Um lugar apertado: um domingo na casa de 3 cômodos de Maria do Socorro
Em toda sua vida, Maria do Socorro Rodrigues Souza, 37, só teve cama de casal por alguns meses. Moradora de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, a monitora escolar no CEU de Paraisópolis vive com o marido Claudinei Francisco dos Santos, 36, e os nove filhos em uma casa que não comporta a família toda.
Na vida dela, sempre foi assim. Ao longo dos anos, teve de se acomodar em casas pequenas com os familiares e nunca saiu de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo.
Ainda jovem, quando morava com os pais e quatro irmãos, a falta de privacidade já era parte da rotina. "Eu e minha família dormíamos de dois em dois em camas de solteiro. Só dava para dormir na mesma posição", relata. Com 20 anos, ela saiu da casa dos pais e se casou.
Desde então, a dinâmica doméstica repete os apertos e dificuldades da infância. Mãe de muitos filhos, Maria do Socorro diz que tenta há anos fazer laqueadura pelo SUS, sem sucesso. "Em 2018 cheguei a fazer todos os exames, mas minha mãe estava longe e o pai das crianças tinha saído de casa. Não tinha com quem deixar meus filhos para fazer o procedimento", conta ela à reportagem. Em 2020, procurou novamente o sistema de saúde, mas segundo ela, esse tipo de cirurgia estava suspensa por causa da pandemia.
A casa onde a família mora hoje tem dois quartos pequenos, um banheiro, um corredor onde se dá no máximo três passos e uma laje no andar superior. Maria do Socorro conta que a disposição dos móveis precisa ser bem calculada, afinal, são onze pessoas circulando. "Não temos possibilidade de nos mover, então deixamos tudo sempre no mesmo lugar para que ocupe menos espaço", relata.
A geladeira da casa fica no quarto de Maria do Socorro. À esquerda do cômodo fica a cama de solteiro onde ela dorme com o marido. À direita, posicionou o berço da filha mais nova.
O fogão foi instalado no corredor, próximo à escada caracol vermelha que dá acesso à laje. Embaixo dela, um móvel improvisado segura o micro-ondas. No peitoril do corredor há uma tábua de madeira usada como mesa e aparador de mantimentos.
Ela conta que, antes de a filha mais nova nascer, dez meses atrás, uma cômoda no pequeno corredor ocupava todo o ambiente. "Na hora de passar, tínhamos que nos espremer. Às vezes, as crianças esbarravam e acabavam se machucando", comenta.
É a primeira casa da família com laje e melhor ventilação. É nessa laje que Maria do Socorro instalou uma pia para lavar as louças, uma máquina de lavar, o varal, uma cômoda onde guarda sapatos e alimentos e o armário de cozinha com pratos, panelas e utensílios. Toda vez que alguém quer tomar um copo de água, sobe até a laje. O espaço também serve de lazer para as crianças. Esta é, até hoje, a maior casa que a família ocupou.
No aperto de sempre
Em 2014, Maria do Socorro foi morar em uma ocupação de barracos — cada um tinha apenas um cômodo. Ficou ali sete anos. Sobre o chão de terra, colocava um colchão de casal onde dormiam ela, o marido e os cinco filhos. O pequeno banheiro mal dava para usar, já que a água só chegava de madrugada — e nem sempre. "Essa foi a pior moradia que já tive. Não podíamos nem nos mexer de tão apertado que era", relembra.
A primeira e única cama de casal, citada no começo desta reportagem, foi conquistada tempos depois e era dividida entre ela, o marido e as crianças, numa casa de alvenaria de dois cômodos para onde se mudaram. Durou pouco. Como passou um tempo separada do marido e teve atraso no recebimento do salário, teve de se desfazer dos móveis, inclusive da cama e do colchão.
Saiu da casa e, no meio da pandemia, passou a procurar outra. O ponto fundamental foi o valor — R$ 600 de aluguel, no máximo.
Rotina de aperto
Mesmo sendo a maior casa em que a família já morou, a dinâmica de um domingo deixou claro as dificuldades. Os banhos precisam ser organizados para ninguém ultrapassar o tempo.
Os brinquedos se espalham pelo chão no quarto onde as crianças dormem, divididas em três colchões no chão e uma beliche. Um guarda-roupa grande toma toda a parede. A televisão, presente de Natal de 2020, acaba transformando o cômodo em sala. Cada um pega seu prato e se senta no chão para comer. Não existe a possibilidade de a família fazer as refeições em conjunto.
A laje é o único espaço que comporta a todos, mas a pia cheia de louças (Maria convive com a falta d'água, sempre à noite) e as roupas no varal impossibilitam a permanência.
No meio da lavação de louça, Elisa, 13, para de mexer no celular e vai cuidar da irmã mais nova. Sua mãe toma seu lugar para encher a panela de pressão, pois ninguém tinha almoçado ainda (eram 14h). Naquele dia, contudo, a água acabou mais cedo. A panela ficou esquecida no fogão.
Perto das 15h, a água voltou. O grito do marido avisando soou como alívio para Socorro, que já via as crianças na expectativa do almoço.
O sonho de mudança está vivo entre os filhos. Elisa sonha em ter um quarto grande. Ela demora a narrar o que teria no cômodo idealizado: uma cama grande, tudo roxo, com pôster da banda sul-coreana BTS. Fica desconfortável quando repara a presença da mãe. O medo de magoá-la fala mais alto e Elisa silencia.
Socorro segura a bebê no colo e distrai as outras crianças, enquanto a reportagem se espreme próxima ao batente da porta.
Se o sonho da casa grande é mais detalhado no relato da jovem, para Maria do Socorro o desejo se concretiza com pouco. Olha para o outro lado da rua e aponta para uma casa com um cômodo a mais. "Uma casa desse tamanho já seria o suficiente."
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