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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil vive surto de ansiedade e depressão. E como poderia ser diferente?

Brasil é recordista em casos de ansiedade - Shutterstock
Brasil é recordista em casos de ansiedade Imagem: Shutterstock

Colunista do UOL

20/07/2022 04h01

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O Brasil, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), é o país mais ansioso do mundo. Em 2019, ano em que os dados foram computados, 18,6 milhões de brasileiros sofriam com transtorno de ansiedade — o equivalente a 9,3% de toda a população.

Os números já levavam a OMS a identificar uma epidemia de ansiedade por aqui.

Veio, então, a pandemia do coronavírus e a situação, ao que tudo indica, explodiu. Uma reportagem publicada nesta semana pela Folha de S.Paulo mostrou que existe hoje no Brasil uma multidão de pessoas deprimidas e ansiosas, o que nos leva a enfrentar duas epidemias ao mesmo tempo. A causada pelo vírus e a de transtornos mentais, agravada pelos efeitos do luto, do medo e do isolamento.

Esse combo tem provocado estragos sobretudo em regiões como o Sul do país, onde o cuidado com a saúde psíquica é culturalmente compreendido como "besteira" ou "falta de vontade de trabalhar".

Esse entendimento precário sobre o problema tem eco no discurso adotado pelo presidente da República ao longo da crise sanitária. Em um país que suprimiu até o direito ao luto, Jair Bolsonaro chegou a questionar até quando filhos, amigos e vizinhos chorariam por seus mortos. "Chega de frescura e mimimi", ordenou o capitão.

A conta uma hora explode.

Em apenas um centro de atenção psicossocial citado na reportagem, os atendimentos anuais a dependentes químicos quase quintuplicaram durante a pandemia e hoje chegam a 14 mil.

Todo mundo conhece quem, no período mais crítico da crise sanitária, ampliou consideravelmente o consumo de bebidas em casa. Não deixa de ser uma forma de lidar com um problema criando outro.

O resultado é que o Brasil é um país hoje cada vez mais ansioso e deprimido.

Um estudo da Universidade Federal de Pelotas estima que o número de pessoas com diagnósticos de depressão no país saltou de 9,6% para 13,5%. A incidência tende a ser ainda maior em determinados grupos da sociedade, como pessoas LGBTQIA+ e policiais. Adolescentes e jovens adultos também são também motivo de preocupação em razão do aumento das mortes autoprovocadas na última década.

A curva ascendente de suicídios no país que empobrece e se empobrece com interações sociais deterioradas e sem vista para o futuro já deveria ter ligado o alerta há muito tempo.

Não existem respostas fáceis para explicar as razões dessa "epidemia dentro da epidemia".

Mas a chave para entender o que está acontecendo passa pelo próprio noticiário que muitas vezes evitamos conferir: explosão do armamento, ataque a tiros a grupos indígenas em Mato Grosso do Sul, avanço da devastação na Amazônia, deterioração do poder de compra, a supercrise encomendada para 2023. Isso para ficar apenas nos destaques de uma edição de jornal.

Tudo se soma às tensões no país onde se mata por discordância política, na câmara de gás e onde as mulheres não estão livres de estupradores nem quando estão prestes a dar à luz.

Evitar o noticiário para não deprimir, tática de 54% da população brasileira ou mesmo boicotar artistas que resolveram colocar o dedo na ferida ao se posicionar politicamente, não resolve.

Neste país que sabotou o direito à memória e que tenta reescrever seu passado, a projeção de futuro é uma nebulosa plantação de crise semeada por um presidente claramente indisposto a entregar o cargo em caso de derrota nas urnas.

Na reunião com embaixadores em que espalhou mentiras e atacou ministros do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro colocou sob suspeita a legitimidade das urnas eletrônicas e lançou uma grande dúvida ao mundo sobre se haverá eleições daqui a 80 dias ou uma guerra civil.

Como se já não bastassem as cicatrizes (mal fechadas) na saúde mental dos brasileiros provocadas pelas disputas fratricidas das últimas eleições. Não tem analista que não prevê que neste ano será pior.

A pergunta que fica é: como não deprimir nem viver em ansiedade em um país assim?

Procure ajuda
Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV (https://www.cvv.org.br/) funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL