Casamento comunitário em SP tem noiva com queda de pressão e cerveja gelada
"Vocês estão indo para o casamento comunitário?", perguntou Carlos Eiran, 57, enquanto dirigia até o CTN (Centro de Tradições Nordestinas) no bairro do Limão, zona norte da capital de São Paulo. "Me casei nesse negócio há mais de dez anos atrás, no estádio de Osasco", contou o motorista de aplicativo. "Bem que poderia ter um divórcio comunitário também", disse, desatando uma risada.
No último sábado (27), o local recebeu 30 casais para a décima edição do casamento comunitário, um evento que oficializa matrimônios gratuitamente. No portão do CTN, já era possível avistar mulheres de branco andando no estacionamento em direção à entrada do local. Passando pela vila temática do Pelourinho, os restaurantes começavam a limpar as mesas e o cheiro de coentro e comida boa já escapava das cozinhas.
"Me perguntaram se vou beber hoje", comentou uma moça com uma amiga enquanto fumavam um cigarro na entrada do local. "Mas é claro que vou, estou em um casamento, pô".
Nuvens de laquê
Na véspera do casamento comunitário, o camarim do CTN recebeu o cantor sertanejo Tierry, que se apresentou para mais de quatro mil pessoas na plateia. Na manhã de sábado, o cenário era outro. Perto dos espelhos, bolsas abarrotadas de maquiagem disputavam espaço com chapinhas e babyliss que davam os últimos retoques dos penteados das noivas.
Com o cabelo loiro caindo em uma cascata de cachos, a vigilante Dayane da Silva, 37, chamou uma amiga para fazer a maquiagem profissional do casamento. Ao seu lado, em silêncio, Sydney Bolivar, 45, também vigilante, assistia à futura esposa.
Em 2019, contou a vigilante, o casal quase oficializou a relação no CTN. "Eu trouxe todos os documentos, fiz tudo certinho, mas ele desistiu de última hora", disse, olhando em direção ao noivo.
Apesar do pequeno contratempo, o casal, junto há cinco anos, agora vai casar pra valer. Bolivar se emociona com a chegada da cerimônia. Ano passado, o vigilante perdeu a mãe para a covid-19. "Casamento e família são duas coisas muito importantes para mim", contou. "Nós nos respeitamos muito. A Dayane é várias mulheres em uma só. Ela é minha namorada, esposa, amante e amiga".
"Para, que você vai me fazer chorar", advertiu a noiva, levando os dedos indicadores abaixo dos olhos para secar os princípios de lágrimas. Pouco antes de sair do camarim, a maquiadora prendeu o véu no penteado de Silva. Pronta, ela saiu do camarim satisfeita, com o olhar mágico e ao mesmo tempo melancólico, coisa que só uma noiva consegue carregar.
O achado
Não muito longe da vigilante, Lais Mineiro, 38, aguardava o momento de colocar o vestido em uma das cabines do camarim. Apesar de tímida com a ideia de dar uma entrevista no dia mais especial de sua vida, a cabeleireira e manicure disse que estava mais calma do que imaginava. "Olha que eu nem tomei remédio", disse.
Olhando para os vestidos das companheiras de cerimônia, Mineiro celebrou a sorte que teve ao encontrar o seu. "Me avisaram que uma loja de vestidos de noiva fechou e doaram todo o estoque para um brechó de igreja em Cajamar", explicou. "Foi um achado, sabe? É um vestido de noiva mesmo. Tanto é que tive que pedir para tirarem um pouco do tule, senão ficaria muito exagerado".
Econômico nas palavras, Fernando Aparecido, 37 anos, auxiliar de laboratório, não quis entrar em detalhes sobre a combinação de camisa rosa e terno preto que escolheu para a cerimônia. "A ideia de casar foi toda dela", apontou para a namorada, que confirmou: "Eu tava planejando amarrar ele, hoje eu consegui".
Os últimos românticos
Levantando a barra do vestido para não sujar no chão de cimento queimado do CTN, a noiva estende o pé descalço para que o noivo a ajude a calçar uma delicada sandália bege. Os dois sorriem juntos, como se dividissem um grande segredo. "Meu nome é Daniela Alcântara, e agora vai ter o Santos no meu sobrenome", avisou a operadora de telemarketing de 26 anos logo no começo da entrevista.
Eles se conheceram em 2012. "Eu estava de carro com o meu primo e vi a Daniela andando na rua", relembrou Ivan Mendes dos Santos, 32, operador de estacionamento. "Dei ré no carro e disse que queria conhecê-la. Nunca mais nos desgrudamos depois disso".
Desde o começo do relacionamento, Santos avisou que queria "uma coisa séria". "Fui direto falar com o pai dela", disse. Ao seu lado, Daniela faz as contas. "Nós nos conhecemos no dia 16 de setembro de 2012. No dia 26 já estávamos colados".
