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Trombadas

O 'coaching' de Zé Correa

Christian Carvalho Cruz/UOL
Imagem: Christian Carvalho Cruz/UOL

Colunista do TAB

23/09/2021 04h01

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Mas eu devo ter ímã pra repórter, não é possível. Vocês me amam? O que é, hein? Meu charme? Minha aparência? Toda semana aparece um. Olhe, vou lhe dizer: essa faixa aí da frente é antiga, de 2018. Já saiu até no jornal, veja, mandei emoldurar e pendurei na parede. "Essa loja é de brasileiro." Escrevi pra atrair mais freguês, só isso. Porque o comércio tá dominado por chinês. E o público brasileiro gosta é de comprar de brasileiro. Não fica à vontade na loja do chinês. Lá falam um com outro na língua deles e se xingam tua mãe você passa por besta. Não te deixam abrir uma embalagem. Não pode olhar nada, que eles desconfiam. Se pede desconto, fazem cara feia. Então, já que a mercadoria é a mesma, vem do mesmo lugar, tem o mesmo preço, as pessoas acham mais agradável comprar de brasileiro. Por isso resolvi sinalizar com a faixa.

Aí falaram que era xenofobia. Eu nunca tinha ouvido essa palavra, nem sabia do que se tratava. Hoje sei, porque leio muito. Sim, tenho mestrado e pós-graduação em passar longe da escola. Se frequentei um ano foi muito. Não possuo nem um papelzinho deste tamanhinho dizendo que fui um dia no colégio. Escrevo quase nada. Mas leio. E tá tudo nos livros. Com livro e cálculo a gente vai longe. A vida inteira eu soube calcular: isso tem fundamento, aquilo não tem. Botar galinha preta na encruzilhada, por exemplo. Qual o fundamento? Nenhum. É diferente de um livro que vendeu milhões de unidades. Se tá escrito, se tanta gente leu, é porque tem fundamento. Foi um livro que me deixou rico, inclusive. De modo que se você quer conversar, vá dizendo. Pergunte e eu desenvolvo.

Me criei na roça até os vinte e poucos anos. Várzea Alegre, Ceará, que de alegre não tinha nada. Um lugar no meio do mato com quatro, cinco casinhas. Eu era muito pobre. Pobre, pobre, superpobre. Pobre-miséria. Naquele tempo eu não conhecia outra palavra, que aprendi depois de velho: "sobra". Em Várzea Alegre não tinha sobra, só falta. Nove irmãos, dois morreram de fome. Aí diziam "coitadinho, não vingou". Nada. Era fome. Ou disenteria. Ou nó na barriga porque comeu angu de milho com rapadura, passou mal e não teve socorro. Era tudo tão medíocre, sem informação, que a gente não fazia ideia de que existia um negócio chamado médico que curava as pessoas. Só que eu tinha muita vontade de ser rico. Vontade não. Eu tinha certeza absoluta que ia ser rico. Aí me falaram que em São Paulo a gente ganhava dinheiro. Eu vim. Era 1968.

No começo vendia agulha e linha em ponta de feira, correndo do rapa, dormia na rua e sonhava. No meu sonho eu pegava ovo de galinha, botava no trem e ia vender. Parecia real, dava pra sentir o balanço do trem e o peso das moedas no bolso. Eu ainda não tinha informação sobre isso, mas hoje, sabendo das coisas do desenvolvimento pessoal, sei da importância de sonhar, imaginar. Tanto que São Tomé estava errado, você deve saber. A gente não tem que ver pra crer. Tem que crer pra poder ver. É o seguinte, anote essa primeira lição que vou lhe dar: nesse mundo, se você quer ser rico, tem que fazer um investimento — e sonhar é o primeiro investimento. Anotou? Depois é trabalho e repetição. Um processo. Até Deus usou esse processo. Ele imaginou o mundo e trabalhou seis dias pra criar. Descansou no sétimo, não foi? Mas deixou o homem pro final, porque não era besta. Se fizesse o homem no começo, ele ia dar palpite errado e bagunçar tudo. "Eu vou primeiro é fazer tudo conforme sonhei, depois largo o homem aí e ele que se vire."

