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Série Olímpica: escultura de atleta com disco é ícone pop e fascinou Hitler

O atleta brasileiro Ronald Julião, nas provas classificatórias dos Jogos Olímpicos de Londres (2012) - Kai Pfaffenbach/Reuters
O atleta brasileiro Ronald Julião, nas provas classificatórias dos Jogos Olímpicos de Londres (2012)
Imagem: Kai Pfaffenbach/Reuters

Mônica Manir

Colaboração para o TAB, de São Paulo

24/07/2021 04h01

Vão-se os anéis, fica o disco. Pode reparar: na ausência eventual dos cinco anéis coloridos que representam a Olimpíada, normalmente é o Discóbolo quem ocupa seu lugar no marketing esportivo do evento. Estátua do escultor grego Míron, ele mostra um atleta em todo o seu vigor muscular prestes a lançar um disco. É a escultura de um desportista em ação mais celebrada no mundo.

Fascinou Hitler, que comprou uma das milhares de cópias da obra para decorar a Gliptoteca de Munique, museu de esculturas concebido para ser uma Atenas alemã. Tornou-se também símbolo do curso de Educação Física e virou uma das poses mais reproduzidas pelos fisiculturistas em suas exibições. Um ícone pop, enfim.

Homero também puxou o disco para a sua "Ilíada", ao descrever um funeral em que aparecia o implemento. Mas foi o Discóbolo e suas réplicas que ajudaram a cravar a ideia de que o lançamento do disco é o mais antigo dos lançamentos do atletismo, superando em ancestralidade o dardo e o martelo.
Míron o teria moldado em bronze para botar no Palácio de Atenas como homenagem ao antigo pentatlo, que agregava, como o nome diz, cinco provas: lançamento de disco e de dardo, salto em distância, corrida de 192 metros e luta grega. O ganhador teria o status de um semideus.

No pentatlo moderno, pensado para cultuar os militares, o disco caiu. Mas se manteve na prova do decatlo e em competições individuais, que em nada lembram a pose escultural e contemplativa do Discóbolo.

Discóbolo no Museu Nacional Romano (Palazzo Massimo alle Terme), na Itália - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
Discóbolo no Museu Nacional Romano (Palazzo Massimo alle Terme), na Itália
Imagem: Wikimedia Commons

Num círculo de 2,5 metros de diâmetro, cercado por uma gaiola ou grade de proteção, o lançador segura o disco com as falanges distais (as pontas dos dedos). A regra permite que passe pó de magnésio na mão, se isso lhe dá mais firmeza.

Ele então estica o braço contrário. Faz rapidamente um giro e meio e lança o implemento, que precisa aterrar num funil de grama pré-marcado à sua frente. Enquanto o implemento não aterra, o atleta fica ali, preso ao círculo, acalmando as cordas vocais estressadas pelo grito. Se, ao lançar, seu pé tocou com tudo ou apenas triscou no anteparo, ele queimou a tentativa. Se sair do chiqueirinho antes da aferição do juiz, idem.

Quando autorizado a se retirar, precisa fazê-lo por trás do círculo, nunca pela frente nem pelo lado, numa espécie de reverência ao gramado. Se o disco bater na tela de proteção, um desvio de rota mais comum entre os neófitos, o atleta pode lançar novamente como se nada tivesse lançado. Na Olimpíada e nos Mundiais, são três tentativas para a qualificação e mais três na final.

O atleta alemão Robert Harting, um dos maiores ganhadores de medalhas no lançamento de disco, na final do Campeonato Mundial em Daegu (Coreia do Sul), em 2011 - Kai Pfaffenbach/Reuters - Kai Pfaffenbach/Reuters
O atleta alemão Robert Harting, um dos maiores ganhadores de medalhas no lançamento de disco, na final do Campeonato Mundial em Daegu (Coreia do Sul), em 2011
Imagem: Kai Pfaffenbach/Reuters

Voo estável

Para não fugir à regra, a versão masculina do implemento pesa mais que a feminina — no caso, o dobro. O disco para homens tem 2 kg, o para mulheres não passa de 1 kg. A maioria tem borda de metal, em aço ou bronze. Os pratos podem ser de madeira, plástico, alumínio.

