompida por outras cinco querendo — e conseguindo — mudar o rumo da conversa é deveras angustiante, até mesmo pra quem já frequentou reunião de DCE e chá revelação.

Como a esperança é a última que morre, tentei ainda me engajar em uma sala chamada "Beija Sapo Digital", na qual os participantes se apresentavam e esperavam ser paquerados ao vivo por ouvintes interessados. Dois casais se formaram e suspeitei que já estávamos abrasileirando o uso do app, uma vez que o maior talento brasileiro é subverter qualquer ferramenta de internet para a produção de memes e fuleragem.

Tristemente, duas pessoas que trabalhavam com equipamentos odontológicos deram match e transformaram o xaveco num papo sobre congressos e empresas do ramo. Saí correndo da sala, mas deu tempo de constatar que, quando há poucos mediadores, as pessoas ao menos respondem o que foi perguntado pelo interlocutor.

Enquanto os usuários do Clubhouse aprendem o básico do Jardim I — não interromper o turno do coleguinha para avisar que chegou ou vai sair da sala, não mudar de assunto metendo o louco etc — a experiência no aplicativo é semelhante à de ir à praia sozinho e ficar ouvindo o que não se quer, de pessoas que não conhecemos, na canga vizinha.

Discordar silenciosamente de todo mundo não é mandatório, mas, assim como acontece na praia, é o mais aconselhável. Antes do confinamento, a gente pelo menos tinha vista pro mar na hora de passar nervoso tentando se divertir.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL