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Biel busca segunda chance: dá para reposicionar marca em 'A Fazenda'?

A Fazenda 2020: Biel, Cartolouco e Jojo Todynho na área de eliminação da roça. Protagonistas, Biel e Jojo resistiram ao jogo - Reprodução/RecordTV
A Fazenda 2020: Biel, Cartolouco e Jojo Todynho na área de eliminação da roça. Protagonistas, Biel e Jojo resistiram ao jogo Imagem: Reprodução/RecordTV

Tiago Dias

Do TAB

16/10/2020 04h01

Já é praxe para quem entra em um reality show. O participante que disser que não está ali pelo dinheiro pode colocar tudo a perder. Mas para Biel, o prêmio de R$ 1,5 milhão não foi decisivo para participar de "A Fazenda". "Isso aí eu faço em menos de um ano lá fora. Se eu tiver uma coerência aqui dentro e se eu for quem eu sei quem eu sou", disse em conversa com a participante Luiza Ambiel. "Aqui dentro é 'limpar uma barra' para que eu possa simplesmente trabalhar de novo."

A ideia de espiar pelo buraco da fechadura — e ver as pessoas "como elas realmente são" — ganhou força em "Casa dos Artistas", primeira experiência do gênero na TV brasileira. Feito no improviso, o programa do SBT serviu como laboratório nesse grande show da intimidade e apresentou desconhecidos ao público, além de reintroduzir personalidades no imaginário popular: a mocinha com uma história triste se tornou atriz de novelas (Bárbara Paz), um roqueiro deixou de ser um personagem folclórico e nichado (Supla), um ator que já andava meio esquecido repareceu como o bad boy e se tornou protagonista (Alexandre Frota).

Hoje, a experiência é outra: o acesso à casa é irrestrito e cada fala ou gesto de um participante é escrutinado em tempo real nas redes sociais. Cientes disso, os jogadores tentam aproveitar o ambiente novo, com dinâmicas e relações bem diferentes da vida real, para controlar a imagem. Ou, pelo menos, tentar.

"Sem dúvida, a escolha de ir para um reality não é mais ganhar dinheiro, é de fato você se posicionar. É uma tentativa de mudar a posição de marca", avalia Ana Paula Passarelli, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em influencer marketing. "É uma janela de exposição fantástica para tudo que você tem de bom, mas também para tudo que você tem de ruim."

Biel sobre Jojo Todynho: "Ela tem um hit, eu tenho seis" - Reprodução - Reprodução
Biel cria confusão com Jojo Todynho e dispara: "Ela tem um hit, eu tenho seis"
Imagem: Reprodução

Segunda chance

Em 2016, Biel era uma das apostas da gravadora Warner para o pop brasileiro. O hit "Química" tocava sem parar, e o investimento era alto. Durante encontro com a imprensa naquele mesmo ano, uma jornalista foi às redes relatar ter sofrido assédio sexual por parte do cantor. Biel saiu de cena para "descansar a imagem", mas ela nunca mais foi restabelecida. Algum tempo depois, o cantor voltou a ser notícia, acusado de violência física e psicológica pela esposa. Em ambos os casos, ele dizia que a história não era bem aquela — e que quem o criticava não o conhecia de fato. A proposta de se reapresentar ao público pela TV, em horário nobre, parecia perfeita para retomar a carreira na música.

O trabalho de Ana Paula Passarelli é auxiliar criadores de conteúdo a se posicionarem como marcas — e ensinar as marcas a se conectarem com o público como os criadores. O chamado "rebranding", conceito desenvolvido no marketing para buscar uma nova identidade para marcas e empresas, cai como uma luva nessa imensa gama de celebridades e influenciadores, hoje na casa dos 10 milhões no Brasil, segundo a especialista.

"Tem a ver com o alinhamento da imagem que a personalidade deseja construir perante a opinião pública", observa. "É muito sobre o espírito do tempo e do quanto as pessoas, na verdade, estão com medo de serem canceladas. Quando você constrói uma marca digital, seja celebridade ou influenciador, você não quer que essa marca seja excluída do mundo. Você quer que ela reverbere, que seja positiva."

"Ele queria uma chance de mostrar para as pessoas sua verdadeira essência e estar 24h em uma casa cheia de câmeras era uma ótima oportunidade de conseguir isso", explica a assessora do artista, Anna Evans. "O rebranding não foi algo estrategicamente planejado, como é de costume uma empresa contar com diversos profissionais da área para isso acontecer."

Mas na leitura coletiva do programa, Biel tem polarizado ao lado da dançarina e cantora Jojo Todyinho. Ela monopoliza as atenções nas threads do Twitter, e suas reações espontâneas e estressadas são eternizadas em figurinhas e memes. Biel, por sua vez, não protagonizou nenhum escândalo, mas as observações superlativas da própria carreira e os comentários debochados sobre os outros participantes não escapam das críticas nas redes sociais. A ideia da "fênix" — como ele mesmo se denominou no Instagram — parece que não foi comprada pelo público.