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Imagem: Christian Carvalho Cruz/UOL

Ah, meu processo é longo, melhor a gente se sentar pra você prestar atenção. Eu devia estar com uns 15 anos de São Paulo quando comecei a trabalhar com produto de limpeza. Arranjei um ximbiquinha, um caminhãozinho velho, e vendia sabão, água sanitária, amaciante a granel pelos bairros. Um dia fui a uma papelaria no Sacomã comprar letras pra desenhar umas frases na carroceria do caminhão. "O melhor produto", "Preço baixo", "Fabricação própria", essas coisas pra fazer propaganda e ajudar a vender. Quando entrei, tinha uma mesa grande cheia de livros. Eu era quase analfabeto, nunca tinha nem mesmo segurado um livro. Vendo aquela mesa lembrei do dia, no Ceará, em que a professora me perguntou quem descobriu o Brasil. Eu retruquei a ela: Saber isso dá dinheiro?. Ela: Dá não. Então não me interessa. Mas naquela mesa tinha um livro que meu deu vontade de pegar. "O poder do subconsciente", de Joseph Murphy. Peguei. Virei pra cá, pra lá, pus de volta e fui embora. Caminhei até o ponto, meu ônibus chegou, todo mundo entrou. Quando botei o pé na escada pra subir, senti um negócio me puxando pra trás. Que diabo é isso? Nunca gostei de ler, o que aquele livro quer comigo? Voltei na papelaria e comprei o livro. Fiquei deslumbrado. Nas primeiras linhas eu já falei: Tô rico. Foi a certeza mais certa que senti na vida. Eu tava rico. Era questão de tempo pra contar o dinheiro.

Isso, uma iluminação. Mas hoje em dia eu falo insight. Aquele livro dizia o oposto de tudo o que eu ouvia lá com meu pai, minha mãe, naquela regiãozinha miserável onde nasci. Que dinheiro não dá em árvore, que quem tem dinheiro não vai pro céu, que dinheiro é coisa de gente ruim, que é mais fácil o camelo passar pelo buraco da agulha do que o rico entrar no reino do céu, esse monte de baboseira que afasta o dinheiro em vez de trazer ele pra perto. Lendo o livro eu calculei: bom, preciso zerar tudo que aprendi até agora e me agarrar nesse negócio de subconsciente como se fosse uma tábua no mar depois do naufrágio. Foi difícil não. Foi até fácil. Eu não tinha nada a perder, não estava colocando nada em risco.

Funciona assim, vou lhe resumir. Primeiro, como eu disse, você muda você: em vez de dizer que dinheiro não é capim, que é pecado, você inverte o discurso, e diz "eu adoro dinheiro", "dinheiro é abundância", "vem, dinheiro". Depois você mentaliza isso e fica repetindo 21 dias — é melhor repetir por escrito, porque quando escreve a gente exercita o cérebro e a coisa toda fica mais potente, mais verdadeira, mas repetir em voz alta também vale. Aí então, a partir disso, o universo vai se reunir pra te dar aquilo que você mentalizou. A chave é mudar o paradigma, entendeu? Porque tudo tem dois lados, o direito e o avesso, a noite e o dia, o doce e o amargo, até pra acender uma lâmpada tem fio positivo e fio negativo. Se desde criança o subconsciente absorve só o lado negativo, é no lado negativo que você vai viver. Tá entendendo o processo? O improviso não serve pra nada. Se Deus está nos detalhes, o Cramulhão tá no improviso. Basta você olhar pras favelas: um amontoado de improvisos. Tem que mover o universo. E pra isso precisa imaginar. Porque até pra casar a gente primeiro sonha, é ou não é? Ah, eu quero uma noiva loira, de olho verde, assim, assim. Ou noivo: bonito, rico, forte. Quer dizer, você primeiro casa mentalmente e depois materializa o casamento.

