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Quarentena penosa: a garota que surpreendeu o professor com pombas em vídeo

Bruna Becker, que cuida de pombas - Arquivo pessoal
Bruna Becker, que cuida de pombas Imagem: Arquivo pessoal

Daniel Lisboa

Colaboração com o TAB

08/06/2020 12h00

Há quem esteja passando a quarentena sozinho, com o companheiro ou companheira, os filhos, cachorros, gatos, hâmsters ou calopsitas. E tem quem conviva diariamente com um animal que causa aversão instantânea à maioria das pessoas.

A estudante de direito Bruna Becker, 24 anos, não está nem aí. Dona de três pombas, ela vem ganhando notoriedade depois que vídeos em que ela aparece com as aves caíram na internet. Em um deles, aparece cantando em seu quarto na companhia das pombas. Em outro, surpreende seu professor da faculdade ao entrar em um uma aula online na companhia de seus bichinhos de estimação.

Vídeos e fotos com animais domésticos são o suprassumo da fofurice internética. Quem não se derrete com eles corre o risco de ser tachado de insensível. Outros bichos não tão domésticos assim, como coelhos e porcos, também despertam o interesse alheio. Mas pombas e ratos são, há muito tempo, classificados como a escória do mundo animal.

No caso das pombas, trata-se de uma relação ambígua com os seres humanos. De símbolo da paz a valentes aves-correio, hoje são consideradas uma praga urbana por conviverem com a sujeira. É preciso coragem para se posicionar a favor delas publicamente, e Bruna faz isso.

Saúde frágil

De aparência tímida e fala tranquila, rosto que parece o de alguém bem mais novo, a estudante estreou como guardiã das pombas em 2017. "Estava saindo do cursinho na Liberdade (bairro do centro paulistano) e uma pomba veio correndo na minha direção, batendo as asas e gritando, porque ela ainda não voava. Quer dizer, ela que me pegou, e não o contrário", brinca.

Noa é o nome da primeira pomba de Bruna. Ela tentou levar a ave à Depave (Divisão Técnica de Medicina Veterinária e Manejo de Fauna Silvestre) no Parque do Ibirapuera, mas descobriu que pombos não são bem-vindos por lá por não se encaixarem na definição de animais silvestres. "Mas eles pelo menos ensinaram a gente a dar papinha", conta a estudante.

Bruna Becker, cuidadora de pombas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Após levar Noa a um veterinário, Bruna soube que a ave tinha a saúde bem debilitada. "Descobri que ela tinha problemas de baixa imunidade e baixa absorção de cálcio. Ficou meio tortinha, com uma pata menor que a outra, então não tinha como soltá-la."

Eis um esclarecimento importante: Bruna não leva pombos para casa para seu bel-prazer ou chocar a audiência. Ela cuida de pombos em estado debilitado que não conseguem voar e morreriam nas ruas. Além de Noa, Bela tem danos neurológicos, é cega e tem tiques. Polaris tem um lado semiparalisado e um olho cego.

As três pombas ficam no que deveria ser o escritório do apartamento onde Bruna vive com a mãe. No começo, ela não gostou nada de ver a filha trazendo as aves para dentro de casa. Hoje, diz a estudante, ela as chama de netas.

Bela gosta de colo

"Tenho uma cadela pug de 14 anos de idade, e as pombas dão mais trabalho", explica Bruna. "Se você pega a pomba na rua, tem de usar luva. Passar frontline, aquele spray para cachorros, uma vez debaixo de cada asa porque normalmente a pomba vem com uma mosca hematófaga que também dá em galinhas. É uma mosca bizarra, tem um olhão vermelho, e assim que cai ela vem correndo na sua direção."

Bruna já gastou R$ 2.000 em uma cirurgia para corrigir um problema no oviduto (canal por onde passam os ovos) de Bela. Alimenta as pombas com alpiste para calopsitas e sua rotina de cuidadora consiste em dar comida, trocar a água duas vezes por dia e fazer limpeza profunda no quarto das aves pelo menos uma vez por semana.

