'Desce esse glúteo': homens de 40 anos se reúnem para malhar em praça de SP
Depois de duas semanas seguidas com baixíssimas temperaturas, naquela manhã de sábado, os termômetros de São Paulo marcavam 17 ºC. Era praticamente uma brisa de verão em comparação à frente fria que atormentou a cidade ultimamente. Por volta das 10h, a praça Roosevelt, na região central, se recuperava de mais uma noite de festa com gente se aglomerando, apesar da proibição. Os garis varriam o chão e a escadaria — cheios de garrafas de vidro, copos de plástico e papel — enquanto algumas pessoas assistiam aos seus cachorros correrem e outras faziam aula de patins.
"Desce esse glúteo", gritava um homem, orientando um grupo que repetia movimentos de agachamento, interrompidos de tempos em tempos por um alarme de celular. A voz vinha da área onde funciona uma cafeteria, no canto da praça, ao lado da base da Polícia Militar. Em duas faixas que mais pareciam bandeiras, era possível ler "Se Vira nos 40". Ali, ao ar livre, 11 homens executavam com afinco uma série de sete exercícios com intervalos de 20 segundos. "Isso, gente, vai", repetia o instrutor.
A aula particular acontece todo sábado de manhã e reúne um público majoritariamente gay. À frente dos alunos, quem dá as coordenadas é o personal trainer e modelo Marcelo Bal, 47, um homem grisalho, de braços musculosos e vestindo uma camiseta regata com o nome do projeto. Cada aluno, sobre um colchonete fino, usando máscara e guardando distância dos demais colegas, cumpria os direcionamentos do professor e de seu assistente Heriberto Mota. Uma câmera posicionada sobre um tonel de ferro transmitia tudo ao vivo no Instagram.
'Não é exclusivo'
Marcelo Bal é de Itaíba, cidade do interior de Pernambuco. Mudou-se para São Paulo em 1993, com uma vida cheia de idas e vindas. Ele trabalhou até 2011 na área administrativa de um banco na capital paulista e, nesse período, conta, a empresa exigiu que todos os funcionários tivessem uma graduação. "Não importava a área, tinha que ter curso superior", lembra. "Como eu gostava de dançar e praticar esporte, decidi fazer faculdade de Educação Física." Já formado, em 2011, Bal saiu do antigo trabalho para ser personal. Pouco tempo depois, em 2018, chegou a voltar para a terra natal, em 2018, onde abriu uma academia. Decidiu, no entanto, morar de novo em São Paulo em 2020, quando começou a criar o projeto Se Vira nos 40, com o ex-aluno e agora sócio Alisson Souto.
"Ele tinha sofrido um acidente no crossfit e não queria voltar para a academia. Procurava fazer algum exercício de peso corporal, e me conheceu através de amigos em comum. Propôs que eu começasse a dar aulas", explica o professor. "Começamos a pesquisar locais abertos. Com [os parques] Ibirapuera e Villa-Lobos lotados de gente, decidimos fazer na Roosevelt, que era perto de onde moramos."
O negócio vingou. A aula particular foi juntando outros amigos — e amigos de amigos; cresceu ao ponto de ter cerca de 40 alunos. "No início, vinham mais pessoas da nossa faixa etária, amigos nossos, a maioria gays. Depois vieram pessoas mais velhas, mais novas, de todos os grupos, corpos, gays, héteros", conta. Os treinos só pararam mesmo por causa da pandemia, com as regras de isolamento e distanciamento social. "Quando íamos completar 1 ano das aulas, teve a quarentena. Passamos a dar aulas online, com live no Instagram."
Faz três meses que o grupo retornou à praça Roosevelt, com restrição de quantidade de participantes. Cada um paga um valor mensal de R$ 100.
'Uma família'
O advogado Manaem Duarte, 40, foi o primeiro aluno do projeto. Chegou lá por acaso. Num sábado, acordou assustado com o alarme de incêndio do prédio onde mora, próximo à Roosevelt, e desceu do 26º andar correndo pelas escadas, até descobrir que era uma falha do sistema de segurança. "Aí falei: 'Gente, vou tomar um café na rua mesmo'. Fui pra praça e vi o Marcelo e o Alisson. Eles estavam fazendo os exercícios usando a camiseta com a marca do Se Vira nos 40. Logo perguntei do que se tratava e entrei." Hoje, ele frequenta as aulas com o namorado, o também advogado Rodrigo Forlani.
