A 'vigília patriota' que já dura 40 dias, em frente a um batalhão em BH
Na manhã de 21 de abril, carros com bandeiras verde-amarelas, buzinas e faixas demonstrando repúdio ao STF (Supremo Tribunal Federal) e apoio ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e às Forças Armadas se reuniram na praça Tiradentes, em Belo Horizonte, e seguiram rumo à rua dos Timbiras, na região centro-sul da cidade. É lá que o acampamento "O Poder Emana do Povo" está instalado há 40 dias.
Cerca de 13 barracas de camping armadas na calçada são ocupadas por militantes que se revezam em turnos para dormir ali. Flâmulas com o rosto do presidente, bandeirolas e estandartes do Brasil e de Israel, cartazes pendurados em árvores pedindo apoio do Exército para "ajudar o país" decoram a esquina que abriga o 12º Batalhão de Infantaria. "Comunismo Não. SOS Exército Brasileiro", "Liberdade com as Forças Armadas", "Deus, Pátria e Família" e "Belo Horizonte apoia totalmente Jair Bolsonaro" são algumas das faixas espalhadas pelo lugar.
Próximo à avenida do Contorno, uma das vias de acesso mais movimentadas da capital mineira, o acampamento atrai olhares dos transeuntes. Perto dali ficam dois hospitais de alta circulação. Buzinas e gritos de guerra de quem passa por ali são acolhidos com apitos, frases de efeito e palmas.
A opção simbólica de se instalarem perto do Batalhão foi também uma estratégia de segurança, destaca um dos coordenadores do movimento, Rodrigo Eustáquio, 48. "O Exército não se envolve, mas nos trata com respeito. Sabemos que existe perigo. Quem é contra a gente não consegue expressar isso com educação e nos chama de genocidas. Mas todas as manifestações são anotadas: temos 75% de apoio e 25% de hostilidade."
Troca de guarda
O acampamento tem fluxo intenso de pessoas: além de ser alta a rotatividade entre os alojados nas barracas, muitos passam por ali só para visitar. Apesar de não haver cronograma, uma oração é feita todos os dias pelas manhãs e às 18h, respeitando as crenças cristãs.
Rodrigo Eustáquio atua no ramo da construção civil, é casado, tem dois filhos e é um dos membros que dorme no local noite sim, noite não. A esposa também participa do movimento. Seu interesse pela política surgiu em meados de 2018.
Hoje ele segue fielmente todas as notícias, principalmente as postadas nas redes sociais. Ao ser abordado pela reportagem, o grupo fez questão de saber onde sairia a reportagem, e preferiu mais o silêncio do que a conversa.
As informações que circulam nessas redes promoveram a união de seis grupos de WhatsApp, que se mobilizaram para a vigília, que virou acampamento. Há ali membros dos denominados Liga das Mulheres, Nação Verde Amarela, União Nacional de Direita, Movimento Verdade e Vida, Direita BH e Patriotas, ativos na ferramenta desde abril de 2019.
Apesar de não ter pauta definida, o acampamento assume como missão dar apoio total às decisões de Jair Bolsonaro sob a garantia das Forças Armadas e reivindicar mudanças nas posturas do STF e do Congresso. "Não temos data para saída. Quando percebermos que a moralidade começou a voltar, especialmente no Judiciário e no Legislativo, podemos pensar em levantar o acampamento", afirma Rodrigo.
Apesar dos receios das reações negativas, o grupo têm recebido apoio em forma de buzinas — algumas pessoas até colaboram, levando lanche e garrafas de água. "Em datas mais simbólicas, como o 31 de março, quando, a pedido do povo as Forças Armadas não deixaram o comunismo se instalar no Brasil [sic], fazemos chamados [pelas redes sociais] e convocamos as pessoas. O foco total é a solução para o nosso país."
Forças ocultas
O "comunismo chegando" parece assombrar o grupo como força presente, que repete o "alerta" a três por quatro. Uma das responsáveis por enviar os convites é Cibele Itaboray, 47. Participante do Movimento Verdade e Vida, ela destaca que o grupo foi criado para mostrar que o Brasil nunca foi de direita e as pessoas precisam se inteirar melhor sobre a política nacional. "Hoje, corremos o risco de mudar do socialismo para o comunismo."
Ela diz que sempre se interessou pela política, e grande parte de sua família tem posições divergentes da sua. "Na reeleição da Dilma [Rousseff], joguei tudo para o alto e fui para os Estados Unidos. Fiquei lá 2 anos e voltei em 2017. Tive que voltar e lutar pelo meu país." Por uma lista de transmissão no WhatsApp que conta com aproximadamente 300 contatos, ela compartilha convites e atualizações sobre o movimento.
Presente desde o início da ocupação, Cibele considera gratificante saber que outras pessoas sentem o mesmo ímpeto de mudança política que ela. "Espero o despertar de outros. As pessoas estão com medo de ir para a rua. Fizeram um terrorismo danado [sobre a covid-19]. Em 40 dias aqui, ninguém adoeceu."
Apesar de alguns participantes usarem máscaras, a proteção não é unanimidade. "O que estamos fazendo aqui é o mínimo. Ainda é pouco. Falta que o povo tenha coragem de vir e tirar o temor do vírus, do Exército e de achar que o Bolsonaro é um 'carranca', porque não é."
O movimento atrai um público de diversas idades: é comum ver circulando no lugar famílias com crianças e adolescentes. Apesar de não estar acampada, Jeane Patrícia Gonçalves, 24, dedica pelo menos cinco horas do seu dia ao movimento. "Diante deste cenário político, decidi apoiar ainda mais a causa."
Trabalhando em home office, a gerente de academia e estudante de ciência política acompanha o noticiário desde os 19 anos. Foi em 2018 que entrou de cabeça nos movimentos mais ativos. Ela contribui cuidando do Instagram, divulgando as manifestações e postando fotos do acampamento. Os convites têm surtido efeito: cerca de mil veículos passaram pelo acampamento durante o feriado, onde foram recebidos ao som do Hino Nacional e o balançar de bandeiras verde-amarelas.
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