"Mas a primeira coisa que faço de manhã é pegar a Bela, porque ela já acorda pedindo colo. Ela está sempre no meu colo. As outras duas ficam passeando."

Professor favorito

O vídeo em que Bruna canta ao lado das pombas foi postado em um grupo de família do WhatsApp. A estudante tem suspeitas sobre quem teria vazado e deixa claro que não gostou muito do que aconteceu. "Não sei se foi de propósito e resolvi nem entrar nesse mérito. Fiquei chateada no começo porque era algo íntimo. Não canto para ninguém, só para as pombas. Mas depois passou."

O outro vídeo, com seu professor na Faculdade de Direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), foi compartilhado no Twitter até por Chico Barney, colunista do UOL. "Era uma videoconferência com meu professor favorito e alguém da turma resolveu gravar esse pedaço da aula e compartilhar. Depois, muita gente da sala veio perguntar se eu estava bem, se precisava de alguma coisa. Mas o vídeo é engraçado mesmo. Provavelmente fizeram de sacanagem, mas as pessoas precisam de algo engraçado neste momento, então tudo bem."

Quando colegas da faculdade descobriram que Bruna criava pombos, chegaram a brincar de fazer "pruuu", o clássico ruído das aves, pelos corredores enquanto ela fazia prova. Já a chamaram de "pombalina". Mas a estudante não entende as brincadeiras como bullying. "Não me importava porque era algo engraçado. Faculdade é assim mesmo, um salve-se quem puder."

Noa prefere carecas

A estudante garante que ter animais exóticos, ou repugnantes para muita gente, não afetou suas relações pessoais. "Tenho uma amiga que vinha bastante em casa antes da pandemia e ela acabou aceitando. Foi 'batizada' pela Noa (a pomba defecou na amiga). Até meu pai, antes de morrer, já tinha se acostumado, deixava as pombas subirem nele", conta Bruna. "As pessoas veem que elas são de boa. Até têm preferências. A Noa adora subir na cabeça de homem careca. Acha incrível. Sobe e fica olhando com aquela cara de 'o que está acontecendo?'. Já a Polaris gosta de cabelo comprido."

Bruna mantém um perfil no Instagram só para as pombas, o plumadas_sp, e pensa em ter uma ONG voltada a cuidados com as aves um dia. Não é, porém, a única a fazer isso. O "Diário do Mônix", e muitos perfis de outros países, divulgam o respeito às aves. Bruna diz que recebe diversas perguntas sobre as pombas, e os poucos "haters" que fazem comentários ruins são imediatamente criticados por outros frequentadores do perfil.

"Essa história de chamar pombo de 'rato com asas', pelo que pesquisei, foi dita uma vez por um diretor de cinema e aí a coisa espalhou. Não acho justo, até porque também gosto de ratos, mas são bichos totalmente diferentes", diz a estudante.

Doença? Só pegou de cachorro

Sim, Bruna também demonstra misericórdia por ratos. Quando descobriu que estavam espalhando veneno para matá-los em seu bairro, recolheu alguns para fazer eutanásia já que, segundo ela, os animais normalmente sofrem por dias antes de morrer. A eutanásia, que fique claro, é feita com um dose alta de comprimidos para dor, e Bruna faz questão de frisar que não está incentivando as pessoas a fazerem isso.

Pombos realmente podem passar doenças, a estudante reconhece. Mas lembra que a mais perigosa delas é transmitida pelas fezes secas. Então, o negócio é sempre limpá-las. Papel para fazê-lo não falta em nenhum canto de seu apartamento.

"Passar a quarentena com pombos é como passar com qualquer outro animal", diz Bruna. "A única vez que peguei algo de um bicho foi sarna passada por um cachorro. A capacidade do ser humano de aceitar ou não que um bicho conviva com ele depende de quão útil o animal é."