Iniciantes costumam começar com discos com menos peso nas bordas. A versão em borracha com centro colorido, por exemplo, tem feito sucesso entre eles. Estão na fase de aprimorar a técnica. À medida que avançam na velocidade e na força, buscam mais porcentagem de metal, que pode chegar a até 95% do implemento. Atualmente, o modelo mais usado pelos atletas brasileiros tem borda e centro de aço, com pratos de plástico. Fundamental em todos eles é que mantenham a estabilidade no voo e não saiam ziguezagueando. O custo de um disco novinho em folha pode chegar a R$ 1.200.

De tanto uso, o implemento com que Ronald Julião bateu o recorde brasileiro com 65,55 metros se danificou. Aos 36 anos, ele acaba de deixar as competições como atleta e, a partir de julho, se inicia como assistente do técnico João Paulo Alves da Cunha, que foi seu treinador em São Caetano do Sul e hoje está em Tóquio como um dos 17 treinadores convocados pelo Comitê Olímpico Brasileiro.

Ronald não morreu de amores pelo implemento quando começou no atletismo, aos 13 anos. "Achava aquela prova chata, não conseguia segurar direito o disco, sentia que ele ia cair." Conquistou antes uma medalha no arremesso de peso, e seguiu conjugando peso e disco, algo relativamente comum entre os atletas, até a primeira prova oficial do menos querido, que o alavancou instantaneamente à liderança do ranking nacional.

A partir do Sul-Americano de 2001, o atleta passou a integrar a seleção, e assim foi até 2017. O disco lhe abriu as portas do mundo. Ronald treinou em Cuba, na Espanha e nos Estados Unidos — onde comprou o disco com que quebrou o recorde brasileiro. "Digo que não fui eu que escolhi o disco, foi o disco que me escolheu", afirma ele, com seu riso de 1,94 metro de altura, em entrevista ao TAB.

O brasileiro Ronald Julião, na prova de lançamento de disco da Olimpíada de Londres (2012) - Pawel Kopczynski/Reuters - Pawel Kopczynski/Reuters
O brasileiro Ronald Julião, na prova de lançamento de disco da Olimpíada de Londres (2012)
Imagem: Pawel Kopczynski/Reuters

Sobrecarga e lesões

Os lançamentos constantes nos treinamentos - podem chegar a 60 diários - não raramente provocam lesões. Por ironia da linguagem, hérnias de disco são comuns. Ronald tem duas delas na lombar. Usava o cinturão para tentar evitar mais sobrecarga na coluna, mas o limitava aos treinamentos e à musculação. Temia que o cinto, ainda que permitido pelo regulamento, caísse para fora do círculo sagrado na hora H da competição, algo que o regulamento condena. "Vai que ele se soltasse e queimasse minha tentativa."

A escola alemã fez história no disco, especialmente nos anos 1980. É de um deles, Jürgen Schult, o recorde mundial desde 1986, com 74,08 metros. O alemão foi ouro em Seul 1988. Nas décadas seguintes, mais destaques germânicos: Lars Riedel, que venceu cinco mundiais, de 1991 a 1997, e novamente em 2001. E Robert Harting, conhecido como Salsicha, com nada desprezíveis 70,31 metros e um jeito folclórico de comemorar as vitórias, rasgando a própria camisa e correndo pela pista com uma bandeira do seu país. O sueco Daniel Stahl, atual campeão mundial com 68,72 metros, está na sua cola.

A atleta brasileira Andressa Oliveira de Morais, medalha de prata no lançamento de disco nos Jogos Panamericanos de Lima, em 2019 - Wander Roberto/COB - Wander Roberto/COB
A atleta brasileira Andressa Oliveira de Morais, medalha de prata no lançamento de disco nos Jogos Panamericanos de Lima, em 2019
Imagem: Wander Roberto/COB

No feminino, a alemã Lisel Westermann foi a primeira a vencer os 60 metros. Uma russa a sucedeu, Faina Melnik, ultrapassando os 70. Mas, então, adivinhe: representando a Alemanha Oriental, Gabriele Reinsch faturou o Mundial em Neubrandenburg, a cidade alemã das quatro portas góticas, com 76,80 metros. Uma fortaleza em termos de marca. Ainda não houve disco, masculino ou feminino, que tenha voado para além desse limite.

Nomes para ficar de olho em Tóquio: Atual recordista sul-americana do disco, com 65,98 metros, a paraibana Andressa Oliveira de Morais vai para a sua terceira Olimpíada. Já a paulista Izabela Rodrigues da Silva faz sua estreia, depois de obter sua melhor marca, 62,18 metros, no 52º Campeonato Sul-Americano Adulto de Atletismo, em maio de 2021.