'Uma geração já não conheceu o Museu do Ipiranga', diz nova diretora
Em 2011, dois anos antes de o Museu do Ipiranga ser fechado ao público, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) lançava o livro "Segurança em Museus". Quase dez anos depois, em julho de 2020, uma das autoras, a arquiteta e professora da USP (Universidade de São Paulo) Rosaria Ono, assumiu a direção do famoso museu paulistano. Ono terá a missão de comandar a reabertura da instituição, prevista para a comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, em 2022.
"Será desafiador colocar o museu para funcionar novamente, considerando toda a atualização da proposta e a repercussão", afirma ela. Segurança patrimonial é sua expertise acadêmica: Ono graduou-se em arquitetura pela USP em 1987, concluiu mestrado em engenharia em Nagoia, no Japão, em 1991, e construiu carreira acadêmica na USP ao longo dos anos 1990 e 2000. Trabalhou como pesquisadora no Laboratório de Segurança ao Fogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e foi conselheira da Superintendência de Espaços Físicos da USP.
Em março do ano passado, a então diretora do Museu Paulista, a historiadora Solange Ferraz de Lima, a convidou para ser vice-diretora. O envolvimento na cúpula fez dela candidata natural à sucessão. Ela conversou com o TAB.
TAB: Sua principal missão será reinaugurar o museu. Como está a expectativa?
Rosaria Ono: É muito difícil assumir [este cargo]. A primeira vez que a Solange [Ferraz de Lima] falou para eu me candidatar, há um ano, eu respondi que não queria. É desafiador. Não sei se tenho capacidade para tanto, pensando em todo o andamento para a reabertura em 2022. É um grande projeto: vamos ganhar 6 mil metros quadrados a mais de área, o que eram 20 e poucas salas expositivas agora serão 55. E há toda a questão da gestão. A Universidade de São Paulo [a quem o Museu do Ipiranga pertence] já assumiu que não vai conseguir sozinha manter esse equipamento com essa proporção, então vamos precisar trabalhar com parcerias. A reforma já está sendo feita assim, com aportes financeiros da iniciativa privada [de acordo com a assessoria de imprensa da instituição, para a instalação completa, o valor total deve ser de R$ 178 milhões]. A universidade está aprendendo e vamos continuar. Vamos precisar de parceiros sempre, não vai dar para manter isso sem parcerias.
TAB: Isso significa terceirizar a gestão?
RO: Estamos trabalhando em busca do melhor modelo. Acredito que deva ser criada uma fundação para apoiar o funcionamento do museu. Estamos estudando ainda, está em conformação, mas o modelo tem de ser definido em 2020, para que tenhamos tempo para formatá-lo.
TAB: Nove anos fechado não é muito para um museu como o Ipiranga?
RO: Sim, é. A gente já sabe de uma geração que não conheceu o museu. É difícil. Mas foi preciso um processo de amadurecimento da própria universidade, para reconhecer a importância do museu e poder se estruturar para encarar o problema. O tempo foi necessário para entender, internamente, o que precisava ser feito. Primeiro foi preciso esvaziar o museu, ter um diagnóstico da situação. Isso demorou. Mas não estávamos parados. Para esvaziá-lo, foi preciso encontrar lugar para colocar o acervo [a USP alugou sete imóveis na região e os adaptou para abrigar a coleção: 30.942 objetos, 80 mil imagens, 700 metros lineares de acervo textual, 114.763 livros e fascículos de periódicos]. O transporte dos acervos acabou em julho de 2019. Era preciso higienizar, embalar, contar com uma empresa que fizesse o transporte de forma adequada. São itens desde livro a carro de bombeiro antigo, passando por mobiliários. É muita coisa. Em 2017 saiu o resultado do concurso arquitetônico para o novo museu. Em 2018, houve o desenvolvimento do projeto para a viabilização do edital para a construção. No meio-tempo, a busca por verbas para o trabalho. O recurso veio no fim de 2018 [as obras começaram em setembro de 2019].
TAB: Mesmo com a crise e com a pandemia, a reabertura em 2022 está mantida? Como está o andamento dos trabalhos?
RO: Temos a verba assegurada. Ou tínhamos a verba assegurada, pois agora há uma insegurança por causa da pandemia. Dentre nossos apoiadores, alguns já manifestaram dificuldade para dar o aporte, que é anual. Como são viabilizados via incentivos fiscais, por meio de isenção de impostos, eles têm de faturar para dizer a porcentagem que vão poder pagar. Há um compromisso assumido com a gente, mas sabemos que existe uma dificuldade. No momento, estamos indo bem. E estamos correndo atrás para o ano que vem, procurando outros patrocinadores também. Por enquanto, está sob controle.
TAB: Conseguir dinheiro foi a maior dificuldade?