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Imagem: Christian Carvalho Cruz/UOL

É científico provado por A + B. Pense assim: se existe um monte de gente milionária no mundo, por que justo eu fui escolhido pra ser pobre? O dinheiro tá jorrando por aí. Toda hora passa nota de 50, de 100 na nossa cara. O problema é que o brasileiro não sabe pegar. Vive naquela prisão de achar que todo rico é filadaputa e, em vez de ir ler Joseph Murphy, "O maior vendedor do mundo", de Og Mandino, "O homem mais rico da Babilônia", de George Clason, ou seja, em vez de abrir espaço na mente pra positividade, prefere se atolar até a tampa ouvindo bobagem na porta do bar ou da boca do pastor. E pastor fala mais no Capeta que em Deus, já reparou? Nós, seres humanos, temos essa sede natural pela negatividade. Mas é que começamos muito mal. Viemos de um lugar onde a família inteira fez cagada: a mulher desobedeceu o pai e foi comer o fruto proibido, o irmão matou o outro irmão por inveja. Uma desgraceira só. Fica complicado desse jeito.

Karl quem? Esse eu não li. Mas não tem esse negócio de dizer que o rico é rico porque explora o pobre. Deixe de besteira. O rico é rico porque constrói, cria avião, computador, asfalto, monta escritório e sai dando dinheiro. Noventa e oito por cento das pessoas ricas vão pro céu. O inferno tá cheio é de pobre. O povo acha que o rico botou cerca em volta da riqueza e não tem mais lugar lá dentro pra ninguém. Não é nada disso. Tem riqueza pra todo mundo, o que não tem mais é vaga pra pobre, lotou tudo. Talvez na Suíça ainda tenha, mas aqui acabou. Tem que parar de ficar do lado da pobreza. Olhe, esse negócio é contagioso. Se tiver cinco trouxas numa mesa e eu sentar com eles eu vou ser o sexto trouxa. Se tiver cinco pessoas sábias, ricas, eu passo a ser o sexto rico. Agora sou eu que te faço uma pergunta. Com que você vai querer se sentar? Com quem? Quero que me responda.

— Ah, seu Zé, vou querer sentar com os pobres. Acho que eu tenho mentalidade de pobre, deve ser mal de família. Pro senhor ter uma ideia, meu pai trabalhou a vida inteira e só comprou um imóvel: a sepultura onde ele foi enterrado. E olha que ele sonhou pra chuchu, viu. O sonho dele era conhecer a Bahia e nem isso ele pôde fazer. Nunca teve conta em banco. Quando recebia o salário, separava o do ladrão, o da cerveja e escondia o resto no sapato pra voltar pra casa, onde entregava tudo pra minha mãe.

Aí que tá o erro. Pobre esconde o dinheiro. Eu, não. Eu gosto de espalhar um milhão, dois milhões no chão lá em casa e ficar olhando. Quando a gente vê dinheiro dá aquele impacto e mais dinheiro vem. Não é ostentar, que aí é coisa de emergente. E o emergente senta na mesa dos trouxas. A diferença do rico pro que pensa que é rico é uma só: o rico não se mata pra ser rico ou, pior ainda, pra parecer que é rico. Dinheiro na mão de besta não adianta, porque o sabido toma. Uma vez eu li que o cabra mais ruim das ideias, mais atrapalhado do mundo era Moisés. Mas ele sonhou em libertar o povo dele, mentalizou, trabalhou e conduziu os hebreus para terra prometida. Uma das maiores façanhas da humanidade, abriu o Mar Vermelho e tudo. Então, se até Moisés saiu da mediocridade você também consegue. Mas precisa de um mentor. Sozinho é muito difícil.

Não, não, eu não. Já andei dando uns conselhos aqui e ali. Quando era mais moço o pessoal caía em cima pra eu ensinar a ficar rico. Mas tive medo de virar um bruxo, um guru desses aí. Eu era bonitão, mulherengo e pensei: vou ter que deixar a barba crescer, vestir camisola e abrir mão de mulher, iiiiih, sai de mim, não quero seguir por esse caminho. Eu quero é dinheiro, zoeira. O cabra vira guru e vai logo cuspindo fora o gomo mais doce da mexerica. Tô fora.

