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"Seja fodástico": Por que tanto foda-se em capas de livros?

Arte/TAB
Imagem: Arte/TAB

Luiza Sahd

Colaboração para o TAB, em São Paulo

13/08/2019 04h01

"É hora de entender o processo, desconstruir seu caminho de fudido e assumir o controle. Mas já adianto: isso é para quem quer. Não tenho tempo a perder com fudidos que não querem mudar". Com essas palavras, o empresário carioca Ricardo Bellino abre seu sexto livro, "Ninguém é f#dido por acaso". Ele define a publicação como um manual "anticoitadismo" irreverente, desbocado e avesso ao politicamente correto. No livro, Bellino afirma que a atitude pessoal perante os desafios da vida é o que diferencia, nas palavras dele, um fudido (pessoa medíocre) de um fodido (alguém muito foda).

Se estiver disposto a mudar, siga a leitura, e estarei com você. Agora, se for para seguir com atitudes de um fudido, não perca seu tempo - nem o meu. Nos vemos a partir dos próximos capítulos, prontos para alterar não só uma letra, mas também toda a sua trajetória Ricardo Bellino em "Ninguém é f#dido por acaso"

A iniciativa de Bellino não é um caso isolado. Há mais de um ano, o livro mais vendido do Brasil é "A Sutil Arte de Ligar o F*da-Se", do blogueiro norte-americano Mark Manson. Fazendo uma pesquisa rápida com o termo "foda" no site da Amazon, a variedade de resultados com publicações do gênero é surpreendente.

Há quem ame e quem despreze a produção literária de autoajuda (ou autodesenvolvimento) que utiliza o "foda-se" como mote; o fato é que, do ponto de vista comercial, os títulos agressivos em capas de livros têm sido uma estratégia de sucesso desde que o termo "idiota" se consagrou em títulos de best-sellers.

Nas livrarias, é fácil encontrá-los nas ilhas de maior destaque. Muitas vezes, as obras ficam aglomeradas como se houvesse um novo setor nas lojas: o do palavrão.

Para Marcial Conte Junior, editor de aquisições da Citadel Editora -- que publicou o livro de Bellino -- a explicação do fenômeno "foda" não se resume a pegar carona no sucesso de Mark Manson. "As redes sociais alteraram as relações humanas e a forma como as pessoas se expressam. Os livros que publicamos ultimamente não concorrem só com outros livros, mas com todas as mídias que disputam o tempo e a atenção dos leitores", explica. Na opinião do editor, o principal efeito colateral do uso excessivo de redes sociais é que as pessoas passaram a ter maior dificuldade de ler e interpretar textos. "O lado bom é que elas tornaram o público mais aberto e coloquial", completa.

Os palavrões fazem parte de uma estratégia de vendas, assume Conte, que se define como entusiasta do gênero. "Empreendedores não querem cartilhas complicadas. Entrar no universo dos negócios é como adentrar uma selva: você preferiria ter um manual todo quadradinho ou um mais direto? O manual mais direto vai resumir que se você fizer isso, vai se foder; se fizer aquilo, vai ser picado por uma cobra. Sem firulas, sem o politicamente correto", conclui. Questionado sobre a importância do politicamente correto em uma sociedade como a nossa, o editor disse que ele tem alguma função, mas depende do contexto.

Literatura não é paixão nacional

No Brasil, a literatura sempre foi considerada um luxo acessível para poucos. As explicações mais frequentes para o déficit de leitura no país apontam para os preços dos livros e para a dificuldade na interpretação dos textos de autores consagrados -- que nem sempre usam uma linguagem tão acessível quanto a dos palavrões. Em um país tão privado de recursos na área de Educação, a leitura de obras clássicas não chega nem perto de ser um passatempo popular.

Mateus Baldi é jornalista, crítico literário e fundador da Resenha de Bolso -- plataforma de críticas de literatura contemporânea. Para ele, os palavrões em capas de livros não nivelam o leitor por baixo -- mas o conteúdo superficial, sim. "O último romance da Elvira Vigna, 'Como se estivéssemos em palimpsesto de putas', chama muito mais atenção pela palavra 'palimpsesto' do que pelo 'putas'. Há quem diga ser dos melhores livros da década", conta.

