Dos skinheads ao 'cidadão de bem': as narrativas da Revolução de 32
Movimento armado liderado pelo estado de São Paulo contra o Governo Provisório, instaurado em 1930 por Getúlio Vargas, a Revolução Constitucionalista começou em um dia 9 de julho: o conflito entre as tropas de São Paulo e as Forças Armadas do governo federal durou quase quatro meses, até terminar com a derrota sangrenta dos paulistas. Apesar de esmagado em combate, o levante foi vitorioso em sua reivindicação por uma nova Assembleia Constituinte, realizada, contudo, dois anos mais tarde.
Desde que a data foi decretada como feriado no estado de São Paulo, o desfile cívico-militar em comemoração ao movimento atrai milhares de pessoas. Curiosamente, segundo Alexandre de Almeida, historiador, coordenador do grupo de trabalho História das Direitas e pesquisador associado do Observatório da Extrema-Direita, uma parcela considerável de grupos skinheads nacionalistas ou white power (supremacistas brancos) se apropriaram da história da Revolução de 1932, desde os anos 1980.
Encontro de tribos conservadoras
Segundo o historiador, datas emblemáticas do país que envolvem desfiles cívico-militares, como o 7 de setembro, atraem conservadores de diversos perfis -- dos colecionadores de memorabilia militar e das famílias dos membros das Forças Armadas em desfile a grupos separatistas como o Movimento São Paulo Independente.
"É um evento do 'cidadão de bem paulistano'", explica o historiador. "Acima de tudo, é um evento da Polícia Militar de São Paulo, por conta da participação da força pública estadual no conflito. É um emaranhado de grupos e motivações."
Em 1932, a independência de São Paulo foi defendida por intelectuais como Monteiro Lobato, José Alcântara Machado e Alfredo Ellis Júnior, que mantinha um jornal chamado 'O Separatista'. Segundo Almeida, esse ideal separatista foi essencial para o movimento white power se interessar pela data, a fim de compor sua identidade como grupo de ódio. "(...) Alguns grupos acabaram se apropriando do evento, especialmente para defender a separação de São Paulo do Brasil, mesmo que a revolução não tivesse essa finalidade", conta.
'Orgulho paulista'
De acordo com Almeida, a apropriação pelos skinheads começou a partir dos anos 1980, quando a primeira geração do movimento começou a se formar no Brasil e era, em grande parte, simpática ao supremacismo branco.
Para os skinheads racistas, a Revolução de 1932 representaria um "orgulho paulista", justificando a xenofobia contra pessoas das regiões Norte e Nordeste que não se encaixam no ideal branco europeu defendido por eles. A estética dos cartazes da década de 1930, que convocavam paulistas para lutar na Revolução, também influenciaram muitas músicas e fanzines de skinheads dessa época. Muitos tomavam emprestado o discurso dos constitucionalistas, que apresentava os bandeirantes como grandes heróis que construíram o estado a partir do nada, para embasar uma suposta excepcionalidade dos paulistas.
"Era uma crença da supremacia paulista sobre os demais brasileiros. Capas de fanzines tinham símbolos skinheads e ilustrações de bandeirantes, por exemplo. Na massa de skinheads, isso surgiu como um argumento forte para a supremacia paulistana. Não bastava apenas ser ariano; era necessário um elemento local, e um deles era o mito já presente da 'excepcionalidade paulista'", explica.
Com o passar do tempo, a Revolução de 1932 deixou de ser exclusiva dos supremacistas brancos e passou a integrar o discurso de grupos como os Carecas do ABC -- uma gangue skinhead simpática aos ideais do integralismo e do anticomunismo, que se posiciona contra grupos LGBTQ+, mas admite pessoas pretas e nordestinas.
"A data se espalhou para outros grupos, mas não tem necessariamente o mesmo sentido. Enquanto os white power usam o mito da paulistanidade para defender o separatismo, os Carecas do ABC se apropriaram de elementos da história local para criar sua identidade e se mantiveram unionistas, não defendem a ideia de se separar."
Uma ideia pacífica entre os grupos de extrema-direita parece ser enxergar a data como símbolo de uma revolta popular contra uma força autoritária. "É uma revolta da elite paulistana, mas não dá para dizer que a classe média e a classe baixa não fizeram parte. Esses grupos estão nesse mesmo caldo mítico da excepcionalidade paulista, pois não estavam defendendo a elite, mas a honra paulista", diz.
Confrontos
Vale dizer que o movimento skinhead está longe de ter uma identidade homogênea. Nascido na classe operária do Reino Unido nos anos 1960, o movimento teve uma grande influência de estilos musicais jamaicanos, como rocksteady, reggae, ska e dub. A partir do final dos anos 1970, o movimento sofreu diversos rachas por conta da infiltração de grupos como o partido neofascista National Front, mas o movimento skinhead não é predominantemente de extrema-direita. Existem vertentes substanciais de skinheads antifascistas e antirracistas, que se identificam com a esquerda como os "Redskins".
Por causa dessas diferenças, a presença de skinheads de extrema-direita nos desfiles de 9 de julho já foi motivo de confronto entre punks e skinheads antifascistas, que renegam as narrativas positivas da Revolução de 1932. O último registrado foi em 2014, quando houve uma briga entre grupos rivais.
Mesmo com o evento cancelado por conta da Covid-19, Alexandre de Almeida frisa que a data segue um evento importante para esses grupos. "Eles defendem a ideia populista de que o povo venceu. Porque o discurso da Revolução de 1932 reza que os paulistas perderam no campo militar, mas ganharam no campo moral, por causa da Constituição de 1934. Agora, segue viva a ideia de que o povo chegou ao poder com a ajuda dos paulistas patriotas", diz.
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