Praticante de yôga há 15 anos, Duarte conta que os exercícios físicos complementam seu projeto pessoal de qualidade de vida — inclusive pensando no futuro. "Aos 40 anos, a gente precisa criar esse planejamento. Porque a gente cria planejamento previdenciário, mas também tem que pensar no físico, para que a gente possa ter autonomia na velhice", explica.
Com o tempo, juntou-se também o útil ao agradável. Além desse fator físico, afirma o advogado, o coletivo tem um fator emocional, de apoio mútuo. Os alunos criaram um ciclo de amizade que vai além dos exercícios semanais. Eles fazem festas e passeios juntos. "Agora no finalzinho de julho, fiz uma festa 'julina' aqui em casa", diz.
Para o psicólogo Rodnei Zilio, o grupo é como uma família. "O objetivo inicial era ampliar a minha frequência de exercícios, mas também socializar e ampliar o meu círculo de amigos, beneficiando a minha qualidade de vida", diz. O mais alto do grupo e também um dos mais enérgicos, naquele sábado, Zilio fazia piadas e brincadeiras arrancando risos dos colegas.
"A família Se Vira nos 40 é uma 'porta de acesso' para todos. Não temos restrições de idade, orientação sexual, altura, credo, peso, é um espaço para quem pretende promover saúde", conta Zilio. "Entretanto, o público gay tem uma participação expressiva no projeto. Me sinto acolhido na academia que frequento, mas no Se Vira nos 40 a energia transcende. O grupo se mantém unido, tanto na alegria, como nas lágrimas."
'Vai, Malandra'
Na calistenia — método de exercícios usado por Marcelo Bal para as aulas —, os alunos recorrem ao peso do próprio corpo para definir a musculatura, perder gordura e aumentar a resistência física. Eles saltam, se agacham e se equilibram em movimentos repetitivos. Malham bíceps, tríceps, costas e glúteos. O que não é fácil. "Força na peruca", instigava o professor assistente, Heriberto Mota, na terceira das quatro séries.
Para dar um empurrãozinho e animar os alunos, recorre a uma trilha sonora animada, basicamente com música pop e house — prato cheio para quem quer matar a saudade de baladas. É como uma festa ao ar livre. Às vezes, há até DJ profissional, amigo do grupo, que em momentos de folga faz uma pequena apresentação.
E o som ajuda, mesmo. Os tais 17 ºC que faziam naquele sábado já estavam superados. À medida que o corpo suava e a endorfina era liberada, os rapazes já esqueciam o frio e tiravam as camisetas. "Quando começamos na praça, tinha gente que pensava que só podiam participar homens com corpos perfeitos. Tem que tirar a camisa? Não. Tira quem quiser. Não importa se você é gordo ou magro", pondera Marcelo Bal.
Embora o nome do projeto se refira aos 40 anos, a ideia do professor é ampliar o público, sem qualquer restrição. Tanto que pretende rebatizar o projeto para Se Vira nos Enta — "aí pode participar que tem 40, 50, 60, 70, 80. Não importa a idade", brinca.
Depois de quase uma hora de malhação, a trilha sonora era "Vai, Malandra", de Anitta. Numa paradinha rápida entre as repetições, os alunos aproveitavam para fazer selfies. Bal virou a câmera do celular e os outros se posicionaram para o retrato. O esforço merecia um "biscoito", mais tarde, nas redes sociais. Já quem acompanhava a live de casa ganhou aquele ângulo extra de visão: era possível "passear" com o professor checando o último exercício abdominal dos alunos. "Olha o drone, agora. Conferindo os abdomens", filmava ele, um a um.
No final do treino, os alunos se organizaram para fazer uma foto posada levantando Marcelo Bal nos braços. "Tava pago", como diz o vocabulário das academias. "Agora nós vamos ficar aqui no café, pra fazer a social", explicava o professor. "Se vocês quiserem, também podem ficar." Não parecia, mas ainda fazia frio — pelo menos para o repórter que não malhou.
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