"Não vejo Biel como um mau participante. Ele não tem feito coisas piores do que os seus rivais. Combina votos, articula para proteger os amigos e ferrar os inimigos, ri da desgraça alheia, fofoca, intriga. Enfim, parece um participante comum", observa Maurício Stycer, crítico de TV e colunista do Splash. "Por mais que tenha declarado enxergar o reality da Record como um pano multiuso destinado a limpar a própria imagem, ele parece ter como adversário a própria natureza. Mantém um permanente sorriso 'de deboche', como apontou Jojo Todynho, como se estivesse a dizer: 'Vocês são muito otários de acreditar que eu mudei'".

O que deu errado no caso do Biel? "O que vimos no programa, não foi um rebranding, foi um impulsionamento da imagem do que ele realmente é. Em termos práticos, ele é errado", observa Ana Paula Passarelli.

Meu novo "eu"

O conceito do reposicionamento de marca está cada vez mais presente no mundo pop: tanto na guinada feminista da cantora Taylor Swift, em filmes e canções, quanto no drama pessoal de Lady Gaga — que ela explorou no documentário "Gaga: Five Foot Two". Para além da figura excêntrica do pop, a estratégia ali era de conexão para além do público fiel da música, segundo Passarelli.

"Reposicionamento ou ampliação de público, no final, estamos falando de exposição de pessoas, de vulnerabilidade. Às vezes, algo ruim pode ser usado a seu favor, depende de quem é teu público", diz ao TAB. "A vulnerabilidade é parte estratégica de comunicação. Falar de problemas e imperfeições tem gerado essas conexões. Isso humaniza, nos torna próximos, e isso é básico da comunicação, porque ninguém é perfeito."

Passarelli usa Carl Jung e a ideia dos arquétipos para trabalhar marcas e pessoas no inconsciente coletivo. "O cantor que sobe ao palco está performando um arquétipo, pode ser o do 'fora da lei', como um artista do rock, ou do 'amante', como é comum no sertanejo. Nós, reles mortais, nos conectamos com eles porque temos arquétipos dentro da gente. A gente constrói signos e símbolos que estão por aqui, juntando e colando na gente como bagagem, como uma mala cheia de etiquetas."

Entender seu arquétipo — e em que momento é preciso mudá-lo — é a chave do sucesso. "Ninguém lembra mais da Kéfera, porque as pessoas se desconectaram, o arquétipo mudou, aquilo que ela representa não é mais o que eu sou. Quando você percebe que essa conexão com o público começa a descer, é o momento de se pensar", exemplifica.

Rafa e Manu durante o Big Brother 20 - Reprodução/Globoplay - Reprodução/Globoplay
Rafa e Manu durante o Big Brother 20
Imagem: Reprodução/Globoplay

Quem sou eu?

Na última edição do Big Brother ficou escancarado até onde vai a preparação dos participantes. A influencer Rafa Kalimann fez um "coach" antes de entrar em confinamento — e saiu de lá com o carimbo de "fada sensata". Na avaliação de Passarelli, não houve mudança na marca, mas Rafa ampliou o público que ela já tinha — mais do interior, ligado ao sertanejo.

Para a especialista, quem mais se saiu bem foi a cantora Manu Gavassi, que buscava se reafirmar na música. "Agora, o Brasil inteiro conhece a Manu. Era importante para ela conseguir sair da bolha e mostrar que não era mais aquela menina da Capricho."

Entre o rebranding e o alcance de público, Jojo Todyinho experimenta os dois lados. "Por mais que ela já tenha participado de projetos com a Anitta e amplificado sua voz dentro do território dela, havia ainda um preconceito grande. Ali, ela está se humanizando muito, mostrando que tem problemas como todo mundo, briga como todo mundo", analisa. Nesse rol de arquétipos, é como se Jojo representasse o 'cara comum', o 'gente como a gente'. "Isso gera conexão, ela se torna figurinhas. Ela está sendo a expressão do brasileiro neste momento. E isso é super importante."

Biel pode ter falhado na sua missão, mas isso não quer dizer que ele não tenha passado pelo reality sem essa identificação. No fim, toda vez que foi para votação do público, o cantor conseguiu mobilizar torcidas, hashtags e mensagens de apoio para continuar por mais uma semana no programa. Na votação da última quinta (15), com recorde de votos, o participante se safou da eliminação mais uma vez e ganhou afagos do apresentador Marcos Mion.

"Todo arquétipo tem representantes de muitas formas, dependendo do lugar que você está, do ponto de vista de simbologia que você tem, e isso é complexo", explica Passarelli. "A gente tem representações de heróis que não necessariamente é o nosso herói. E o Biel pode ser o herói dessa turma, o cara comum dessa galera. E acontece mesmo, porque aí tem o recorte ideológico."

A equipe de Biel comemora o desempenho na atração. "Ele se mostrou simplesmente um ser humano, que acerta, erra, fica triste e se conecta com pessoas. É unânime em nossa equipe o orgulho que estamos dele e ver tantas pessoas nos apoiando é indescritível", diz a assessora do artista.

Stycer acompanha e analisa os realities há anos, e espera que a passagem de Biel não tenha o efeito desejado. "Reality show não deveria servir para isso. Em todo caso, a culpa não é de Biel, mas da Record, que o convidou, sabendo de tudo que ele fez e possivelmente sugerindo que o programa seria uma grande oportunidade para remodelar a imagem."