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Sangue, suor e selfies: peritos criminais compartilham rotina no Instagram

A perita criminal Renata Botelho Brasil divide curiosidades sobre a profissão nas redes sociais - Reprodução
A perita criminal Renata Botelho Brasil divide curiosidades sobre a profissão nas redes sociais Imagem: Reprodução

Marie Declercq

Do TAB

18/02/2020 04h00

A hashtag #peritosinfluencers está longe de ser tão popular quanto as hashtags de maquiagem ou de blogueiras fitness, mas não deixa de ser especial. Munidos com distintivos, colete à prova de balas e cheios de frases de efeito, peritos brasileiros registram seu dia a dia nas redes e atraem curiosos, fãs e seguidores que sonham um dia se debruçar sobre cadáveres, armas do crime e provas materiais para descobrir a verdade. Se existe até influenciador de planta, por que não pode existir um influenciador de cena de crime?

Apesar das exigências técnicas da profissão e da carga bem pesada de trabalho, ela é uma das mais procuradas dentre as carreiras policiais pelo alto salário e por conta do sucesso de seriados dos EUA como a franquia "CSI" e "Dexter" — ambos quase caricatos na abordagem, mas muito usados para ilustrar situações vividas pelos profissionais quando lidam com análise de digitais, ferimentos em cadáveres e checagem se ocorreu ou não um homicídio em um local.

Entre fotos na praia, publicações com críticas à esquerda e selfies em campo, o perfil no Instagram de Diego Lameirão é um dos mais populares no micro universo dos peritos criminais influencers. Trabalhando como perito desde 2014 no ICCE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli) do Rio de Janeiro, o carioca quis expressar o amor à profissão e divulgar dicas sobre como passar em concursos públicos. Com mais de 100 mil seguidores, Lameirão se considera um dos primeiros a divulgar cursos e informações sobre o tema nas redes sociais.


"Quis humanizar a profissão, mostrar que a instituição, a polícia, é feita por seres humanos", explicou Lameirão ao TAB. Em fotos ao lado de sua cachorra, Lee, Lameirão diz que recebe muitas cantadas e às vezes fotos suas aparecem em páginas de policiais gatos, mas dispensa o rótulo de muso. "Oficialmente não passei por nenhum concurso disso, não (risos)."

Renata Botelho Brasil, perita criminal em Santa Catarina, posa para seu Instagram - Reprodução - Reprodução
Renata Botelho Brasil, perita criminal em Santa Catarina, posa para seu Instagram
Imagem: Reprodução

Nas publicações em que Lameirão está marcado, é fácil de encontrar o perfil de Renata Botelho Brasil, especialista em segurança pública e perita há quase dez anos no Instituto Geral de Perícias de Santa Catarina. Botelho Brasil possui quase 5 mil seguidores e chama atenção por fazer publicações educativas sobre manchas de sangue — tema central de cursos que ela ministra pelo país para outros peritos.

"Meu intuito foi desmistificar a perícia real da fantasia transmitida nas séries de televisão, além de mostrar à sociedade a importância do trabalho pericial, que é imparcial e visa mostrar a verdade dos fatos por meio dos exames dos vestígios", contou Botelho.

Fora dicas de como mandar bem em concursos públicos, muitos peritos passaram também a criar cursos que simulam cenas de crime. Rodrigo Wenceslau, perito criminal na cidade de Costa Rica (MS), administra com outros peritos a página Perícia Criminal Brasil e dá cursos de cena do crime para entusiastas. "Os cursos são dados para aspirantes. 99% dos seguidores são aspirantes e, destes, 80% são mulheres", conta Wenceslau, que trabalha na área desde 2009. "Ainda não descobri o motivo, mas elas são as maiores interessadas em se tornarem peritas".

Apesar de atrair muitos interessados por conta da remuneração e a emoção de poder juntar peças de um quebra-cabeça, fazer parte da perícia brasileira está longe de ser fácil. Através das redes, peritos influencers falam sobre a falta de investimentos em equipamento e material de ponta para ajudar na elucidação de crimes. "O Rio de Janeiro tem um volume muito grande de casos e a questão de estarmos em local de periculosidade. Falta material, falta treinamento. Deveria ter mais investimento na polícia técnica. A polícia científica não é autônoma, ela faz parte da Polícia Civil, então acaba não tendo muita prioridade dentro da própria instituição", explica Lameirão.

A falta de investimento, somada ao grande volume de casos para se investigar, está longe de parecer um episódio de "CSI". "Ser funcionário público é trabalhar com falta de materiais e ausência de incentivos. Por mais que as pessoas pensem no salário e na estabilidade, a estrutura oferecida pelo Estado está muito abaixo do esperado", conta Wenceslau."Perícia é uma coisa complicada. É uma área fascinante, mas sem estrutura. Por exemplo, é preciso às vezes investir num equipamento caríssimo, mas os governadores preferem comprar armas e viaturas porque isso tem mais visibilidade que um equipamento só."

Dadas as dificuldades, os peritos influencers acreditam que as redes sociais são ótima ferramenta para explicar como atua a Polícia Científica no Brasil e o que é preciso para fazer parte dela. Segundo Botelho, é preciso ser cuidadoso no que se compartilha com o público. "Há profissionais e profissionais, isso em qualquer área, então deve-se ter muito cuidado com o que se transmite direta e indiretamente nas redes sociais. Os malefícios, então, são o uso errôneo da rede no que se diz respeito a divulgação de técnicas de exames, além, é claro, da exposição pessoal do perito", explica.

Seguindo a febre de páginas de peritos, já é fácil encontrar perfis oficiais das próprias instituições de criminalística de alguns estados. Os peritos influencers estão longe de acabar.