Para Baldi, o fenômeno do "foda-se" vem na esteira do fascínio pelo coaching e pelo individualismo que marca o nosso momento histórico. "Chegamos no tal futuro prometido e, se a tecnologia é linda, a vida em sociedade é um pesadelo. Então, isso de 'ligar o foda-se' passa a ser propagado como estratégia de sobrevivência". Para ele, o uso de palavrão não é o problema pois "quanto menos moralismo, melhor". O que Baldi questiona é se a literatura de não-ficção baseada em tanto individualismo pode mesmo ser benéfica para alguém. "A ficção é cheia de personagens egoístas e maravilhosos", diz. Isso quer dizer que personagens ficcionais egoístas podem ensinar lições preciosas, enquanto os livros de não-ficção nos ensinam a ser egoístas ao seguirmos à risca prescrições cheias de "foda-se". "A principal característica da boa ficção é essa de jogar o leitor para dentro da narrativa e transformá-lo em peça ativa -- nunca passiva -- da leitura. Isso faz muita diferença", conclui Baldi.

Leitura fácil?

A leitura de títulos como "Ninguém é f#dido por acaso" e "Liberdade, felicidade e foda-se!" é, sem dúvida, muito fluida. Em uma ou duas sentadas, é possível terminá-los. O mais difícil, às vezes, é lidar com as afirmações indigestas dessas obras.

Autoestima é uma convicção. Quando jovem - muito jovem -, eu era tímido. E aconteceu um fato engraçado em minha vida. Um verdadeiro tipping point. Eu ia para as festinhas dos meus amigos, festinhas dançantes, balada. Eu tinha uns 14, 15 anos de idade. Sempre tive o defeito de pensar grande; então, eu ia à festinha e pedia para dançar com a menina mais bonita. Aquela em que todos estavam de olho. Como eu era o mais feio da classe, óbvio que escutava um sonoro "não" logo de cara. Era sempre assim! E aquilo me deprimia tremendamente. Até que dei um basta: "Não vou mais convidar ninguém para dançar". (...) Totalmente deslocado, passei a ficar ao lado da equipe de som, em uma tentativa desesperada de não ficar sozinho, isolado, enquanto todos se divertiam. (...) Para resumir a história: rapidamente me tornei sócio da equipe de som. Como eu gostava muito de música e passava horas mixando, fazia aquilo bem e conseguia criar uma espécie de entretenimento nas festas. Nos refrões, eu abaixava o volume da música, as pessoas cantavam e aí ficavam eufóricas - e eu realmente comandava o show. Aprendi a primeira lição da escola da vida: as meninas não
estavam nem aí para beleza, mas se importavam com o status. Então criei esse magnetismo com elas - ligeiramente machista, é verdade, mas diz muito sobre as relações e percepções humanas. Foi muito divertido. E consegui resgatar ou criar a autoestima, descobri que eu podia, SIM, ter o controle da situação. Ricardo Bellino em "Ninguém é f#dido por acaso"

Meio século após a revolução de Leila Diniz, cabe perguntar: O que falta para as jovens não esconderem mais os seus corpos e desejos, e se libertarem dos preconceitos, rótulos e estigmas que continuam aprisionando as mulheres brasileiras? Por que elas não se tornam as protagonistas de uma nova revolução das mulheres e resgatam o conhecido slogan feminista 'nosso corpo nos pertence'? Será que as jovens ainda precisam aprender a ser meio Leila Diniz? Mirian Goldenberg em "Liberdade, felicidade e foda-se!"