RO: Foi o grande desafio. No começo, trabalhávamos com dois planos. Se não conseguíssemos o suficiente, havia um plano B: priorizaríamos uma parte para inaugurarmos, em 2022, apenas o eixo monumental do museu, que faz alusão ao 7 de Setembro, e reabriríamos parcialmente com a exposição em alusão à Independência.
TAB: Podemos cravar que o plano B foi descartado?
RO: Sim, estamos trabalhando com o plano A. Graças ao apoio dos patrocinadores. E espero que consigamos continuar assim.
TAB: Dados os problemas do edifício, havia a expectativa do fechamento do museu, conforme ocorreu em 2013. Como a senhora recebeu a notícia, na ocasião?
RO: Acompanhei bem de perto porque a professora Sheila Ornstein [também arquiteta, diretora do museu na época da interdição] é minha colega, somos parceiras de projetos de pesquisa, e ela me contava sempre dos problemas. Não foi uma decisão intempestiva, ela verificou as questões todas e conversou com a equipe. Deve ter sido difícil, porque a repercussão é muito grande. Mas a segurança das pessoas e do acervo estava em primeiro lugar. Foi uma decisão importante, até para que fosse reconhecida a gravidade do problema. Se não fosse feito assim, talvez estivéssemos na mesma condição até hoje.
TAB: Talvez improvisando.
RO: É, é. Vamos adiando, vamos adiando. Foi o que aconteceu com o Museu Nacional [atingido por um incêndio em 2018]. Aqui a diretoria resolveu assumir: vamos fechar que não dá mais. Essa foi a diferença. E tivemos sorte nesse processo.
TAB: Houve também o Museu da Língua Portuguesa, atingido por incêndio em 2015. Podemos generalizar que os museus do Brasil apresentam muitos problemas em seus edifícios?
RO: Há uma dificuldade muito grande quando são edifícios históricos, antigos. São prédios que, muitas vezes, se transformaram em museus em algum momento, com adaptações que trazem dificuldades de gestão do próprio edifício. As questões de segurança e acessibilidade são fatores novos, entraram nos últimos 20, 30 anos, e desafiam prédios históricos, tombados, principalmente. São pontos que precisam de muito investimento.
TAB: Como foi tomada a decisão de assumir o apelido Museu do Ipiranga, de forma oficial?
RO: Foi assumido na gestão passada porque todo mundo conhece como Museu do Ipiranga. Facilita até em termos de divulgação. A gente estava insistindo em um nome, Museu Paulista, que não pegava. O Museu Paulista é o conjunto, o Museu Republicano de Itu e o Museu do Ipiranga. O Museu Paulista administra os dois museus. Isso foi assumido oficialmente no ano passado.
TAB: Está sendo prevista uma versão digital do Museu do Ipiranga? Haverá exposições virtuais quando o museu for reaberto?
RO: A presença do Museu do Ipiranga no universo digital acontecerá em algumas frentes, como parte do Programa de Exposições e também do Programa Educativo. Visitas virtuais aos espaços expositivos estão previstas, é claro, mas a expectativa é de explorar esse universo de outras formas também, mantendo exposições temporárias em formato virtual, com aplicativos e jogos que permitam uma maior interação do público com nossos acervos e programação. Além, é claro, da disponibilização dos dados e imagens para consulta. Hoje já temos mais de 25.000 itens disponíveis nas plataformas WikiGlam. E estamos trabalhando no aprimoramento de nosso banco de dados. No próximo dia 1 de setembro lançaremos um piloto do trabalho de modelagem virtual que está em curso. Trata-se do aplicativo Museu do Ipiranga virtual, desenvolvido em conjunto com a Superintendência de Tecnologia da Informação da USP.
TAB: Dentre as 12 exposições simultâneas que deverão estar prontas na reabertura, uma tratará da Independência do Brasil. Há uma preocupação em trazer a história com uma visão contemporânea, de modo menos chapa-branca, discutindo os episódios com seus prós e contras?
RO: A exposição Memórias da Independência inaugurará a nova área de exposições de curta duração no novo piso de entrada do Museu e será voltada a compreender os diferentes processos de celebração e rememoração da Independência brasileira. A exposição está organizada em módulos dedicados a 1822, 1872, 1922, 1972 e 2022, de modo a evidenciar as práticas oficiais e sociais relacionadas às memórias do processo de Independência. Nesse sentido, a exposição abordará iniciativas como a realização de monumentos escultóricos e arquitetônicos, a produção de pinturas de história representando episódios e personagens do passado, festas populares, desfiles, exposições e produção de objetos comemorativos realizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, três cidades que disputaram a centralidade simbólica da Independência do Brasil.
TAB: O novo Museu do Ipiranga, em 2022, será uma experiência mais pop?
RO: Sim, as pessoas não têm de ir só uma vez na vida no museu. Elas têm de ir várias vezes. Iremos ter uma dinâmica nova, com mais coisas interativas, uma experiência que faça a pessoa voltar mais vezes.
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