Cheia de rio em Porto Seguro (BA) cria comunidade ribeirinha fantasma
Edvaldo da Costa busca as palavras, tateia o ar e tenta definir o próprio sentimento, mas não consegue. "É um desespero que nem posso explicar. A verdade é essa. Não dá pra explicar."
Ele tem 62 anos, todos vividos na margem do rio Buranhém, que corta a cidade de Porto Seguro (BA) e desemboca no mar. Edvaldo nunca viu o rio subir como na madrugada do domingo (12). Foi obrigado a abandonar a própria casa junto com a esposa, Josilda, levando algumas roupas, um colchão, documentos e os seis cachorros.
"A água subiu a mil, muito rápido, quando a gente deu conta já tava no telhado", contou.
Distribuídas na borda do rio, cerca de 300 pessoas vivem na mesma localidade, a Ilha do Pau do Macaco. Após as chuvas causadas pelo ciclone extratropical que atingiu o extremo sul baiano e o nordeste de Minas Gerais, todas tiveram que deixar suas casas. A água subiu cerca de 4 metros em aproximadamente 5 horas.
A cidade turística não está entre as que registraram os maiores volumes de chuva, mas é destino final do Buranhém, que nasce em Minas Gerais e percorre todo o território inundado pelos temporais.
Com a subida repentina, o que era uma comunidade ribeirinha virou, em questão de horas, uma comunidade dentro do rio. Ou pior: uma comunidade fantasma dentro do rio.
"Se eu pudesse, dormia no barco pra tomar conta de minhas coisas, de minhas galinhas, mas vim embora, porque a gente tem que se preocupar em salvar nossa vida, né", disse Edvaldo, que, além de criar galinhas, cultiva abacaxi, laranja, dendê, coco e mandioca em volta de casa. Do rio, ele retira robalo e pitu. Para seu sustento, vende tudo isso no Mercado da Tarifa, em Porto Seguro.
Até que a água volte ao nível normal, Edvaldo está sem trabalhar, alojado na casa de um amigo em um braço de rio menos atingido pela cheia, mas ainda sob risco, caso as previsões de novas tempestades se confirmem.
A equipe de TAB embarcou no centro de Porto Seguro, junto ao terminal de balsas, com o marinheiro e fotógrafo subaquático Leones Lopes, que conhece o Buranhém até no escuro e afirma nunca ter visto nada parecido. São cerca de 4 quilômetros rio acima, até chegar à ilha.
"Domingo eu recebi um recado de que o pessoal tava precisando de ajuda, peguei o barco e subi na mesma hora. Quando cheguei, não acreditei. É o lugar onde venho passear com minha família. As casas sumiram", lembra Leones.
Comunidade fantasma
"Dá vontade de chorar. Acho que a gente só não fica parado chorando porque tem que resolver a vida, dar um jeito de arrumar as coisas", diz Maico Costa, um dos três filhos de Edvaldo.
Na terça-feira (14), ele acompanhou a reportagem de TAB até a casa dos pais. Com a água já tendo baixado um pouco, foi possível entrar para dimensionar as perdas: geladeira, fogão, sofá, guarda-roupa, camas — tudo ficou submerso. Se ainda terão serventia, não se sabe.
Aos 34 anos, Maico foi criado na beira do Buranhém e dele também retira sua renda, coletando guaiamum (caranguejo-mulato-da-terra) para, como o pai, vender na Tarifa. Já está ciente de que tão cedo não poderá contar com isso, pois a cheia do rio tapou todas as tocas dos crustáceos.
Olhando em volta, o que se vê são centenas de guaiamuns tentando escalar qualquer galho para se manter fora da água, o que nem sempre conseguem. "Vai morrer tudo. É tanta água que nem os bichos aguentam. Como é que meu pai ia ficar aqui? O jeito foi sair mesmo, saiu todo mundo."
O relato de Maico coincide com o de Eric Max, 25. Ele foi à ilha "passar o olho" na casa do avô, Edmundo, 63, que também partiu às pressas para fugir da cheia, e está com a família na área urbana de Porto Seguro.
A marca da umidade na fachada do imóvel deixa claro: poucas horas antes, a inundação ultrapassava a metade da porta de casa. Lá dentro, Eric se deparou com colchões, baldes e panelas boiando, além de dois sofás ainda encharcados de água. Não se salvou nem a bateria da placa solar que seu avô utilizava para ter algumas horas de iluminação artificial.
"Meu avô nem roupa levou. Entrou no barco e partiu", diz Eric, relatando que, do lado de fora, onde a água ainda alcançava sua cintura, o que se tem normalmente é uma terra firme em que está fincada a mesa onde a família costuma se reunir.
Um ponto de encontro como o bar do Tancinho, que funcionava numa praia fluvial, ficou devastado. Ali restaram apenas cadeiras, mesas e um freezer amontoados. O dono também partiu.
"E ainda dizem que vai chover mais lá em cima. Se esse rio subir de novo, não vai sobrar nada", vislumbra Eric, em tom de lamento.
Força das águas
Por estar na foz do Buranhém, Porto Seguro sente um efeito retardado das chuvas na cabeceira e afluentes do rio. Na sexta-feira (10), uma ponte sobre o mesmo rio, na BR-101, altura da cidade de Eunápolis, chegou a ficar totalmente coberta pela água, causando interrupção do tráfego na rodovia.
No sábado, entretanto, a pista já não estava mais submersa. Toda aquela água seguiu seu curso e foi parar na ilha justamente entre a noite de sábado e a manhã de domingo, causando a fuga dos moradores.
A força da água é tanta que tem causado impacto também na travessia de balsas entre Porto Seguro e o distrito de Arraial d'Ajuda, muito utilizadas por turistas. Devido à correnteza, são necessários dois rebocadores para encostar as balsas na rampa, o que permite a passagem de veículos.
Tal operação exige que menos balsas estejam ativas na travessia, aumentando o tempo de espera de quem pretende cruzar o Buranhém.
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