Não se engane: não são os seus inimigos que destroem seus sonhos. São os seus melhores amigos! São as pessoas em quem você tem mais confiança. Essas pessoas têm uma capacidade impressionante de acabar com a sua vida. Como confia nelas, você as escuta. E escutando, acredita no que elas estão dizendo, e interioriza. Aí, meu amigo, você está fudido. Às vezes é melhor um inimigo. Porque para o inimigo você não dá muito espaço, você fica mais alerta com ele. Com o amigo, você se abre. E, na hora em que se abre, você conta uma história para ele. Logo ele vem com uma contra-argumentação e o convence de que aquilo está errado. Se você acredita, adeus! Ricardo Bellino em "Ninguém é f#dido por acaso"

'Não aguentava mais as reclamações da minha mulher. Mal abria a porta de casa e já escutava queixas e críticas. Ela fazia questão de ser chata. Vivia reclamando que não ajudo em casa, que não escuto o que ela fala, que não valorizo o seu trabalho, que não converso, que a nossa vida sexual é um tédio. Um poço de insatisfação. Trabalho o dia inteiro, vivo estressado e quero chegar em casa e ter um pouco de paz e sossego'. Quando a esposa reclamou pela enésima vez que ele é um bicho do mato que não sai da toca, o engenheiro reagiu com firmeza: 'É verdade, tenho muitos defeitos. Gosto de ficar quieto em casa lendo jornal, vendo filmes e futebol. Mas me responde uma coisa: Você é feliz? A maior parte do tempo eu te faço feliz? Quanto por cento você é feliz comigo?'. Depois de pensar um pouco, a esposa respondeu com um sorriso: '98%'. Ele então argumentou: 'Esquece os 2% que faltam, porque nenhum homem é perfeito'. Depois da regra dos 98%, o casamento mudou da água para o vinho. Em vez de brigar e se queixar o tempo todo, a esposa passou a dar risadas das bobagens que costumavam irritá-la.(...) A regra dos 98% leva ao reconhecimento e à valorização das qualidades do parceiro, e ensina a esquecer, ignorar ou minimizar os 2% que faltam: possíveis defeitos, falhas e imperfeições. Mesmo que a porcentagem não seja tão alta quanto 98%, a regra é boa para pensar sobre a balança do amor. Será que ela está mais pesada no prato da satisfação ou no da insatisfação? Mirian Goldenberg em "Liberdade, felicidade e foda-se!"

Em entrevista ao TAB, Ricardo Bellino mencionou que um documentário sobre sua vida seria exibido na Netflix, "literalmente, em breve". Procurada pelo UOL, a assessoria de imprensa da Netflix afirmou que não tem nenhuma informação sobre a existência do projeto. O empresário -- que se apresenta como o sócio brasileiro de Donald Trump -- também contou que morou em Miami durante 11 anos e, agora, vive em um resort de golfe na cidade portuguesa Sintra. "Não desisto de nada. A depender do meu interlocutor, isso pode ser um problema. Estou em pleno processo de aquisição dessa propriedade do grupo Hitz-Carlton, que vale 85 milhões de euros. Não tenho 85 milhões de euros na conta, mas estou aí a fazer uma sopa de pedra, como dizem os portugueses. Tem que acreditar!", diz.

Além dessa aquisição e do documentário, Bellino contou que firmou uma parceria com a Nova Business School, também em Portugal. "É a maior escola de economia da Europa", afirmou. No ranking da Financial Times, ela realmente aparece como uma das maiores da Europa, mas em 30ª posição. Ao que tudo indica, o otimismo é realmente a mola propulsora do empresário carioca que se considera um fodido -- com "o".

No livro de Mirian Goldenberg, as imposições sociais que limitam a liberdade das mulheres não são mencionadas em nenhum trecho da obra. Curiosamente, as referências bibliográficas que constam no final do livro "Liberdade, felicidade e foda-se!" são quatro obras de Simone de Beauvoir e oito da própria autora. No livro de Bellino, não há referências bibliográficas. Talvez eles tenham dado um "foda-se" na pesquisa de referências científicas durante a construção de suas teses. Faz todo sentido.

Na dúvida sobre a escolha de um livro, a melhor pedida provavelmente continua sendo a compra de obras que "competem" com livros mesmo - e não com sua atenção para o que acontece nas redes sociais.

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