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Imagem: Christian Carvalho Cruz/UOL

Ganhei bastante, sim. Hoje eu e meus três filhos temos mais de 160 lojas de bijuterias. Brasil todo. Moro em Alphaville, eles em Orlando, mando ajuda pros parentes no Ceará todo mês. Tenho imóvel alugado por R$ 10 mil por mês. E não conto isso pra parecer o maior bacana da galáxia. É pra provar a minha tese. Essa coisa de programar o subconsciente funciona. Pra mim o milagre aconteceu assim: eu estava na rua com o caminhãozinho de produto de limpeza e vi uma pessoa fazendo um colar com umas pecinhas de televisão, bem miudinhas, branquinhas, de louça. Fiz uns iguais e levei na 25 de Março. Quando me dei conta tinha vendido três milhões do dinheiro da época. Outra palavra que eu não conhecia, "milhões". Encostei a ximbica e fui produzir mais colares. Em dois meses eu já tinha até linha telefônica em casa, funcionários me ajudando, uma doideira. Vendia tudo no atacado pros lojistas da 25. Até que eu também virei lojista e vim progredindo. Hoje vou duas vez por ano a Hong Kong, Pequim, Xangai comprar mercadoria e fico em hotel de R$ 5 mil por dia. Viajo tudo por aí, por prazer e conhecimento. Egito, Jerusalém, Jericó, Amsterdã, Mar Morto, pra todo canto eu fui. De inglês só sei "okay", mas com aplicativo no celular eu converso que nem diplomata. Digo lá "a senhora me traz um copo de leite, faz favor", ai mostro a tela do telefone pra chinesa no hotel e dali a pouco ela vem com o copo de leite. Tudo simples e maravilhoso.

A China é assim, simples e maravilhosa. O que pode, pode. O que não pode, não pode. Gosto da Grécia também, onde a gente vai tomar banho de mar, deixa a filmadora na areia e ninguém mexe. Dubai, com aqueles túneis recobertos de porcelanato. Mas a China é outro nível. Pequim. Cidade deliciosa, você fica à vontade, não tem pobre desses que moram na rua só com um cobertor sujo. A gente liga a televisão e não vê gente se matando, ninguém com faca na mão, caminhão passando por cima de ciclista. Tudo é censurado, mas pelo menos a televisão não faz mal pra mente das pessoas como aqui. Depois que li o Joseph Murphy eu aboli a televisão da minha vida. Televisão é feita pra medíocre. Ela corrompe o nosso subconsciente. Joga o que ela quer na nossa cabeça e nem dá pra retrucar. Aí você vê televisão antes de dormir, entope o subconsciente de desgraça e quando acorda só consegue pensar em desgraça. Como vai ganhar dinheiro desse jeito? Cabra que vê muita televisão depois de 20 anos mete a mão no bolso e não acha nem moeda de 1 real.

Olhe, quando ficar rico e for a Pequim você vai ficar deslumbrado. Enquanto isso, tome nota de mais essa: nunca entre em discussão. Com ninguém. Jamais. Porque você vai perder. Procure sair fora logo, fazendo como eu faço. Se alguém quer discutir eu já digo, "claro, eu lhe entendo". Ou seja, corta o ego! O ego é o filadaputa que fode o processo. Sabe por que você nunca vai vencer uma discussão? Porque o outro tem prática em baixaria e você não tem. Não conheço ninguém que ganhou um centavo em discussão. Pelo contrário: conheço só gente que perdeu — a vida, inclusive. Então pra quê? Guarde 10% de tudo o que você ganha no mês, só gaste com o que for te gerar mais lucro, e corte ego! Porque seu negócio é ficar rico, não competir em baixaria.

Por hoje é só. Cortesia da casa, eu quis só lhe mostrar minha filosofia. Na próxima a gente acerta, porque à essa altura do dia, se você ainda não percebeu, é caso perdido e nem adianta voltar: a vida é uma venda, jornalista. Uma venda.

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Imagem: Christian Carvalho Cruz/UOL

José Correa, 76 anos

Histórias célebres de gente anônima: este é o espírito do projeto Trombadas. Nasceu sem destino, intenções, interesses ou desejos, nada além de conhecer e ouvir as pessoas que encontro nas ruas. Então eu saio, vou lá, paro — é fundamental parar — e ouço. Depois conto. No fim, é um mergulho. E um reencontro.