O casal ficou sabendo do casamento comunitário pela rádio. Eles decidiram então fazer o casamento no CTN pela conveniência e pela economia. "Depois da pandemia, os lugares mais em conta que achamos giravam em torno de R$ 1.800 e R$ 2.000, disse Santos.
Casar era um sonho antigo, mas o casal adiava o sonho para montarem a casa que construíram em Embu das Artes (SP). Agora, finalmente, vão conseguir oficializar o romance diante de centenas de testemunhas. "É uma experiência muito legal, porque você vê o sentimento de cada um aqui. Da minha parte, digo que estou aqui por ela. Foi a Daniela quem fez quem eu sou, um homem melhor por causa dela".
Perto do palco, dançando sem parar e contando os minutos para o começo da cerimônia, outro casal transbordava animação para andar no tapete vermelho esticado em frente ao palco principal do CTN. "Nós somos assim o tempo todo, é por isso que nos damos tão bem", disse Denise Borges de Oliveira, 57, executiva de contas, para Jefferson dos Santos Silva, 53, consultor de viagens.
O início do namoro que já dura 16 anos começou da mesma forma: dançando. Silva era instrutor de dança em uma academia onde Oliveira era aluna. "Ele me chamou para dançar depois da aula", relembrou ela. Ao contrário de grande parte dos casais, Liliane e Jefferson vão estender a celebração no salão de festas do prédio, onde terão uma benção religiosa".
Maratona de festas
Desde a volta às atividades, o CTN não parou mais. Nos finais de semana, o local oferece quase 48 horas seguidas de atrações musicais. Nas poucas horas em que fecha para o público, os funcionários correm para limpar e organizar o local e abrirem mais uma vez para outra maratona de festa.
Munida de rádio, máscara e muita pressa, uma das produtoras do local comentou que a previsão do sábado é encerrar as atividades só quando os primeiros raios de sol do domingo começarem a aparecer no céu.
O casamento comunitário recebeu 30 casais. Antes da pandemia, na edição de 2019, o número de casamentos chegava na casa das centenas. Neste ano, recebendo um número muito reduzido de inscrições, a quantidade modesta de casamentos tornou o evento quase intimista — a ponto da cerimônia atrasar alguns minutos para esperar alguns noivos atrasados. "Sempre tem uma desistência de última hora também, vamos ver esse ano", disse uma das produtoras do evento.
Os restaurantes em torno do palco principal já funcionavam a todo vapor. Na porta de cada um deles, garçonetes com menus em mãos tentavam laçar potenciais clientes que passavam por perto, distraídos. "Agora não, moça", avisou um homem de terno quando uma das funcionárias lhe estendeu um menu plastificado. "Eu vou casar".
Casando com emoção
A poucos metros da fila de casais que começava a se formar perto do tapete vermelho, uma noiva teve de ser socorrida por um bombeiro civil. Respirando fundo e segurando uma garrafa de água, a noiva se abanava para tentar recuperar a pressão baixa. "Ela já tava com calor, aí juntou com o vestido pesado, nervosismo e foi", comentou uma das madrinhas, correndo em direção ao ambulatório.
A noiva que foi socorrida, Eliane de Andrade, chegou poucas horas antes, já vestida e maquiada, deixando o longo cabelo preto cair em um lado dos ombros. A cabeleireira de 38 anos estava ao lado da melhor amiga, Fabiana Ribeiro Alves, 40, auxiliar de enfermagem.
Amigas desde a sexta série do ensino fundamental, as duas decidiram casar com seus respectivos namorados de longa data no mesmo dia. "Sempre foi meu sonho casar. E hoje ele está acontecendo exatamente do jeito que eu queria, estou aqui, toda bonita, com minha família e amigos", contou Andrade.
"O plano é casar, almoçar, deixar as nossas filhas em casa e voltar para o bailão", confidenciou Andrade. "Mas não conta pra minha filha"— a cabeleireira apontou para uma jovem de vestido rosado, com os mesmos cabelos pretos da mãe. A arrumação, aliás, começou cedo. "Às 6h00 a gente já estava no salão para fazer nosso dia de noiva".
A história da Andrade teve final feliz. Minutos depois da crise, ela saiu recuperada da enfermaria do CTN. Ao seu lado, sorrindo, estava a amiga. Finalmente, as duas entrelaçaram os braços com os respectivos noivos e, juntas, deram um passo para realizarem seus sonhos.
Finda a cerimônia, os casais voltaram para as mesas, onde amigos e familiares já os esperavam com baldes de cerveja gelada e porções fartas de baião de dois. Desta vez, traziam em mãos a certidão de casamento. Já no meio da tarde, as crianças tiravam uma soneca nas cadeiras enquanto os funcionários do CTN começaram a desmontar a estrutura do casório para a próxima atração: um bailão de forró.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.