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Randonautica: app promete ler a mente e te levar aonde você 'precisa' ir

Randonautica - aplicativo brinca com geolocalização e direciona explorações  - John Arano/Unsplash
Randonautica - aplicativo brinca com geolocalização e direciona explorações Imagem: John Arano/Unsplash

Natália Eiras

Colaboração para o TAB, de Lisboa

15/10/2020 04h00

Era um dia de sol, o isolamento social tinha terminado em Lisboa, e o clima estava perfeito para uma caminhada quando descobri Randonautica. O aplicativo, que foi febre no verão do Hemisfério Norte, sugere coordenadas para que você "explore o mundo de maneira diferente".

Criado pelo texano Joshua Lengfelder e lançado oficialmente em fevereiro de 2020, Randonautica poderia ser apenas um daqueles aplicativos que registram seu treino de corrida e caminhada para que você possa compartilhar nas redes sociais, mas ele vai além e promete colocar "o usuário na cadeira de diretor de uma aventura que ainda está para ser escrita".

Para isso, a aplicação usaria um gerador de coordenadas aleatórias, baseadas em sua geolocalização. Mais do que apenas apertar o botão, é preciso pensar em qual é a sua intenção para a jornada para que o aplicativo possa fornecer uma sincronicidade — uma coincidência dirigida, digamos assim.

O conceito, desenvolvido pelo psiquiatra Carl Jung (1875-1961), define situações que se relacionam entre si não por causa, mas por significado.

"Usamos o gerador de números aleatórios da Universidade Nacional da Austrália para termos coordenadas reais", explica Joshua Lengfelder, em entrevista ao TAB por e-mail. "Pedimos também para que os randonautas [como os usuários são chamados] prestem atenção em qualquer coincidência e anomalia que possam ocorrer, ao longo de sua jornada ou em seu destino final." É que, para o criador do app, "ao usar a aleatoriedade para explorar localizações geográficas, você expande sua consciência sobre o que há ao seu redor e a conhecer melhor sua região."

De certa forma, Lengfelder recupera a figura do flâneur, o vadio caminhante da França do século 19, encantado com as esquinas e vitrines da cidade, um dos temas preferidos do poeta Charles Baudelaire.

O aplicativo ficou bastante popular principalmente no TikTok e no YouTube, onde jovens e adolescentes publicam suas jornadas. Mas, como muitas vezes eles podem ser levados para terrenos baldios e lugares abandonados, há muitos relatos assustadores, sendo o mais conhecido o de um grupo em Seattle (EUA) que encontrou uma mala com restos mortais. Ainda assim, dentro da comunidade dos randonáuticos, como são chamados os usuários, o meme mais comum é você encontrar uma garrafa cheia de xixi nesses lugares abandonados.

Diante da popularidade sinistra que ganhou, os desenvolvedores criaram um "manual de boas práticas" para randonautas. Eles não recomendam a participação de crianças. Para evitar situações perigosas, o aplicativo aconselha, logo na abertura, a fazer as jornadas durante o dia e, se possível, em grupo.

O usuário pode gerar gratuitamente até três coordenadas por dia. E o passeio pode ser feito de carro ou a pé --apesar de os desenvolvedores sugerirem a caminhada para que você possa ter uma experiência completa. Caso a coordenada seja em um lago ou rio, a página do Randonautica te dá as diretrizes: "Pegue um barco ou nade, caso tenha habilidade." Para evitar o contratempo, basta assinar o plano pago do aplicativo.

Parapsicologia e números aleatórios

A premissa de Randonautica, de que seu cérebro pode influenciar coisas externas ao corpo, é baseada em uma pesquisa controversa feita pelo engenheiro Robert G. Jahn, em Princeton. O investigador começou a explorar em 1979, e ao longo de décadas, a hipótese de que pessoas poderiam usar psicocinese para afetar máquinas microscopicamente.

Quando encontrou a pesquisa de Jahn, Joshua Lengfelder já era um entusiasta da parapsicologia, pseudociência dedicada à investigação de fenômenos paranormais e psíquicos. "Quando descobri a ideia de que a consciência humana poderia interferir em geradores de números aleatórios, fiquei vidrado", afirma. "Queria encontrar uma forma de tornar essa tecnologia acessível para que todos pudessem experimentá-la." O próprio Joshua sai para jornadas de autoconhecimento.

O desenvolvedor conta que o aplicativo foi criado em um trabalho em grupo. "Foi, desde início, um esforço conjunto. É um movimento com contribuição de muitas pessoas talentosas do mundo todo", afirma Lengfelder.

Joshua Lengfelder, criador do app Randonautica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Joshua Lengfelder, criador do app Randonautica
Imagem: Arquivo pessoal

Inicialmente, foi criado, em 2018, um bot no Telegram que fornecia as coordenadas. Há um tópico no Reddit criado em março de 2019, quase um ano antes do lançamento do Randonautica, que reúne a comunidade. Nele, os participantes publicam fotos do que encontraram em suas jornadas junto com a "intenção" que mentalizavam ao gerar as coordenadas. Um deles queria ver "beleza" e foi presenteado com o encontro com uma coruja; outro queria ver um "assassino em série" e chegou a um moinho abandonado.

Com a formação de uma comunidade bem interessada, junto com a popularidade no TikTok, foi fácil para o aplicativo registrar, de acordo com o criador, mais de 8 milhões de downloads desde seu lançamento. Atualmente, o Randonautica está passando por instabilidades por causa de uma reconfiguração, mas a comunidade de randonáuticos no Reddit já está vibrando porque uma nova versão beta acaba de ser lançada.

No meu caso, a primeira localização fornecida foi em um canteiro central de uma rodovia próxima. Tentei novamente. Dessa vez, o local indicado era em um túnel de trem metropolitano. Morando há pouco tempo em uma cidade desconhecida, preferi não me deixar levar pela aleatoriedade.